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Jardim das Delícias



Quarta-feira, 18.06.14

Abibe Tal - Adão Cruz

 

Adão Cruz  Abibe Tal

 

(Manuel Cruz)

 

 

   O Abibe era muito feio.

Negro como um tição.

A única coisa que no seu corpo branqueava eram os dentes, inseridos à distância da boca.

Mas tinha um coração grande, muito maior que a feiura. Não o coração de carne que lhe batia no peito, mas o irmão gémeo, o coração dos sentimentos e do afecto.

O Abibe pertencia à milícia e era nosso empregado, ajudando na cozinha e na limpeza.

Fez-se por sua livre vontade meu impedido, afeiçoado e amigo.

Limpava o quarto, fazia a cama, conseguia arranjar uns mangos e umas bananas e tratava de tudo o que eú lhe pedia.

A densidade de incidentes bélicos no pequeno território da Guiné era muito maior do que nas outras colónias.

A terrível fama da sua guerra alastrou como fogo. Comparada à do Vietname.

Ser destacado para a Guiné constituia uma condenação ao apodrecimento e ao risco de regressar encaixotado.

Os aquartelamentos eram rodeados de arame farpado e troncos de palmeira, com abrigos subterrâneos, fre­quentemente flagelados.

Eu próprio ajudei a cavar trincheiras, ligando os nossos quartos às casernas e a uma enfermaria subterrânea, onde guardava soros e medicamentos de urgência, in­dispensáveis em situações de ataque.

Em tais condições de vida, era grande o valor de um companheiro e amigo como o Abibe Tal.

Mas não era só a guerra o mal que se temia.

As doenças constituiam outro flagelo que a ninguém poupava.

Nem o médico.

Por isso adoeci com paludismo.

Mais que uma vez.

Para quem não sabe, contrair o paludismo ou malária, é uma coisa terrível.

A doença mais espalhada no mundo, uma das mais fre­quentes nos trópicos e terrivelmente penosa nos acessos agudos.

Mais de duzentos e cinquenta milhões de pessoas afectadas em todo o planeta.

De características clínicas particularmente graves nas regiões tropicais.

O surto febril é indescritível.

Arrepio súbito e violento, grandes picos de febre, mal-estar do outro mundo, astenia intensa, machadadas na cabeça, palpitações, contracções, sufocação, sêde de toda a água, fenómenos sensoriais indefiníveis, corpo der­retido em suores por dentro e por fora.

O tremor generalizado mais parece um terramoto com epicentro no peito.

O vómito não mede distâncias.

 

Neste estado o Abibe me encontrou.

—   Ché dotô, tu tá memo lixado, mim ter que dar mezinha, mim ser dotô de dotô!

—  Meu caro Abibe, preciso que me descubras sem falta uma galinha, custe o que custar, não consigo comer nada e uma canja sabia demais.

—    Mim fala no Seco, dotô manga de favor a Seco, dotô sempre trata filho de ele, mulher de ele, dotô sempre dá mezinha todo família, ele tem que arranja galinha. Pouco tempo depois o Abibe entra no quarto com a cara do avesso.

Os dentes pareciam mais salientes e uns laivos de espuma apontavam os cantos da boca.

Os olhos faiscavam de raiva.

—    Dotô, aquele fideputa diz ca tem galinha, manga de ingrato, mim sabe que ele tem galinha, ele escunde galinha mas eu mato ele.

—   Deixa lá, tudo se há-de resolver.

 

A noite caíra, mansa e quente, noite da Guiné.

O meu corpo sossegara, trégua das sezões e acção dos remédios.

Novas réplicas do terramoto seriam de esperar mas o que contava era o momento.

Estava eu ruminando a fraqueza, quando entra o Abibe sorridente com todos os dentes de fora, segurando nas mãos um prato de canja fumegante.

—   Dotô aqui tem canja, toma ela.

—   Onde encontraste a galinha?

—   Munto fácil dotô, mim espera noite, Seco vai na reza, mim faz emboscada e fana dois galinha, pa hoje, manhã e outro dia.

Fideputa, manga de ingrato!

 

O Abibe era solteiro e mais tarde ou mais cedo haveria de casar.

Por isso precisava de quinhentos pesos e duas vacas, o preço da noiva.

Eu disse que lhe daria tantos quinhentos pesos quantas as mulheres que ele comprasse, mas vacas é que não tinha. Quando me vim embora o Abibe continuava solteiro. Choramos os dois, num abraço eterno de despedida, onde cabia o mundo.

Sei que ele faria feliz quem dele se achegasse. Escreveu-me há cerca de dois anos, dizendo que tinha duas mulheres e oito filhos.

 

(in Vem Comigo Comer Amendoim, 1994)

 

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por Augusta Clara às 17:00

Quarta-feira, 18.06.14

“Polio We Will Win”

 

“Polio We Will Win” é um livro de fotografia que retrata o esforço para acabar com a doença da Pólio através do poder da imagem do sorriso das crianças salvas desta doença. É também o primeiro livro escrito em Português, Turco e Inglês e com testemunhos de vários voluntários como é o caso do Prof. Doutor Fernando de Pádua.

 

Nota de edição: este livro deve ser esfregado bem na cara dessa gente que anda por aí a tentar enganar os outros, incentivando-os à não vacinação, especialmente dos filhos. É crime.

Soube de um médico que o fazia, não dando a cara, sob pseudónimo. Provavelmente para não irritar os mecenas da indústria farmacêutica. Todos sabemos que, quanto menos vacinas, mais doenças e mais lucros em medicamentos para certas máfias do grande negócio da saúde.

 

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por Augusta Clara às 14:00

Quarta-feira, 18.06.14

As fobias e o medo do sufixo - Carlos Esperança

 

 

Carlos Esperança  As fobias e o medo do sufixo

 

 

   Condenar fobias coletivas, que levam o sofrimento e a violência a minorias, é um dever  de cidadania e um ato de humanismo. A misoginia é uma fobia de contornos religiosos que atrasou a emancipação da mulher e a submeteu, ao longo dos séculos, ao sofrimento violento e à tristeza profunda.

A xenofobia é responsável por guerras e dramas que uma sociedade civilizada não pode consentir. Os dramas vividos ao longo da história, pela pulsão homofóbica, tantas vezes oriunda de quem se sente atraído pelos comportamentos que execra, são uma mancha na história da humanidade e um preconceito que está longe de ser erradicado.

As fobias individuais são um caso psiquiátrico, as coletivas um problema social.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem devia ser assimilada em qualquer lugar e por todos. O analfabetismo, a fome, o atraso social, o tribalismo e os preconceitos são responsáveis pelos atropelos a direitos que muitos povos desconhecem.

Dito isto, urge denunciar o sufixo «fóbico» como álibi para absolver crimes. Tal como a escravatura e o canibalismo foram banidos, outras iniquidades devem ser combatidas.

O apodo de cristianofobia não pode impedir que se averiguem os crimes praticados em épocas recentes pelo catolicismo irlandês, sobre mulheres e crianças, ou a cumplicidade do clero espanhol no genocídio franquista. É preciso neutralizar as forças que afastaram o juiz Baltasar Garzon, as ameaças do cardeal Rocco Varela e os resquícios franquistas das hostes do PP.

Ninguém se atreve hoje a chamar a alguém fascismofóbico ou nazismofóbico, porque as ideologias foram e são perversas, e originam crimes. Não é o ato de pensar, por mais malévolo que seja, que pode ser punido, mas os crimes a que conduz e quem os pratica.

A acusação de islamofobia afigura-se hoje como a cumplicidade com o mais implacável dos monoteísmos, a mais primária das religiões do livro e os mais perversos métodos de proselitismo, perpetrados por indivíduos fanatizados, desde crianças, nas madraças e nas mesquitas, por pregadores do ódio que prometem virgens e rios de mel.

O medo dos talibãs é uma arma que a extrema-direita europeia usa para se substituir na redução de liberdades e no ódio sectário. A Al-qaeda, ao contrário do que certa esquerda diz, é a expressão das crenças e desejos de um profeta analfabeto vertidos num manual terrorista chamado Alcorão.

Do Paquistão aos EUA, da Europa à região africana do Sahel, do Kosovo às Repúblicas ex-soviéticas, todos os dias nascem células de fanáticos que querem submeter o mundo a Maomé e as liberdades aos ditames da sharia. Tal como sucedeu na Europa, com a repressão política ao clero, para que pudéssemos ter ou não ter religião, é urgente reprimir a vontade de um deus malévolo para que os homens possam ser livres e felizes.

Um caso grave é a Turquia, com um vigoroso exército. Erdogan, muçulmano moderado, como europeus e americanos o designam, declamando tautologicamente um oximoro, decapitou as Forças Armadas e o aparelho judicial, que defendiam a laicidade, com a legalidade do voto, enquanto reislamizou o País, ao sabor da fé e do afeto à sharia.

Apostila – Às portas de Bagdad, depois da partida dos infames cruzados de Bush, os muçulmanos matam-se mutuamente. Os do Paquistão preferem matar hindus.

 

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por Augusta Clara às 08:00



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