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Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
(Deram-me a honra de um convite para intervir, no âmbito do 11º Congresso da FNAM (Federação Nacional dos Médicos), num debate sobre o Serviço Médico à Periferia, cabendo-me falar sobre o exercício da medicina antes do 25 de Abril. Alguém sugeriu que era útil e interessante fazer um texto com o essencial da minha intervenção. Ele aí está, todavia liberto de todos os aspectos técnicos que só serviriam para entorpecer a leitura de quem não é médico).
Pelo texto que se segue, todos ficarão com uma ideia de como era, com algumas variantes, a prática da medicina rural e de todo o interior do país antes do 25 de Abril e, portanto, antes da criação do SNS, por volta de 1989, o qual, em três décadas, como sabemos, se haveria de tornar num dos melhores e mais respeitados do mundo. Hoje, infelizmente, encontra-se no meio do mais ignóbil processo de destruição, urdido pelo capital privado e pelas forças mais retrógradas que procuram miná-lo por todas as formas e feitio, de modo a poderem dizer que não funciona. Gente que se encontra nos antípodas dos homens progressistas que o criaram e ajudaram a desenvolver, homens de mente sã e avançada, como Miller Guerra, Albino Aroso, António Galhordas, Gonçalves Ferreira, Pereira de Moura, António Arnaut e outros.
Adão Cruz A medicina antes do 25 de Abril
(Adão Cruz)
Quando saí da Faculdade tive duas opções de vida: Fazer clínica na minha terra, como “João Semana”, ou aceitar o convite de um colega mais velho do que eu cerca de onze anos, amigo e conterrâneo que residia nos EU, médico hospitalar de medicina interna, para ir para a América. Tinha de escolher uma destas duas opções extremas. Optei pela primeira por duas razões principais: por um lado, tinha a guerra colonial à minha frente e dificilmente poderia sair do país, por outro lado, precisava de ganhar algum dinheiro. Os meus pais fizeram muitos sacrifícios para formarem dois filhos e eu não estava disposto a sacrificá-los mais tempo.
Estávamos no ano de 1964. E assim comecei a minha actividade clínica, em Vale de Cambra, sem estágio nem tese, três anos antes da ida para a guerra colonial da Guiné. Encostei-me a um velho clínico que era um monumento de sabedoria prática e experiência. Foram esses três anos os piores e mais difíceis. Vale de Cambra, um pequeno concelho com uma área de 147 Km2, tinha talvez menos de 15.000 habitantes. Dispersava-se por nove freguesias, algumas delas abrangendo os mais remotos e inóspitos lugares da Serra da Gralheira, com pequenos povoados e populações encravadas em locais quase inacessíveis, com muitas pessoas vivendo na maior ignorância e na mais extrema miséria.
Continuei durante outros três anos, após o meu regresso da Guiné, estes já melhores, pois iniciei na altura o Internato Geral no Hospital de Santo António, para onde me deslocava todos os dias. Este facto, a experiência da guerra e alguma presença em reuniões científicas, permitiram-me uma maior competência, bem como relações pessoais e com o hospital, que me facilitaram muito a minha prestação de cuidados médicos. Não tive, propriamente, contacto com o Serviço Médico à periferia, criado em 1975. Nessa altura já eu tinha obtido a especialidade e fazia parte do Serviço de Cardiologia do Hospital de Santo António.
Pediram-me para falar da medicina em Portugal antes do 25 de Abril, ou seja, antes da criação do Serviço Médico à periferia em 1975, o primeiro passo, por assim dizer, para o nascimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e também uma experiência valiosa e ímpar. As duas realidades, o antes e o depois do 25 de Abril, não podem comparar-se. Claro que eu não posso falar do que se passava em Portugal. Posso falar, sim, do que se passava numa parte de Portugal, que, muito provavelmente, com algumas diferenças, era o que se passava em todo o interior do país. E digo interior, porque havia uma significativa diferença com o litoral, onde existiam os poucos recursos técnicos da época. Com efeito, não havia qualquer rede hospitalar digna desse nome, e os únicos hospitais situavam-se em Lisboa, Porto e Coimbra, havendo um ou outro pequeno hospital, aqui e ali, de muito pouca eficácia, quase sempre ligado às misericórdias. De qualquer forma, os cuidados primários de saúde eram um conceito quase desconhecido, sendo notória uma profunda degradação dos poucos serviços de saúde existentes e uma enorme incapacidade de resposta às necessidades mais elementares.
Antes do 25 de Abril a assistência médica não estava assegurada, sobretudo antes do fim da década de sessenta. Competia às famílias, às instituições privadas e à caridadezinha, que a despeito de aviltar a dignidade humana, lá ia remendando as coisas aqui e ali, bem como aos débeis serviços médico-sociais da Previdência fazerem alguma coisa. Mas era sobretudo ao “João Semana”, pilar fundamental da saúde nesses tempos, que tudo se exigia. As áreas rurais dessa época tinham características comuns, o serem pouco populosas, muito isoladas, com uma população envelhecida, profundamente carenciada, com problemas de acessibilidade aos grandes centros que ficavam muito longe e com vias de comunicação péssimas, vivendo de uma agricultura de subsistência, e, portanto, profundamente vulneráveis. A saúde, ou o pouco que se poderia fazer na promoção da saúde era dependente da capacidade económica de cada cidadão, o que levava ao pagamento integral dos cuidados médicos, nomeadamente dos cuidados hospitalares, mesmo públicos. Só tinham direito a cuidados gratuitos, e obviamente de pior qualidade, aqueles que conseguissem apresentar um atestado de pobreza ou indigência passado pela junta de freguesia.
E foi nestas condições de 1964 que eu comecei a viver, de dia e de noite, 24 horas por dia, ao sol e à chuva, todas as peripécias clínicas que levaram um dia minha mãe a dizer-me: rapaz, muda de vida senão morres. Mas foram essas tremendas dificuldades e essas precaríssimas condições, que constituíram para mim uma segunda faculdade. Dizia o meu velho amigo Dr. Teixeira da Silva: você aqui vai ver tudo, desde a queda do cabelo à unha encravada. Com efeito, numa altura em que a esperança de vida era de quase menos 15 anos do que hoje, éramos senhores de todas as especialidades, desde a pediatria à ginecologia e obstetrícia, passando pela dermatologia, oftalmologia, psiquiatria etc. Em termos de material, eu tinha quase tudo o que era possível ter na altura, e muita coisa oferecida por um grupo de amigos: marquesa, mesa ginecológica, espéculos, estetoscópio, aparelho de tensões, otoscópio, oftalmoscópio, sondas e algálias, todo o material necessário a pequena cirurgia. Era frequente a incisão e drenagem de abcessos, a exérese de lipomas e quistos, extracção de unhas encravadas, circuncisões etc. Tinha ligaduras, pensos e desinfectantes variados, material para injectáveis, mala de urgência apetrechada com tudo o que era viável, e ainda fórceps e ventosa que o Dr. Teixeira da Silva me emprestava. Ele tinha também uma velha radioscopia cuja radiação nos deixava, ao fim de 5 minutos, como se tivéssemos apanhado uma descarga eléctrica. Para fazer uma radiografia, um electrocardiograma, qualquer exame mais avançado ou uma cirurgia, só no Porto, o que ficava muito caro. Fora do Porto nada havia, apenas um ou dois pequenos laboratórios de análises em concelhos limítrofes.
As pessoas viviam atormentadas com o medo da doença e viam-se obrigadas a algumas poupanças durante a vida não só para guardarem “um terço para a tarde”, como se dizia, mas também para ocorrerem ao inesperado, ou então tinham de vender terras e gados para pagar uma qualquer cirurgia ou outros cuidados de saúde mais dispendiosos. De uma maneira geral, só chamavam o médico quando viam que a coisa tinha atingido um tal estado que já não era resolúvel por si própria e pelas mezinhas caseiras. Claro que o nosso objectivo era muito mais o do alívio sintomático e a melhor resolução possível da situação, não havendo, por falta de meios de toda a espécie, nomeadamente meios auxiliares de diagnóstico, grandes preocupações de investigação e de diagnósticos precisos e etiológicos.
Uma das actividades para que mais vezes éramos solicitados era a assistência aos partos. Mas só quando a parteira habilidosa lá do lugar via o caso mal parado. Partos no hospital ou na maternidade eram uma raridade. A taxa de mortalidade neonatal andava pelos 25 por mil, a taxa de mortalidade perinatal pelos 40 por mil, a taxa de mortalidade infantil rondava os 60 por mil e a taxa de mortalidade materna atingia os 70 por 100.000. Fiz muitos partos, alguns à luz da candeia e do petróleo, em locais onde nunca passou Cristo, em que a camita de ferro da parturiente era por cima do curral da vaca. Quase todos os partos que fiz, por incrível que pareça, foram partos naturais, embora com auxílio de episiotomias, do fórceps e sobretudo da ventosa, o que a meu ver, pode pôr em causa a actual necessidade de muitas cesarianas.
As gastroenterites, sobretudo em bebés e crianças eram frequentes, e só nos chegavam às mãos em adiantado estado de desidratação que nós tentávamos resolver com a ministração subcutânea de soro, dos dois lados da barriguita, deixando a criança com dois ventres, como um sapinho. Era praticamente impossível canalizar e manter uma veia numa criança daquelas. Em adultos, lá conseguíamos fazer umas infusões com as poucas soluções parentéricas de que na altura dispúnhamos.
Caía-nos em cima tudo o que fosse infecções e todas as doenças infecto-contagiosas possíveis e imaginárias, incluindo tuberculose, febre tifóide, mononucleose, tétanos, muitos casos de sarampo, cuja vacina fora descoberta apenas um ano antes, escarlatina, varicela, coqueluche, reumatismo articular agudo e subsequentes doenças valvulares, meningites e a difteria ou garrotilho que produzia a terrível toxina diftérica. Na difteria, o que mais nos atemorizava eram as situações de obstrução respiratória, produzidas pelas placas brancas da orofaringe. Uma vez estive com o bisturi na mão, decidido a fazer uma traqueostomia (abertura na traqueia) num catraio de cinco ou seis anos, mas optei por fazer outra coisa que não era aconselhável, pois poderia disseminar a toxina, isto é, arrancar as placas da orofaringe. Felizmente correu bem, e a criança é hoje um saudável adulto emigrante na Alemanha. Infecções pulmonares, pneumonias graves, apendicites que nos chegavam algumas vezes com peritonite e que encaminhávamos para um pequeno hospital de que nos valíamos, o Hospital Conde de Sucena, em Águeda. Todavia, falar em ir para o hospital era sempre um problema e uma solução muitas vezes não aceite pelos familiares, não só porque constituía uma espécie de sentença de morte, mas também porque se temia a conta que daí adviria. Então para o Santo António nem pensar, não sei se por ser mais longe, se pela sua envergadura.
Acidentes de trabalho, por vezes com graves feridas e traumatismos, fracturas e queimaduras extensas, tudo situações que nos exigiam grande responsabilidade, muito tempo de tratamento e a aplicação rigorosa de todos os conhecimentos aprendidos na faculdade, que não eram poucos nem frágeis, pois a nossa formação, na altura, foi muito boa. A medicina no trabalho não existia, embora começasse a nascer em conceito. Havia algumas pequenas empresas, sobretudo na área das madeiras, dos lacticínios e da metalo-mecânica, mas o trabalhador era uma máquina como qualquer outra, tendo de ser reparada quando avariava. O trabalhador não tinha quaisquer direitos laborais e era-lhe negada a possibilidade de ser um sujeito activo na construção da sua própria saúde, incluindo o controle de factores que a determinavam positivamente, factores protectores, ou que a punham em risco, factores de risco, quer dentro quer fora do local de trabalho.
Frequentes situações de insuficiência respiratória e graves crises de asma, silicoses, insuficiência cardíaca grave, com edema agudo do pulmão. Ainda nos valíamos dos garrotes e da sangria. Arritmias cardíacas que classificávamos conforme podíamos, sem qualquer registo electrocardiográfico, e que tentávamos reverter quando havia repercussão clínica. Cardiopatias congénitas e outras malformações, sobretudo aquelas que eram mais susceptíveis de diagnóstico clínico. O primeiro diagnóstico que fiz, a “solo”, de uma dessas graves malformações chamada coartação da aorta, foi num rapaz de vinte anos, pouco mais novo do que eu. Foi operado em Lisboa pelo Professor Celestino da Costa, e hoje, ao fim de mais de meio século ainda é vivo e ainda vem à minha consulta. Havia AVCs e enfartes do miocárdio, com diagnóstico apenas clínico, que encaminhávamos para o hospital de Águeda ou Santo António. Ao compararmos o que se fazia na altura perante um enfarte do miocárdio, por exemplo, e o que se faz hoje em termos de cardiologia de intervenção, damos com um abismo apenas preenchido por uma monumental ignorância. No fim de contas, o resultado era o doente morrer ou ficar com o coração gravemente mutilado.
Havia amigdalites muito frequentes e repetitivas, e como na altura havia grande medo do reumatismo articular agudo (RAA), quanto mais cedo extirpássemos as amígdalas melhor. Juntávamos três ou quatro pacientes, e uma vez ou outra vinha um otorrino de Lisboa a Oliveira de Azeméis de onde era natural, e passava pelo consultório, operando-os de empreitada.
Eram frequentes as cólicas renais e biliares, bem como doenças oncológicas terminais, cancros do estômago, cancros pulmonares avançados, com punções pleurais por vezes repetidas, nos confins da serra, para esvaziar o líquido pleural e aliviar a asfixia do doente. Gangrenas, cirroses e drenagens de ascites monstruosas, limpeza e tratamento, às vezes durante meses, de feridas de toda a ordem, nomeadamente feridas cancerosas da pele onde cabia um punho, cancros da boca, do pénis e do ânus.
Para terminar, gostaria de dizer que muita coisa que hoje é quase banal no nosso país, não existia na altura. Fui algumas vezes a Madrid com dois tipos de doentes: asmáticos e doentes com patologias cardíacas valvulares. Tratava-se, obviamente, de pessoas com dinheiro, ou, pelo menos, com posses suficientes para as despesas que não eram pequenas. Quanto aos primeiros, não havia ainda em Portugal a especialidade de alergologia nem a existência de vacinas, pelo que recorríamos ao Instituto La Paz, onde trabalhava um grande alergologista, o Dr. Ojeda Casas, e de lá trazíamos as vacinas. No que respeita aos doentes com indicação de cirurgia cardíaca, que não existia em Portugal, essencialmente implantação de próteses valvulares mecânicas, valíamo-nos do Hospital de Nuestra Senhora de La Concepcion, onde trabalhava um dos mais conhecidos cirurgiões cardíacos da época, o Dr. Gregório de Rábago, o qual operou o meu amigo e colega de consultório, estomatologista, filho do Dr. Teixeira da Silva.
Adão Cruz, 2016
António Pinho Vargas O Cisma Musical
Compositor
Professor de composição na ESML e investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Publicado no suplemento Atual do jornal Expresso de 20 de Julho de 2013
O futuro permanece em aberto. Teoricamente, toda a gente aceita este postulado. Mas todas as mudanças que ocorrem no mundo, nas fases de transição como a que atravessamos, defrontam, no início, a nossa falta de imaginação histórica. Numa das formulações que lhe são próprias, Boaventura de Sousa Santos escreveu que "as fases de transição são semicegas e semi-invisíveis". Interpreto esta frase como sublinhando, primeiro, que as transformações desencadeiam processos que não prevêem todas as suas consequências, processos cegos, e, segundo, pondo em realce o facto de que, por vezes, mesmo estando já em curso sinais potenciais de mudanças, as convicções e as crenças antigas tornam-nos semi-invisíveis. Parto desta frase para levantar uma 'hipótese de trabalho' que defronta certezas seguras acerca da história futura como mera continuação ou variante do que já existe.
Na vida musical da tradição erudita no Ocidente verificou-se, a partir sobretudo de 1950, um aumento gradual de uma cisão estética entre duas esferas coexistentes no tempo, mas separadas nas suas práticas dominantes e nos seus intervenientes. Refiro-me à predominância progressiva e em larga escala do repertório histórico, da prática da repetição, ano após ano, de um conjunto de obras restrito, o chamado 'cânone musical', constituído através de inclusões e exclusões. Esta dominação realiza-se como 'museu imaginário' nas salas de concertos e teatros de ópera do mundo ocidental e a sua factualidade não suscita grande discussão. Nos programas impera a importância da interpretação, uma arte viva enquanto execução ou gravação de obras mortas, no sentido de terem sido compostas há muito tempo. Do outro lado do cisma está a 'criação musical de hoje', em especial a partir de 1950, mas já latente desde o início do século XX. A tomada de consciência social do cisma conduziu a uma nova designação, previamente inexistente: a da chamada 'música contemporânea'.
Esta separação resultou no aparecimento de um conjunto de agentes e instituições específicas e especializadas, em muitos casos completamente diversas das já existentes, para a interpretação do repertório do passado. Segundo Pierre-Michel Menger, este subgénero "tem os seus atores, os seus auditores, mas também o pessoal das administrações culturais e das cadeias de radiodifusão públicas que financiam e sustentam a produção e a difusão de obras que não têm mercado direto ou imediato. Tem os seus mecenas, [...] a sua cronologia institucional, a invenção dos ensembles especializados, dos festivais, dos centros de pesquisa e de produção". Em Portugal, um exemplo desta estrutura de apresentação pública terá sido os Encontros de Música Contemporânea da Fundação Gulbenkian, existentes de 1977 a 2002. O seu fim assinala a sua exaustão, segundo alguns autores, ou uma tentativa de criar uma nova forma. Esse modelo acabou por aprofundar ainda mais o cisma referido. Nicolas Donin escreve em 2005, numa publicação do IRCAM, que "raras são as obras da vanguarda dos anos 50 que entraram no repertório dos músicos não especializados" e, mais adiante, que "a primeira audição é o momento decisivo no qual pesa o ritual do concerto sobre a obra: a ausência do direito ao erro por parte dos intérpretes, o julgamento estético coletivo do público, a expressão diferida do julgamento dos críticos (no dia seguinte ao concerto) e ainda vários outros elementos condicionam largamente o futuro da obra ao expor-lhe as virtualidades". Donin escreve pensando no seu país, a França, mas mostra-nos que "a estreia seguida de descarte", e as suas várias consequências, não é uma característica exclusiva dos países periféricos como Portugal.
Qual será então a emergência que pretendo realçar? Um retorno parcial a aspetos do período pré-moderno sob novas formas. Deve-se considerar semelhanças e diferenças. Entre as primeiras, destaca--se: 1. A primazia das estreias e posterior descarte das novas obras aproxima-se cada vez mais das práticas pré-modernas anteriores a 1800, ou seja, um reaparecimento do formato social da vida musical pré-moderna, música destinada a ser tocada poucas vezes. 2. Em lugar dos príncipes e dos bispos dos séculos XVII e XVIII surgem novos mecenas: as instituições culturais, que encomendam novas peças mas que, de uma maneira geral, praticam o descarte após a estreia. 3. No período pré-moderno, os compositores estavam ligados contratualmente aos seus patronos, com a tarefa de compor sucessivamente novas obras; com maior incerteza mas alguma regularidade, o único rendimento dos compositores atuais é a encomenda; os outros rendimentos clássicos, os direitos de autor e as vendas de partituras, são hoje residuais e ameaçam desaparecer.
No que respeita às diferenças entre os dois regimes, sublinho: 1. Na maioria dos casos, as instituições culturais dedicadas à música mantêm, no entanto, a vida musical canónica como a principal em larga percentagem. As temporadas repetem as mesmas obras com enorme regularidade. Mas, no que se refere às novas produções, muitas das encomendas feitas ao pequeno grupo de compositores decorrem de associações entre várias instituições de diferentes países, o que, por um lado, mostra tanto um modo de reagir às dificuldades financeiras das produções como, por outro, revela que é ainda antes de as obras existirem que o destino da sua circulação, mesmo que restrita, está determinado pelos agentes culturais envolvidos. 2. Este retorno prático à fase pré-moderna coexiste com um imaginário formado nas narrativas tradicionais das histórias da música. Entre o imaginário e o real, entre as narrativas dominantes na crítica e no ensino e a realidade há uma diferença e uma disfunção. O imaginário que precede a composição das obras não obtém confirmação real e resulta em reclamações e lamentos. A expectativa de entrada para o cânone, na grande maioria dos casos, é frustrada, o argumento de que com o tempo a compreensão das obras avançadas virá — com exemplos do passado (os últimos Quartetos de Beethoven à frente) para legitimar essa pretensão — depara com o desmentido do real. 3. Estes vários aspetos diferenciados e contraditórios verificam-se em todo o mundo ocidental. Atualmente, os dois formatos coexistem: por um lado, há milhões de compositores no mundo, mas, ao mesmo tempo, verifica-se no repertório histórico uma intensificação do arquivo e do seu alargamento para o passado. 4. Ao mesmo tempo, afetando os dois lados do cisma, o peso global da indústria cultural anglo-americana, decorrente das transformações tecnológicas verificadas durante o século XX, suportada por grandes meios financeiros e atraente para investimentos das grandes empresas em festivais, coloca as duas vertentes cismáticas da música erudita europeia sob forte ameaça. É deste conjunto de fatores que resulta o alarme, enviado em especial dos EUA, sobre a sua progressiva passagem para as "margens ilustres da atividade cultural", como afirma Lawrence Kramer. 5. As teorias apocalípticas da "morte da arte", como a de Hegel, não devem ser interpretadas à letra, face à evidência da continuação posterior da produção artística. Mas assinalam as grandes transformações dos seus modos de produção, realização e circulação, em última análise, as mudanças do seu regime de existência pública, do seu regime de partilha do sensível, para usar uma expressão de Jacques Rancière.
A expressão 'hipótese de trabalho' usa-se nos projetos de investigação com vista a confirmar ou a desmentir as hipóteses posteriormente. Neste caso, o lapso temporal necessário torna inviável uma conclusão. O futuro não está escrito, mas será sempre mais imaginativo do que a repetição daquilo que já existe.
Gianni Cipriani La NSA espió a Chávez en Roma
Dos aviones espías sobrevolaron Roma
(Traducido del italiano por S. Seguí)
Publicado no Rebélion em 30 de Junho de 2013
El Datagate? Comenzó en Roma cuando la National Security Agency (NSA) espió la visita de Chávez. En mayo de 2006 los servicios secretos de EE UU organizaron una masiva operación de espionaje contra el presidente venezolano. La capital italiana estuvo interceptada durante una semana.
El Datagate se inició en Roma en mayo de 2006, cuando por orden de George Bush la mitad de la ciudad fue interceptada por la NSA, que quería conocer hasta el mínimo detalle de la visita de Hugo Chávez a Italia.
Primero Roma, luego el G-20 en 2009, con técnicas y tecnologías más refinadas. Edward Snowden ha revelado que el G-20 de 2009 se caracterizó por un complejo sistema de espionaje de las conversaciones de delegaciones enteras y de los líderes que asistieron a la cumbre, a través de la instalación de Internet cafés dotados de software espía, y del control capilar del sistema de Blackberry utilizado por los invitados, entre otras diabluras.
Lo que todavía no se sabe –y lo que Globalist es capaz de informar gracias a una fuente calificada que tuvo un papel directo en la historia– es que la gran operación de espionaje del G-20 tuvo en Italia su auténtico banco de pruebas. Una acción masiva de la NSA que se tradujo en un enorme salto de calidad que permitiría a la agencia de inteligencia convertirse en el Big Brother a escala planetaria de que hoy estamos hablando.
Volvamos a mayo de 2006, en la segunda visita a Italia de Hugo Chávez, presidente de Venezuela. Chávez estaba en esos momentos en una posición de confrontación con Estados Unidos y, en particular, con George Bush, al que unos meses más tarde (en septiembre) definiría como un diablo que dejaba tras de sí un rastro de azufre. Por otra parte, unos años antes Estados Unidos había apoyado el fallido golpe de estado contra el presidente venezolano, y uno de los agentes de la CIA implicados en el complot había sido destinado posteriormente a la estación de la CIA en Roma. Coincidencias.
La NSA, durante esos días, llevó a cabo una operación de sigint ( signal intelligence ) es decir, de espionaje electrónico, sin precedentes, que fue el comienzo de una nueva etapa en su capacidad de control y penetración.
7 de mayo 2006 . En el aeropuerto de Ciampino, en zona reservada, aterriza un avión que transportaba a algunas personas “invisibles”, sin nombre ni identidad. El procedimiento es el mismo que más tarde sería conocido para el público en las entregas extraordinarias y que ya era procedimiento estándar: nivel de secreto máximo, con el menor número de posibles huellas.
Los ocupantes de la aeronave eran parte de un equipo de élite de la NSA. Al llegar a Ciampino fueron llevados directamente a un ala de la Embajada de EE.UU. en la Via Veneto, donde permanecieron recluidos en régimen de aislamiento durante la duración de la misión. Nada de hoteles, nada de contactos con el mundo exterior, ni siquiera con el personal de la Embajada. Después de la misión, mismo recorrido a la inversa hasta Ciampino. El equipo llevaba equipos de última generación (estamos hablando de 2006), capaces de interactuar con el sistema de satélites y guiar a éstos e interactuar con los aviones espías.
9 de mayo de 2006 . En el cielo de la capital comienzan a volar dos aviones espías controlados directamente por la NSA. Dos aviones que se relevan y que permanecen 24 horas al día en vuelo sobre Roma para que no perder ni un minuto de supervisión.
10 de mayo de 2006 . Llega a Roma el presidente venezolano, Hugo Chávez. El suyo es un viaje por toda Europa. En Roma, el encuentro más importante está programado para el día 11 por la mañana: se trata de una visita al Papa Benedicto XVI. También en la agenda hay una visita y entrevista privada con el presidente de la Cámara, Fausto Bertinotti. Chávez va directo a un hotel de Via Veneto, que se halla, paradójicamente, a unas pocas decenas de metros del equipo llegado a la capital para espiarlo. Pero es sólo un detalle: la tecnología hubiera garantizado también un monitoreo a una distancia de kilómetros.
La operación de la NSA se inicia en todos sus aspectos. Llega poner bajo control todas las frecuencias de radio (incluyendo las de los equipos italianos); y también llega a controlar la red internet de manera similar, por supuesto de acuerdo con las posibilidades de la época, a la descrita por Snowden para China: mediante entrada en los nodos de las redes de comunicación que dan acceso a las comunicaciones de cientos de miles de personas sin tener que piratear cada uno de los ordenadores, y obviamente también los teléfonos.
Durante toda la duración del viaje, Hugo Chávez es acechado electrónicamente gracias a dos instrumentos de extraordinaria importancia para la sigint : el bombardeo por radio y las capacidades de escucha a gran distancia. Es decir, sólo con el uso de satélites y aviones espías, la NSA era capaz de escuchar las conversaciones de Chávez, incluso las que se llevaban a cabo en lugares privados y cerrados y, por supuesto, en lugares abiertos. No había ninguna necesidad de instalar micrófonos en las habitaciones o de enviar a ningún espía armado con un micrófono espía en el tobillo. Todo circulaba vía satélite con potentísimas tecnologías. Obviamente carísimas.
Además, cuando el presidente venezolano se trasladaba de un lugar a otro, o estaba en algún lugar en el que las ondas de radio causaban interferencias y no se llegaba a escuchar las conversaciones, la NSA era capaz de activar un dispositivo de emergencia consistente en tumbar todas las ondas y frecuencias en un radio de 500 a 600 metros. En la práctica, mientras estaba activo el dispositivo los mandos a distancia de los televisores o el control remoto de las puertas no funcionaban, las líneas de teléfonos móviles quedaban interrumpidas, y los aparatos de radios reducidos al silencio. Todo ello no durante horas, sino por unas pocas decenas de segundos. Nada que no pudiera confundirse con un mal funcionamiento temporal normal, que por lo tanto no generase sospechas. Pero que ofrecía a la NSA el tiempo necesario para “ limpiar” la señal.
La operación Chávez costó una fortuna, pero fue una orden explícita del propio George Bush, quien veía en el presidente de Venezuela uno de sus principales enemigos y del que quería conocer todos los detalles, sus estrategias y cuáles eran sus contactos y referencias internacionales.
Tras la partida de Chávez, los dos aviones espías emigraron a otros cielos. El equipo de la NSA siguió recluido en la Embajada un día más antes de ser devuelto en secreto a Ciampino; los altos mandos de la NSA que habían estado siguiendo el operativo desde la sala de mandos (al igual que Obama hubiera seguido la muerte de Bin Laden, y como vemos en las películas) comenzaron a analizar el botín.
Cuál era el botín de esa operación? Continuará en un próximo episodio. Por el momento tenemos una seguridad: la operación de Chávez fue una prueba. Sin ella no hubiera habido la del G-20 y quién sabe cuántas más. Era el año 2006. Desde entonces ya no se han detenido.
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Porto é melhor que Benfica, isto é uma prova clara
Magnífica verdade,"[...] que viver dos outros impl...
Obrigada! Texto maravilhoso a ler e reler! Desde p...
Muito interessante este texto do Raul Brandão. Que...
Desculpe, mas isto é demasiado grande para ser o c...