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Jardim das Delícias


Sábado, 23.04.16

Um livro - Jorge Luís Borges

Jorge Luís Borges  Um livro

 

(Maria Helena Vieira da Silva)

 

 

Apenas uma coisa entre outras coisas

Mas também uma arma. Foi forjada

Na Inglaterra, em 1604,

E carregada com um sonho. Encerra

O som, a fúria, a noite e o escarlate.

A minha mão sopesa-a. Quem diria

Que contém o inferno: essas barbudas

Bruxas que são as parcas, os punhais

Que executam as duras leis da sombra,

O delicado ar desse castelo

Que te verá morrer, a delicada

Mão que é capaz de ensanguentar os mares,

O clamor e a espada da batalha.

Esse tumulto silencioso dorme

No espaço de um só livro, na tranquila

Prateleira da estante. Dorme e espera.

 

(in História da Noite, Obras Completas, Teorema)

 

 

 

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por Augusta Clara às 15:00

Domingo, 15.03.15

A um gato - Jorge Luís Borges

Miki13.jpg

 

Jorge Luís Borges  A um gato

 

Lembrando um companheiro de 18 anos que partiu ontem e me deixa uma grande saudade, o meu gato Miki

 

 

Os espelhos não são mais silenciosos 
Nem mais furtiva a alba aventureira;
Tu és, sob o luar, essa pantera
que só vemos de longe, receosos.
Por obra indecifrável de um decreto
De Deus, te procuramos futilmente;
Mais remoto que o Ganges e o poente,
É teu o isolamento mais secreto.
O teu dorso condescende com a morosa
Carícia desta mão. Admitiste,
Desde essa eternidade que é o triste
Esquecimento, o amor da mão medrosa.
Existes noutro tempo. E és o dono
De um domínio fechado como um sono.

(in Jorge Luis Borges, "O Ouro dos Tigres", trad, de Fernando Pinto do Amaral)

 

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por Augusta Clara às 21:00

Terça-feira, 16.12.14

Os justos - Jorge Luís Borges

ao cair da tarde 5b.jpg

 

Jorge Luís Borges  Os justos

 

agnes laczo1.jpg

 

(Agnes Laczo)

 

 

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia....
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

 

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por Augusta Clara às 19:00

Terça-feira, 01.07.14

A Johannes Brahms - Jorge Luís Borges

 

Jorge Luís Borges  A Johannes Brahms

 

(Gustav Klimt)

 

 

             

Eu, que sou um intruso nos jardins

Que tu legaste à plural memória

Do porvir, desejei cantar a glória

Que sobe prò azul nos teus violinos.

Agora desisti. Para honrar-te

Não basta essa miséria a que outra gente

Chama sempre com vacuidade a arte.

Quem te honrar há-de ser claro e valente.

Sou um cobarde. Sou um triste. Nada

Poderá justificar esta ousadia

De cantar a magnífica alegria

— Fogo e cristal — dessa alma apaixonada.

Meu cativeiro é a palavra impura,

Vergôntea de um conceito e de um ruído;

Nem símbolo, nem espelho, nem gemido,

Teu é o rio que foge e que perdura.

 

(in Obras Completas, Vol. III, Teorema)

 

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por Augusta Clara às 18:00

Quarta-feira, 12.02.14

A fome - Jorge Luís Borges

 

 

Jorge Luís Borges  A fome

 

 

(Adão Cruz)

 

 

Mãe antiga e atroz da incestuosa guerra,

Que se apague o teu nome da face da terra.

 

Tu, que lançaste ao círculo do horizonte aberto

Altas proas dos viquingues, lanças do deserto.

 

Numa Torre da Fome de Ugolino de Pisa

Tens o teu monumento e na estrofe concisa

 

Que nos deixa entrever (só entrever) os dias

Últimos e na sombra que cai agonias.

 

Tu, que de alguns pinhais fazes que surja o lobo

E que guiaste a mão de Jean Valjean ao roubo.

 

Uma das tuas imagens é o silencioso

Deus que devora o mundo sem ira ou repouso,

 

O tempo. Há outra deusa de trevas e de ossos;

Seu leito é a vigília e seu pão é a fome.

 

Tu, que a Chatterton deste a morte na janela

Entre os códices falsos e a lua amarela.

 

Tu, que entre o nascimento do homem e a agonia

Pedes em oração o pão de cada dia.

 

Tu, cuja lenta espada rói as gerações

E sobre tantas nucas lanças os leões.

 

Mãe antiga e atroz da incestuosa guerra,

Que se apague o teu nome da face da terra.

 

(in Obras Completas, Vol. II, Teorema)

 

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por Augusta Clara às 17:00

Segunda-feira, 10.02.14

A chuva - Jorge Luís Borges

 

Jorge Luís Borges  A chuva

 

 

(Joseph Sudek)

 

 

Está de súbito o dia clareado

Porque já cai a chuva minuciosa.

Cai ou caiu. A chuva é uma coisa

Que sem dúvida ocorre no passado.

 

Quem a ouve cair vê recuperado

Esse tempo em que a sorte venturosa

Lhe revelou uma flor chamada rosa,

E a curiosa cor do encarnado.

 

Esta chuva que vai cegando os vidros

Alegrará em arredores perdidos

As uvas de uma parra em certo horto

 

Ou pátio já esquecido. Esta molhada

Tarde me traz a voz, voz desejada

Do meu pai que regressa e não está morto.

 

(in Obras Completas, Vol. II, Teorema)

 

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por Augusta Clara às 18:00

Quarta-feira, 04.09.13

O Sul - Jorge Luís Borges

 
Jorge Luís Borges  O Sul
 
(Ana Maria, Galeria S. Mamede, Lisboa)
 
De um dos teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
e do banco da
sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que a minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o cheiro do jasmim, da madressilva,
o silêncio do pássaro a dormir,
o arco do saguão, a humidade
- essas coisas talvez sejam o poema.
 
(in Obras Completas, Vol. I. Editorial Teorema)
 

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por Augusta Clara às 19:00



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