Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
Carlos de Matos Gomes 59 mísseis para o regresso à normalidade americana da guerra
59 mísseis para o regresso à normalidade americana da guerra.
Os 59 mísseis disparados pelos EUA contra um objectivo na Síria representam o regresso à agenda de guerra da política externa estabelecida no final do século XX. Trump sofreu mais uma derrota. Na campanha eleitoral Trump prometeu desinvestir nas guerras do Médio Oriente (o termo técnico é baixar o nível de empenhamento), porque o petróleo estava barato, era abundante e ele preferia o carvão que dava emprego a americanos. Trump considerava a NATO obsoleta e a Rússia um parceiro em vez de um inimigo.
Esta agenda colidia com os interesses de Israel e da Arábia Saudita que há décadas (pelo menos desde Nixon e Kissinger) dominam a matilha política de Washington. Os tiranetes radicais da Arábia Saudita e de Israel necessitam da desestabilização da região para se manterem no poder. Um Médio Oriente estabilizado é o fim dos negócios e do poder da família Saud e dos radicais judeus. A agenda tradicional dos EUA, a agenda de Clinton, marido e mulher, de Bush pai e filho, de Obama foi a de criar e manter um turbilhão na zona.
Em 2007, o general Wesley Clark, antigo comandante supremo da NATO, numa entrevista muito difundida, desvendou o plano dos EUA e dos seus aliados locais e europeus de tomarem ou destruírem 7 países em 5 anos: Síria, Líbano, Líbia, Somália e Irão, que iriam fazer companhia ao caos do Iraque. Era este o programa de Hillary Clinton.
Em 3 de Fevereiro de 2017, logo após a posse de Trump, o general David Petraeus, antigo director da CIA, alertava o novo presidente para o perigo de alterar a “war agenda”. Numa conferência na Comissão Militar afirmou que a América não podia dar como garantida a atual situação (a situação herdada de Obama). Esclarecia que essa situação não era autosustentada e que fora criada pelos Estados Unidos. Se não for mantida colapsará, garantiu.
Os 59 mísseis lançados sobre uma base siria demonstra que os velhos poderes já estão bem instalados em Washington. A velha situação de desestabilização não colapsou. A família Saud e Benjamin Netanyahu podem celebrar de novo a vitória. Os lobistas do armamento, das companhias militares privadas podem acender charutos.
Não deixa de ser caricato que Trump tenha justificado a sua derrota com um impulso piedoso devido ao choque sofrido com as imagens das crianças atingidas pelas armas químicas. Armas cuja origem ninguém se interessou em investigar, a começar pelo próprio Trump. Já o mesmo tinha acontecido com as armas de destruição em massa de Saddam Hussein, que levaram Bush filho à segunda invasão do Iraque.
A velha ordem regressou a Washington. E à Europa também, com uma diferença: a doutrina Blair de sujeição activa da Europa ganhou adeptos. Hollande e Merkel não estiveram à altura de Chirac e Schroeder. Esses também tinham que vender armas, mas a estes não lhes custa serem rafeiros…
Tudo como dantes. Quartel em Abrantes
Mundo Cão, 7 de Abril de 2016
O sicómoro é uma figueira-brava abundante desde sempre no Médio Oriente, de tal modo que tem ressonâncias bíblicas. Isso terá inspirado os assessores do presidente Barack Obama quando se tratou de baptizar a operação secreta através da qual a Casa Branca e o Pentágono, recorrendo ao poço sem fundo de petrodólares da Arábia Saudita e ao prestimoso aparelho de guerra da NATO, decidiram desestabilizar a Síria até ao estado em que se encontra.
Corria o ano de 2012. Depois de montado o mito de que existia um início de “primavera árabe” na Síria, começou a canalização em massa de bandos de terroristas e toneladas de armas e munições para o interior do país, através das fronteiras da Jordânia e da Turquia. Ao mesmo tempo, aviões de carga das ditaduras do Golfo despejavam armas para os mercenários já no terreno; e os comboios humanitários da ONU foram transformados em autêntico cash and carry de material de guerra para os infiltrados, por inspiração do secretário-geral adjunto da ONU, Jeffrey Feltman. Para os que nunca dele ouviram falar, é o comissário político norte-americano na organização, ex-alto funcionário do Departamento de Estado, encarregado da estrutura operacional do golpe de Estado fascizante na Ucrânia, quando já em funções nas Nações Unidas.
Estava no terreno a operação “Madeira de Sicómoro”. Saibam os que reagem a este tipo de informações sobre operações secretas acusando liminarmente os mensageiros de serem agentes das teorias da conspiração que, neste caso, também os repórteres do New York Times o são. Foram eles que descreveram em pormenor a trama clandestina, ainda não há dois meses.
Em traços largos, a operação decidida por Barack Obama, numa primeira fase dedicada à desestabilização política e, a partir de 2013, à “assistência letal” aos terroristas sem excepção, foi passada à prática pela CIA e financiada, “em vários milhares de milhões de dólares”, pela ditadura whaabita da Arábia Saudita, a doutrina fundamentalista islâmica que inspira os mais sanguinários grupos terroristas, entre eles a al-Qaida e o Estado Islâmico e os seus heterónimos regionais. Também o Qatar, os Emirados Árabes Unidos e a inevitável Turquia do fascista Erdogan se juntaram à operação.
Houve uma altura, ao que consta, que a Casa Branca pareceu recuar, pretendendo abrir excepções no auxílio à al-Qaida e ao Estado Islâmico. Contra isso se levantaram países árabes europeus na conferência dos “Amigos da Síria” realizada em 12 de Dezembro de 2012, em Marraquexe, Marrocos. O porta-voz dessa frutífera indignação contra o rebate de Washington foi o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, que só há pouco, e por doença, abandonou o cargo. Foram dele estas palavras históricas e lapidares: os membros da al-Nusra (heterónimo da al-Qaida na Síria) “estão a fazer um bom trabalho no terreno”.
Para pôr em Marcha a operação “Madeira de Sicómoro”, Barack Obama limitou-se a retomar uma velha prática de Washington ao recorrer à Arábia Saudita para financiar guerras e golpes de Estado. “Eles sabem o que obtêm de nós e nós sabemos o que obtemos deles”, é a versão da prosaica sentença “uma mão lava a outra” recitada ao New York Times por Mike Rodgers, um antigo representante republicano do Michigan. Se catarmos um pouco na História iremos encontrar esta simbiose entre Washington e Riade, entre os maiores pregadores da democracia e os seus mais descarados inimigos, por exemplo no apoio aos bandos armados na guerra civil angolana; na conspiração dos “contras” na Nicarágua; na institucionalização do banditismo no Afeganistão através dos “mujahidines” e da fundação da al-Qaida por Bin Laden; no esmagamento em sangue da “primavera árabe” no Bahrein; na destruição da Líbia, entregue operacionalmente à NATO.
É certo que a intervenção russa, fazendo em poucos meses os estragos nas hostes terroristas que a aviação norte-americana prometeu durante dois anos e nunca cumpriu, alterou as relações de forças na Síria. Moscovo e Washington definiram um cessar-fogo e Jeffrey Feltman foi afastado do dossier sírio. Consta que os comboios humanitários da ONU já não transportam armas para os terroristas. A paz, contudo, é uma miragem num país que em 2011 quase não tinha dívida externa e que agora chora 250 mil mortos, onde um em cada três sobreviventes é refugiado interno ou externo. Pelo que, também por isso, Barack Obama e os dirigentes da União Europeia e da NATO que o acolitam têm as mãos sujas, muito sujas mesmo, do sangue de seres humanos inocentes.
José Goulão A Síria depois de Munique
Mundo Cão, 16 de Fevereiro de 2016
As centrais de propaganda postas em acção no âmbito do projecto de destruição da Síria, a pretexto da instauração da democracia, receberam os resultados da reunião internacional de Munique com inegável contrariedade e, desde então, lançaram uma onda de confusão e desinformação para abafar os passos no sentido da pacificação do país que foram dados na capital bávara.
Como se percebe olhando as páginas dos principais diários e semanários europeus, e dedicando alguma atenção aos serviços noticiosos radiofónicos e televisivos, os russos passaram a ser os maus da fita, violadores ostensivos de um pretenso cessar-fogo. Bachar Assad reapareceu como o demónio a quem os russos sustentam e, para que conste, os grupos terroristas como o Estado Islâmico e a Al-Qaida quase parecem pobres vítimas da clique de Damasco.
Passemos então em revista os resultados da reunião do Grupo Internacional de Apoio à Síria realizada há dias em Munique e as suas repercussões no teatro de guerra.
O grupo integra 17 países, designadamente os Estados Unidos e a Rússia, as principais potências da União Europeia, a Turquia, Israel, Qatar e Arábia Saudita. A reunião reafirmou a validade das resoluções 2253 e 2254 do Conselho de Segurança da ONU e também o acordo de Genebra de 2012, que determinam como objectivo a formação em Damasco de um governo de união nacional estabelecido por consenso mútuo – isto é, ao contrário do que países como a França e a Arábia Saudita continuam a insistir, o presidente em exercício, Bachar Assad, deverá ser parte da solução. O que Munique veio clarificar foi a exclusão dos grupos terroristas do processo de união nacional, uma vez que não depuseram as armas; pelo contrário continuam a recebê-las e a engrossar em número de mercenários, devido aos apoios logísticos e financeiros incessantes da Turquia e da Arábia Saudita.
Em termos práticos, a reunião de Munique entregou o processo negocial ao secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e ao ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov. O negociador da ONU fica, de facto, sob a tutela destes; ao secretário-geral adjunto da ONU, Geoffrey Feltman, é retirado o dossier sírio. Esta decisão é da máxima importância: Feltman foi um dos ideólogos golpistas da Ucrânia e, como representante dos falcões neoconservadores de Washington, tem usado o cargo para sustentar, sem excepção, os grupos terroristas introduzidos na Síria. Por isso, na reunião de Munique foi deliberado que os apoios humanitários a desenvolver a partir de agora serão apenas isso: humanitários. Feltman utilizava-os para abastecer os grupos terroristas, Estado Islâmico incluído, o que está abundantemente provado.
A decisão de Munique que tem merecido os favores mediáticos como objecto de confusão, de modo dar a impressão de que as tropas russas e de Damasco estão a violá-la, é a declaração da cessação de hostilidades prevista para dentro de dias.
Na verdade, essa trégua ainda não está em vigor. Por outro lado, o acordo de Munique não só legitima a intervenção russa, iniciada em 30 de Setembro do ano passado e que alterou profundamente os dados da guerra, como salvaguarda a continuação da guerra contra quatro grupos terroristas: Daesh ou Estado Islâmico, Al-Nusra ou Al-Qaida, Ahrar el-Sham (Movimento Islâmico dos Homens Livres da Síria) e Jaysh El-Islam (Exército do Islão). O Ahrar el-Sham é apoiado pela Turquia e o Qatar, treinado por instrutores paquistaneses e tem ligações aos talibãs afegãos; O Jaysh El-Islam está subordinado à Arábia Saudita, os seus instrutores pertencem ao exército privado norte-americano Blackwater-Academi e tem ligações à Al-Qaida.
Perante este jogo de interesses percebem-se as ameaças proferidas precisamente pela Turquia e a Arábia Saudita, cujos governos se declaram prontos a invadir a Síria. O primeiro-ministro turco disse nas últimas horas que “não permitirá” a “queda” de cidades sírias fronteiriças nas mãos do exército de Damasco. Isto é, uma potência estrangeira, por sinal da NATO, declara-se disposta a impedir militarmente que o exército de um país restaure a soberania e a integridade desse país. Esta sim é uma violação grosseira do direito internacional e dos acordos já negociados sobre a Síria.
O acordo de Munique e a reafirmação da validade do acordo de Genebra de 2012 só foram possíveis com a alteração da relação de forças no cenário de guerra, decorrente da intervenção russa iniciada em 30 de Setembro e da ofensiva terrestre do exército sírio lançada em 6 de Janeiro deste ano. Em quatro meses, os aviões russos destruíram a maior parte das fábricas de armamentos e munições usadas pelos grupos terroristas, dos bunkers subterrâneos, dos depósitos de combustíveis e meios de contrabando de petróleo, centros de comando e comunicações do Estado Islâmico e da Al-Qaida. A ofensiva terrestre síria libertou várias frentes, aeroportos, vilas e aldeias na maior parte do país, com excepção dos bastiões terroristas do nordeste.
Os resultados da ofensiva russa fizeram ruir o boicote contra o acordo de Genebra de 2012, montado pelos neoconservadores norte-americanos sob a designação de “amigos da Síria”, apoiados por Alemanha, França, Reino Unido, Turquia, Israel, Arábia Saudita, Qatar e também pela Exxon-Mobil, a Blackwater-Academi e pelo fundo de investimento KKR. São fáceis de perceber a ambiguidade e mesmo a contrariedade manifestadas pelos países citados, com destaque para a França, a Arábia Saudita e a Turquia, perante o protagonismo da Rússia e dos Estados Undos chancelado na reunião de Munique, e que traduz uma pronunciada guinada da administração Obama perante o problema sírio. Esta viragem da Casa Branca não é mais do que o alinhamento com o parecer do poderoso grupo de pressão Rand Corporation, que já no Outono de 2014 chegara à conclusão de que a integridade territorial e a pacificação da Síria, com um governo estável em Damasco, é a solução mais favorável aos interesses dos Estados Unidos.
Não é a Rússia que viola os acordos que vão sendo estabelecidos sobre a Síria; é a União Europeia que, mais uma vez, está a perder o comboio, atrelando-se desta feita às ditaduras islâmicas da Turquia, Arábia Saudita e Qatar e, na prática, aos seus ramos terroristas em acção. Entretanto, o primeiro ministro de François Hollande, Manuel Valls, conseguiu inscrever o estado de emergência na Constituição do país da “liberdade, igualdade e fraternidade”. Diz ele que é para “combater o terrorismo”.
José Goulão O caso bárbaro de Mohamed Suleiman
Mundo Cão, 8 de Dezembro de 2015
Poucos conhecerão as notícias abjectas sobre Mohamed Suleiman nestas horas em que tanto se fala de terrorismo, barbárie e selvajaria como contraponto à nossa superioridade civilizacional plena de virtudes e bênçãos divinas, provenham elas de entidades supremas ou dos não menos supremos mercados.
Não, Mohamed Suleiman não é nenhum dos bandidos armados que praticaram as chacinas de Paris ou Madrid ou Nova Iorque, ou decapitaram um qualquer “cidadão ocidental”; estes são os verdadeiros terroristas, assim definidos pelos lugares onde actuam e as vítimas que provocam, mas de que ninguém ouviria falar entre nós caso se ficassem pelos massacres simultâneos de centenas de sírios e iraquianos, previamente forçados a cavaram as valas comuns para nelas partirem em busca da eternidade, porque isso era assunto lá entre eles, entre bárbaros, que não encaixa nos padrões exigentes e ilustrados de direitos humanos.
Mohamed Suleiman tem 15 anos, é um adolescente palestiniano de Hares, perto de Nablus, na Cisjordânia, detido numa masmorra israelita desde os 13 anos por “atirar pedras”, pecado gravíssimo porque cometido numa estrada reservada a colonos – a designação verdadeira, ocupantes, é politicamente incorrecta – exemplo das obras públicas israelitas que institucionalizam um civilizado regime de apartheid um quarto de século depois de o apartheid original ter sido extinto.
As autoridades israelitas foram buscar Mohamed Suleiman a casa há dois anos, não havendo qualquer flagrante a invocar, e mantiveram-no na cadeia até completar 15 anos. Torturaram-no, juntamente com mais quatro jovens, até confessarem o crime de “atirar pedras” e agora, que já tem idade para ser “julgado”, um tribunal militar israelita condenou-o a 15 anos de prisão por “25 tentativas de assassínio”, judiciosa versão da acusação original baseada no arremesso de calhaus; mas se a família não conseguir pagar uma multa de sete mil euros até 26 de Janeiro a pena transforma-se automaticamente em prisão perpétua. Como os parentes do garoto não têm esse dinheiro – vivem sob ocupação numa terra submetida à violência sádica e fundamentalista dos colonos, espoliados de todos os meios de sobrevivência pelo Estado de Israel - Mohamed Suleiman corre o sério risco de passar o resto dos seus dias que vão para lá dos 15 anos, idade dos sonhos para os adolescentes livres, numa masmorra às ordens dos civilizados esbirros ocupantes.
Esta é a história de Mohamed Suleiman. Ela não corre nos nossos tão informados telejornais, nos nossos periódicos ditos de referência, nas nossas rádios inundadas de cachas, apesar de tais meios não descansarem um segundo na denúncia do terrorismo, do terrorismo mau, pois claro, mas onde deveria caber, por simples misericórdia, um cantinho para Mohamed Suleiman, ao que parece insuspeito de ser do Estado Islâmico ou da Al-Qaida, cujos mercenários às vezes podem ser terroristas, outras nem tanto, depende.
Tão pouco a ONU, a UNICEF, a omnipresente e justiceira NATO, a democratíssima e vigilante União Europeia, tantos observatórios e organizações não-governamentais parecem conhecer a barbárie terrorista de que é vítima Mohamed Suleiman e os seus companheiros. Já me esquecia das boas razões para tal alheamento: Israel, tal como esse farol da democracia que é a Arábia Saudita e também a fraternal Turquia, agora às portas da União Europeia desde que sirva de tampão à entrada de refugiados na Europa, enquanto nutre bandos terroristas, são exemplos brilhantes de civilização e de respeito pelos direitos humanos. Os amigos e aliados jamais praticam terrorismo, tratam da nossa “segurança”.
O caso de que são vítimas Mohamed Suleiman e os cinco de Hares é um exemplo de terrorismo puro e duro, sem adjectivação porque o terrorismo é um fenómeno único, não existem terroristas bons ou maus, civilizados ou bárbaros. Mas esta é uma tese vinda dos bas-fonds da teoria da conspiração, não conta para a vida nos nossos dias.
Ainda sobram no mundo, porém, algumas organizações solidárias que, enquanto denunciam esta aberração selvática, procuram, para já, ajudar a reunir os sete mil euros necessários para tentar travar, no mínimo, a perpetuidade da prisão do jovem.
Quanto ao resto, a história de Mohamed Suleiman e tantas outras histórias que preenchem o quotidiano trágico de Jerusalém Leste, Cisjordânia e Gaza, as histórias de degredos, demolição de casas, assassínios selectivos, escolas e hospitais arrasados, asfixia económica, privação de água e energia, checkpoints e rusgas arbitrárias, muros e outras formas de segregação física e psicológica, mais não é do que exposição da hipocrisia terrorista pela qual se guia a chamada “comunidade internacional”.
Agora que a bandeira da Palestina, Estado fantasma, ondula junto ao palácio de vidro da ONU as boas consciências dos nossos civilizados e democráticos dirigentes sentem-se apaziguadas. Casos escabrosos de terrorismo como o de Mohamed Suleiman poderia, é certo, mascarar essa “paz” tão laboriosamente aparentada, mas que não haja problema: varre-se para o fundo dos tapetes da diplomacia e do desconhecimento, com a prestimosa colaboração do amestrado aparelho de propaganda.
José Goulão Tsunami silencioso no Médio Oriente
Mundo Cão, 25 de Juho de 2015
A notícia passou quase despercebida, mas ainda assim causou algumas dúvidas e perplexidades: a Arábia Saudita e a Rússia, arqui-inimigos de longa data, assinaram um acordo de cooperação nuclear para fins pacíficos. Em termos mais prosaicos: a petromonarquia comprou 16 centrais nucleares a Moscovo para entrarem em funcionamento dentro de meia dúzia de anos.
Isto é, o maior exportador mundial de petróleo decidiu poupar nos combustíveis fósseis, aproveita a tecnologia associada para desenvolver projectos de dessalinização de águas e elegeu como parceira uma empresa tutelada pelo governo do infiel Vladimir Putin.
É assim, tal e qual. Mas a notícia não passa de um pequeno abalo, uma simples réplica do enorme e silencioso tsunami que por estes dias atinge o Médio Oriente.
O epicentro do magno sismo, como já se focou nestas linhas, é a próxima assinatura de um acordo (que são pelo menos dois) entre outros arqui-inimigos, os Estados Unidos da América e a República Islâmica do Irão. Para consumo geral, um dos acordos é o chamado 5+1, que teoricamente acaba de vez com o mito das nunca existentes ambições iranianas ao nuclear militar; outro é bilateral e traduz uma espécie de partilha de zonas de influência norte-americanas e iranianas em amplos espaços do Médio Oriente, com repercussões colaterais, que podem ou não ser danosas, consoante a perspectiva.
Rezam as fugas de bastidores que os Estados Unidos reconhecerão tacitamente as zonas de influência do Irão em dois terços do Iraque, na Síria, em grande parte do Líbano; em contrapartida, Teerão conforma-se em não “exportar” a revolução islâmica.
José Goulão A triste figura da coligação EUA-Arábia Saudita
Mundo Cão, 28 de Abril de 2015
Deserções aos milhares das bases e dos quartéis, que alguns serviços europeus de informações avaliam na ordem dos 10 mil efectivos, obrigaram a Arábia Saudita a cancelar, ou mesmo a desistir, da invasão terrestre do Iémen. A medida foi tomada não tanto pelo elevado número de militares que abandonaram os seus postos, ainda assim cerca de 10 por cento do contingente previsto para a invasão, mas porque a debandada revela a falta de ânimo das forças armadas da ditadura para se envolveram em batalhas terrestres, depois do falhanço das operações aéreas, que não atingiram nenhum dos objectivos proclamados e alcançaram o único não anunciado: chacinar dezenas de milhares de civis numa repugnante campanha de terror.
Reparem agora como Washington e Riade explicam a pretensa suspensão dos ataques – a Arábia Saudita anunciou o fim dos bombardeamentos aéreos, embora prossigam – através dos seus órgãos de propaganda, na tentativa de limpar a face da carnificina civil e do fracasso militar. Seriam argumentos dignos dos Monty Piton, ou da guerra de Solnado, não se desse o caso de a campanha de terror ter vitimado um número incontável de civis, incluindo mulheres e crianças, que pagaram com a vida mais estes jogos de guerra imperiais.
Washington, pela voz do impagável e servil New York Times, garante que os bombardeamentos aéreos sauditas pararam (o que, por enquanto, é mentira) devido às intensas pressões da Administração Obama, na verdade incomodada pelas repercussões negativas geradas através do mundo pela sangrenta operação terrorista contra a população civil iemenita.
A Arábia Saudita, a contas com as deserções em massa e perante o silêncio cúmplice – eventualmente aliviado – de uma dezenas de aliados, entre os quais a junta do Egipto, garante que cancela a invasão e suspende os bombardeamentos porque atingiu os objectivos militares.
Atingiu? Vamos ver.
Riade diz que destruiu a força aérea inimiga. É verdade: o pouco que havia estava no chão e às ordens do presidente Abu Mandour Habi, refugiado na capital saudita.
Riade afirma que destruiu as capacidades do inimigo em mísseis balísticos. É uma verdade de Monsieur de La Palisse: não havia mísseis balísticos no Iémen.
Riade assegura que destruiu o controlo de comando inimigo. Não se sabe é qual, porque havia tantos controlos de comando como os grupos coligados com os rebeldes xiitas houthis, entre eles a Al-Qaida e os sunitas urbanos do ex-presidente Saleh.
Riade jura que limitou os movimentos dos rebeldes houthis. Ora os houthis mantêm em seu poder a capital Sanaa e as regiões meridionais petrolíferas, incluindo o porto estratégico de Adem; por isso, não necessitam de se mover para controlar o país.
Riade revela que, através das acções já realizadas, garantiu a segurança do seu território e a protecção do governo “legítimo” do presidente Habi. Também é verdade. O Iémen jamais ameaçou o território saudita; e o presidente Habi não pode estar mais protegido, uma vez que se encontra em Riade, no colo da família real, uma vez que as operações realizadas não o devolveram ao posto em Sanaa a que diz ter direito.
Um glorioso êxito militar, como se percebe, da não menos gloriosa aliança entre o farol da democracia planetária e um dos faróis do terrorismo planetário. Enquanto isso, a mal afamada Al Qaida reforçou a presença no Iémen, pois ficou incólume nas posições que detinha entre os grupos que repartem o poder no país; e o esforço militar no Iémen aliviou a pressão sobre o não menos mal afamado Estado Islâmico, mais incólume ainda do que já estava antes, apesar da apregoada campanha de bombardeamentos aéreos norte-americanos.
Quanto a isto, duas deduções podem fazer-se. Dificilmente os bombardeamentos aéreos resultam quando não se pretende liquidar o que se ataca; e perante os resultados dos ataques de aviação no Iémen e contra o Estado Islâmico há que dar razão aos militares, incluindo comandos da NATO, segundo os quais as guerras aéreas não ganham conflitos e o império sofre de graves lacunas em termos de guerras convencionais.
Carlos Esperança A Arábia Saudita, os petrodólares e o terrorismo
Alwaleed bin Talal, um empresário multimilionário e membro da casa real da Arábia Saudita, confirmou que o país financiou o Estado Islâmico (EI) para ajudar a combater e derrotar o Governo da Síria.
A reiterada cumplicidade da obscura ditadura nos atos de terrorismo islâmico goza de surpreendente impunidade. Não vale a pena referir o suspeito do costume porque são muitos os países manchados de sangue e petróleo. Certo é o apoio do grande produtor de petróleo a todos os desmandos pios da falhada civilização árabe, que se agarra à fé como náufrago à única tábua. E, mais surpreendente ainda, é a cumplicidade de países que procriaram evangelizadores, cruzados e inquisidores de que se envergonham.
Surpreende-me que países, com massa crítica e instituições democráticas, se precipitem em aventuras patrocinadas por uma família medieval que dá o nome e é proprietária de um país. A mais sórdida teocracia, onde se situam Medina e Meca, locais que atraem os crentes islâmicos, como o mel às moscas, goza da proteção do mundo civilizado.
A Europa e os EUA continuam a ter como aliado o país medieval onde germina a mais demente interpretação do mais primário dos monoteísmos. Apesar de sofrerem, dentro das fronteiras, a demência mística, que alicia jovens, e ataques terroristas, que lançam o medo e a morte nos seus cidadãos, há uma pulsão suicida anestesiada pelo petróleo.
A ausência de quaisquer liberdades, direitos ou garantias, a mais infame misoginia e o despotismo patriarcal são apanágio da sociedade arcaica da santuário teológico do mais perverso islamismo.
Até quando a Arábia Saudita será um «país amigo»?
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
Porto é melhor que Benfica, isto é uma prova clara
Magnífica verdade,"[...] que viver dos outros impl...
Obrigada! Texto maravilhoso a ler e reler! Desde p...
Muito interessante este texto do Raul Brandão. Que...
Desculpe, mas isto é demasiado grande para ser o c...