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Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
Álvaro de Campos Começa a haver meia-noite e a haver sossego
(Adão Cruz)
Começa a haver meia-noite e a haver sossego,
Por toda a parte das casas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida…
Calaram o piano no terceiro andar…
Não oiço já passos no segundo andar…
No rés-do-chão o rádio está em silêncio…
Vai tudo dormir…
Fico sozinho com o universo inteiro.
Nem quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anti-citadino!...
Antes, recluso
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua…
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me…
O som de um portão que se fecha brusco dói-me…
Vai tudo dormir…
Só eu velo, sonolentamente escutando…
Esperando
Qualquer coisa antes que durma…
Qualquer coisa…
(in Poesia, Assírio & Alvim)
Jorge Silva Melo Monsieur Tati, não nos deixam olhar, pois não?
“Tudo o que sei, tudo o que podia e tudo o que sonhava está em Play Time”, dizia Jacques Tati a “A Capital” em Março de 1968. Tudo, pode dizer-se agora. E, claro, a própria morte de Tati.
Na manhã de 16 de Março de 1968, na companhia do Eduardo Paiva Raposo, do Fernando Guerreiro e da Maria Antónia Palia, ouvia-o eu declarar: “Os jornalistas foram bastante duros comigo e eu sei porquê. Porque, com o dinheiro que gastei em Play Time, toda a gente pensava que se podiam ter feito mais filmes.”
Depois, foi a história que se sabe: o público não foi, o filme caiu. Tati que, após o êxito de O Meu Tio, poderia ter prosseguido uma carreira de poesia à francesa, um pouco de Marcel Marceau, um pouco de Jacques Prévert, conheceu a desgraça. Ainda faria mais dois filmes, mas em condições e com resultados precários. E havia um projecto que lhe era agora proposto in extremis por Jack Lang. E que a morte matou.
Eu conheci Jacques Tati nesse Março. Tinha, dias antes, saído da cadeia de Caxias, onde fora parar mais por falta de ligeireza nas pernas para apoiar Ho Chi Min do que por constituir perigo político que se visse contra um Governo que combatia noutro hemisfério, em nome de sete séculos.
Foi logo a seguir a sair da cadeia que vi Play Time e que percebi que fora preso exactamente porque, na estupidez dos meus dezanove anos, eu achava possível um mundo de filmes assim. Não estou a mentir agora. Escrevi-o n’ O Tempo e o Modo que saiu em Abril de 1968, com aquele inconfundível estilo de miúdo há muitos anos míope e que já carregava o seu Barthes, Campo Grande abaixo:
Carlos Matos Gomes Salário Máximo
O salário máximo é o verso do salário mínimo. Mas ainda mais justo. O princípio da instituição do salário mínimo é o de que que o trabalho deve ser remunerado de uma forma digna. O princípio da instituição do salário máximo é o de que nenhum trabalhador deve ter um salário que afronte a dignidade de outro trabalhador. Parece-me evidente (aos liberais não) que quando um trabalhador ganha 300 salários mínimos por mês ou um ou outro é indigno.
John Ruskin, um filósofo e crítico social inglês do século XIX escreveu mais ou menos o seguinte: “Dificilmente existirá alguma coisa neste mundo que alguém não possa fazer um pouco pior e vender um pouco mais barato.” Sam Walton, americano, o dono dos supermercados Walmart, a maior cadeia de distribuição do mundo, dizia que se arrependia sempre do que pagava aos seus directores, porque tinha a certeza de que alguém estaria disponível para fazer aquele trabalho por menos dinheiro.
Se o salário mínimo serve de limiar abaixo do qual ninguém deve ser remunerado pelo seu trabalho, porque este, num dado contexto, não pode ser vendido abaixo desse valor (deixaria de ser um salário para ser a ração de subsistência do escravo), o salário máximo deve significar que não existe nenhum trabalho que acrescente um valor infinito, ou ilimitado em qualquer produto. Significa, em suma, que num dado sistema de produção não há nenhum trabalhador que funcione como um deus ex machina, que seja ao mesmo tempo criador e insubstituível. Significa, em termos religiosos, que não há deuses nas empresas.
O argumento liberal é que ninguém tem nada a ver com o que um patrão, um proprietário, paga aos seus trabalhadores. É uma falácia a vários que esconde realidades muito distintas. Quem remunera sem limite são as grandes corporações detidas por accionistas anónimos (fundos de investimento, fundos de pensões) interessados em obter o lucro máximo e rápido para os seus investimentos. Estas entidades são de facto turbinas de compressão e expansão de acções especulativas e não de produção de bens reais. O que é remunerado não é trabalho dos seus administradores, mas a sua capacidade em gerarem bens virtuais, de acelerarem a especulação. O que os accionistas atribuem aos seus administradores é a arte de criarem expectativas. Considerar essa actividade dos administradores como trabalho e salário a sua remuneração levar-nos-ia a erigir a conhecida Dona Branca como uma heroína do trabalho e a glorificá-la em todos os primeiros de Maio. Acresce, para justificar o estabelecimento de um teto para salários, remunerações ou prémios a esses fogueiros que trabalham nas caldeiras das acções até as levarem a um ponto de rutura é que, quando estoiram, quando esses grandes fogareiros estoiram, sabemos o que acontece (temos dois exemplos recentes e próximos com o BES e a PT): o Estado, os contribuintes, a sociedade em geral, entra para remediar o estoiro, porque os estilhaços, se deixados à sorte do mercado, atingiriam zonas profundas da sociedade, provocariam aquilo que os tecnocratas chamam de perigo ou risco sistémico. Aí intervém o Estado, com os nossos impostos. Nesta circunstância já não é o mercado a funcionar. O mercado que remunerou liberalmente os administradores como se eles fossem mágicos alquimistas que transformavam as pedras em ouro e que rebentaram a turbina já não serve para os punir, nem para lhes exigir a indemnização.
O salário máximo previne várias situações: a da vertigem dos administradores, cegos pelos lucros que lhes aumentam os rendimentos na parte proporcional; diminui riscos; é prudencial; introduz racionalidade no sistema de produção e de trocas e até diminui o crime. Uma das razões para a existência do salário mínima é de ordem sociológica: um miserável cometerá mais facilmente um crime do que alguém com um mínimo de rendimentos, curiosamente esse argumento serve também para o salário máximo: um tipo deixado à solta a ganhar de acordo com o que consegue especular cai com igual facilidade no crime. Os nossos gangues do BPN e do BES, os Madoff, os jovens brookers do Crédit Lyonais, de Wall Street, retratados no documentário Inside Job estão aí.
É claro que vivemos numa sociedade liberal. Mas então que seja à séria. Em todas as sociedades cuja falência possa causar “riscos sistémicos” para o regular funcionamento do Estado e que atuem em áreas concessionadas pelo Estado, os administradores serão sujeitos ao regime de salário máximo. Nas restantes, que vigore então o cada um por si.
Forbela Espanca Ao vento
(Art du Monde)
O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há de rir, se há de chorar!
Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amor,
A tua voz tortura toda a gente!...
Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim!... Ó vento, chora!
Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
e a gente andar a rir p’la vida fora!!...
(in Livro de Mágoas)
Ricardo Boechat deixou os estúdios do Jornal da Band nesta terça, dia 28, para entrevistar a presidente reeleita Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada.
Veja aqui como foi a conversa, na qual a presidente falou sobre o diálogo com a oposição, a situação da economia brasileira e os planos para a reforma política.
http://www.jornalistassemfronteiras.com
Charles Hussain, Beirute, Mário Ramírez, Washington CIA contrata homens de Saddam Hussein para reduzir influência do Estado Islâmico
Embaixador dos Estados Unidos com o seu primeiro ministro do Iraque, Haidar Abadi
23 de Outubro de 2014
Os serviços secretos dos Estados Unidos da América estão a tentar construir uma milícia sunita assente em antigos quadros do regime de Saddam Hussein para tentar minar a influência do Estado Islâmico no interior da comunidade sunita do Iraque, segundo fontes concordantes em Washington, Bagdade e Beirute.
“Criaram o monstro e agora tentam domá-lo porque exagera na ambição e para isso regressam mais uma vez aos tempos das alianças com as gentes de Saddam”, diz Anthony Eliot, presença veterana nos bastidores militares e de espionagem em Beirute. Para tal, prossegue, “a CIA procura entendimentos com figuras das hostes do antigo partido Baas de Saddam que foram proscritas pela invasão americana e depois recusaram integrar-se na estrutura do Estado Islâmico para combater na Síria e dividir o Iraque”.
De acordo com as fontes concordantes, as iniciativas da CIA estão a desenvolver-se a nível tribal no interior da comunidade sunita. Para já, explica Eliot, a espionagem norte-americana conseguiu o apoio da tribo Dulaym, mas a comunidade está muito fragmentada por várias razões: os norte-americanos tentam que a nova milícia fique sob tutela xiita ao nível do poder central; os sunitas, em geral, continuam revoltados com a presença militar e política norte-americana e a estratégia de poder partilhado entre xiitas e curdos; parte dos antigos quadros de Saddam juntaram-se ao Estado Islâmico na sua ofensiva através do Iraque porque “acham que têm pesadas contas a ajustar com o actual poder de Bagdade”, sublinha Anthony Eliot.
A estratégia norte-americana é comandada pelo próprio embaixador dos Estados Unidos em Bagdade, Robert Beecroft, segundo antigos funcionários do Pentágono bem informados sobre as acções da espionagem em curso no Médio Oriente.
“O embaixador já conseguiu o apoio dos sectores iranianos presentes no Iraque, como é o caso dos Guardas da Revolução, da milícia xiita de Mogtad al-Sadr e também do primeiro ministro iraquiano em exercício, o xiita Haidar Abadi”, afirma uma dessas fontes. No entanto, explica, “o chefe do governo de Bagdade precisa de ter o apoio do seu partido Al-Dawa, que até agora se tem oposto, o que é efectivamente um problema devido à precariedade da situação política na capital iraquiana”.
Segundo círculos iraquianos em Beirute, o principal esforço da CIA no âmbito destes planos é obter o envolvimento das tribos sunitas Anbar, a que pertencem grande parte dos principais quadros do Estado Islâmico. “A CIA conseguiu que o chefe destas tribos, Ali Hatem Suleiman, tenha contratado os serviços da Calex Partners nos Estados Unidos, uma empresa da Virgínia pertencente a Jonathan Greenhill, um antigo operacional dos serviços clandestinos da CIA”, segundo uma fonte bem informada sobre os circuitos da espionagem em Beirute. “Uma viragem das tribos Anbar poderia enfraquecer o Estado Islâmico nas suas zonas de maior influência e enraizamento e permitir assim à administração Obama conseguir uma partilha do Iraque através de sunitas mais ‘moderados’ do que a aposta anterior nos homens do califado de Bagdadi”, considera a mesma fonte.
“Este cenário revela na perfeição o que tem sido a anarquia estratégica americana no Médio Oriente”, deduz Anthony Eliot. “Os americanos aliaram-se a Saddam, depois derrubaram Saddam, a seguir falham na gestão do Iraque excluindo os sunitas, depois inventam um grupo terrorista sunita, o actual Estado Islâmico, para dividir a Síria e o Iraque com base em homens de Saddam, agora estão a tentar mobilizar antigos homens de Saddam para combater o Estado Islâmico, salvar Bagdade da ofensiva deste e montar à mesma uma partilha do Iraque com base nos curdos, nos xiitas e nos sunitas “moderados”, por acaso tão saddamistas como os ‘radicais’. Esta deriva só pode provocar guerra e mais guerra”, prevê Eliot. “E não se esqueçam”, adverte, de que “Washington faz estas manobras em coligação não assumida com o regime iraniano com quem está ainda tecnicamente em guerra, pelo menos uma guerra de sanções”.
Charles Hussain, Beirute, Mário Ramírez, Washington
Manuel Bandeira Eu vi uma rosa
(Silvia Molinari)
Eu vi uma rosa
— Uma rosa branca —
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.
Sozinha no mundo.
Em tomo, no entanto,
Ao sol de mei-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.
Tudo isso era excesso.
A graça essencial,
Mistério inefável
— Sobrenatural —
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.
Sozinha no tempo.
Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação.
(in Manuel Bandeira, Antologia, Relógio d'Água)
Petrópolis, 1943
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Porto é melhor que Benfica, isto é uma prova clara
Magnífica verdade,"[...] que viver dos outros impl...
Obrigada! Texto maravilhoso a ler e reler! Desde p...
Muito interessante este texto do Raul Brandão. Que...
Desculpe, mas isto é demasiado grande para ser o c...