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Jardim das Delícias



Terça-feira, 10.05.16

Sarabande - G.F. Haendel

a noite fez-se para amar 1a.jpg

 

G.F. Haendel  Sarabande

 

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por Augusta Clara às 20:00

Terça-feira, 10.05.16

Não há hora nem dia para a Liberdade! - Eva Cruz

ao cair da tarde 5b.jpg

 

Eva Cruz  Não há hora nem dia para a Liberdade!

  

edouard ambrose, la vie 3a.jpg

(Edouard Ambrose)

 

 

   Pelo caminho ouvi, atrás de mim, uma voz muito fresca:

- Tenha um bom dia, minha senhora.

Reparei que era um rapazinho, aparentando os seus dezoito anos, tão espontâneo e sorridente que me fez responder no mesmo tom:

- E tu também.

Tive vontade de meter conversa e perguntei-lhe o que andava ele ali a fazer.

- Ando aqui a ver se arranjo mais uns tostõezitos para o almoço.

Tinha uns olhos muito azuis que faziam adivinhar uma boa alma.

Perguntei-lhe a idade. Disse-me que já tinha vinte e cinco, nunca tivera trabalho, só fizera o sexto ano, vivera com a avó, mas agora estava sozinho porque ela fora para um lar. Nunca conhecera o pai, e a mãe só a vira em criança, mal dela se lembrava. Disse ainda que tinha o nome de dois santos, João Pedro, mas de pouco lhe terá valido.

Pareceu-me muito sincero, embora este tipo de história seja sempre o mesmo.

Perguntei-lhe se o dinheiro que tinha já chegava para o almoço. Abriu a mão com algumas moeditas e disse que o almoço custava quase quatro euros.

Pensei, com os meus botões, que me estava a querer levar mais algum. Tinha, no entanto, uma postura tão aparentemente honesta, que até me custou julgá-lo desta forma.

- Vamos ali que te pago o almoço.

- A senhora vai-me pagar o almoço? Então devolvo-lhe o euro que me deu.

- Fica lá com o euro, rapaz!

- Eu fumo, mas pouco. Peço às pessoas um cigarrito. Eu era capaz de cozinhar para mim, que a minha avó até me ensinou, mas não tenho dinheiro para o gás.

No pequeno café em frente, perguntei ao homem quanto custava a refeição.

- Três euros e setenta, lombo assado, o prato do dia, menos a bebida.

- Vê! Eu não lhe menti! Com a bebida vai lá para os quatro e tal.

Paguei-lhe o almoço e a bebida.

- Tens mais sorte do que eu, pois já tens o almoço pronto, e eu ainda vou fazer o meu.

- Então almoce comigo.

- Não posso, tenho gente em casa à espera.

Deu-me dois beijos, um de cada lado da cara.

Quando cheguei a casa, além da gente que tinha à minha espera, aguardava-me uma amiga com quem sempre partilhei o sonho de Abril. Trazia na mão o ramo de cravos vermelhos mais lindos que tive na minha vida. Robustos, e de um vermelho retinto e aveludado.

Esta amiga, todos os anos me deixa um cravo vermelho debruçado na minha caixa do correio, no dia vinte e cinco de Abril. Pela primeira vez, este ano, não vi o cravo vermelho na caixa do correio, nem consegui comprá-lo em lugar algum, apesar de me ter esforçado. Muito triste por me ter faltado a sua companhia em dia tão abençoado, ainda voltei à caixa do correio, já noite tardia, mas não o vi.

- Pela primeira vez não lhe deixei o cravo na sua caixa do correio. Não estive cá.

Dentro da beleza daquele ramo de cravos vermelhos havia um cartãozinho que, entre outras palavras de amizade, dizia:

- Não há dia nem hora para a Liberdade!

Não me enganei. O rapazinho era mesmo sincero, ao desejar-me um Bom Dia.

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por Augusta Clara às 17:20



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