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Jardim das Delícias


Sábado, 14.06.14

Dias de queda - Fernanda Câncio

 

 

Fernanda Câncio  Dias de queda

 

 

 Diário de Notícias, 13 de Junho de 2014

 

   Houve o deslumbrante, comovente até, elogio de Teresa Leal Coelho ao Tribunal Constitucional, em forma de milagre das rosas: a maioria confessando que quis e acreditou nomear comissários políticos descobrindo, atónita e vingativa, que lhe saíram juízes do regaço. Houve a reação vagal de quem há muito vagou o lugar e que, 20 minutos de ausência depois, achou, apesar (por causa?) dos diretos de todas as TV, não dever uma palavra, uma justificação, um módico de boa educação, ao País no dia dele - decerto crendo que, neste caso como nos outros, se fingir que não se passou nada, é como se nada se tivesse passado.

Tanta coisa nesta semana. Mas não vou, como o desmaiado vacante, retomar o discurso como se não tivesse caído. Os nomes das pessoas que esta semana receberam notificação de despedimento no grupo editorial do DN ocupariam esta coluna toda - pensei usá-la assim. Mas seria uma outra forma de não me obrigar a falar sobre isso. De guardar o silêncio envergonhado, embaraçado, que os jornalistas guardam sobre as suas tragédias, nós que corremos a "cobrir" as dos outros, os despedimentos dos outros, as lágrimas, desalento e desespero dos outros, para fazer delas posto de espreita sobre o mundo.

Somos isso, temos essa missão: espécie de guarda avançada, cega, lenta, à procura de sinais. De vez em quando, os sinais vêm ter connosco. Abalroam-nos. Inevitável, diz a gestão deste grupo: que é "a única forma". Posso vir a acreditar nisso. Mas preciso que me expliquem. Que me demonstrem. Que me oiçam; quem sabe tenho, temos, ideias para ajudar a resolver o problema. A lei, esse tão infrequentável luxo nos tempos que correm, diz que os jornalistas "têm o direito de participar na orientação editorial do órgão de comunicação social para que trabalhem, bem como a pronunciar-se sobre todos os aspectos que digam respeito à sua actividade profissional". A lei diz isto porque reconhece aos jornalistas uma natureza específica, especial: somos fundamentais para a democracia. Mas poderemos sê-lo, com o que isso implica de independência, de segurança, de intrepidez e resistência, se formos tratados, nós que somos supostos averiguar sobre tudo, investigar sobre tudo, ter uma perspetiva sobre tudo, uma narrativa sobre tudo, afrontar tudo e todos, como se não tivéssemos capacidade de perceber o que nos acontece e porquê, riscar uma palavra sequer sobre isso?

E, o que é mais, se nos deixarmos assim tratar. Será assim tão impossivelmente heróico cumprir os nossos deveres e exigir os nossos direitos? Com que cara pediremos amanhã a alguém que dê a cara no nosso jornal, se não damos a cara por ele, pelo jornalismo, por nós? Com que cara continuaremos como se nada se tivesse passado, à espera de cair de vez?

 

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por Augusta Clara às 08:00

Sexta-feira, 20.12.13

Depois do chumbo do Tribunal Constitucional

 

 

ficaram assim

 

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por Augusta Clara às 12:00

Sexta-feira, 20.12.13

O Governo, o Tribunal Constitucional e a democracia - Carlos Esperança

 

Carlos Esperança  O Governo, o Tribunal Constitucional e a democracia

 

 

   Nenhum Estado de direito atropela a Constituição, lei fundamental que não pode estar ao arbítrio das maiorias conjunturais.

Nenhum, é uma força de expressão. Em Portugal, um governo marginal que se expõe ao ridículo lá fora e ao desprezo cá dentro, não só a desrespeita reiteradamente como tolera os ataques de estrangeiros, e equiparados, como é o caso dessa luminária da ética que dá pelo nome de Durão Barroso.

As provocações e a chantagem não surtiram efeito. Não basta ter um PR e uma maioria para termos Governo. Precisamos de massa crítica, de gente íntegra e de políticos que tenham passado e não cadastro. Cavaco é o culpado pela degradação a que chegámos. Este governo é filho do seu ressentimento e falta de perfil para o cargo.

Quando o Tribunal Constitucional, assumidamente plural na sua composição, resolve, por unanimidade, chumbar um diploma do Governo, incluindo os juízes indicados pelos partidos que o compõem, não resta a mais leve suspeita de que eram grosseiros os erros e intoleráveis as infrações que fazem do OE-2014 um aborto jurídico.

Só a mais absoluta desfaçatez e a maior torpeza permitem aos governantes, que sólidos interesses e alguns medos mantêm unidos, permanecer no fingimento de que governam, depois da reiterada desautorização do TC.

Se a falta de discernimento impede o Executivo de apresentar a demissão, cabe ao PR tirar ilações, ainda que lhe custe perder o filho dileto sem prever o monstro que criou.

 

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por Augusta Clara às 10:00

Sexta-feira, 20.12.13

Convergência das pensões : pronunciada inconstitucional por unanimidade - Isabel Moreira

 

 

Isabel Moreira  Convergência das pensões : pronunciada inconstitucional por unanimidade 

 

 

   Convergência das pensões : pronunciada inconstitucional por unanimidade. Qualquer constitucionalista , qualquer jurista de boa-fé, sabia que esta proposta de lei era inconstitucional. O governo sabia-o. O TC partiu do principio que a CRP tutela um direito à pensão. Esta, quando consagrada legislativamente - o valor - ganha uma resistência que não permite ao legislador cortar retroactivamente ou como entende expectativas firmadas e consolidadas. E isto decorre de jurisprudência do TC altamente densificada há mais de 20 anos. Só não a leu quem não quis. Nada do apontado pelo governo justificaria ferir de morte a confiança de pessoas especialmente fragilizadas. Tive a oportunidade de escrever isto mesmo num parecer da primeira comissão que em vez de ser chumbado pura e simplesmente gerou nervosismo na direita . Tentaram pôr em causa a legitimidade de uma relatora apontar inconstitucionalidades a um diploma, nos termos regimentais normais, e o PSD escreveu um outro parecer não sobre o diploma , mas sobre o meu parecer chumbado, inventando maravilhas que nunca escrevi. Já sabiam que era inconstitucional e o nervosismo valeu essa reacção antidemocrática na primeira comissão e todos os ataques ao TC a que vimos assistindo. Hoje ganhou o Estado de direito democrático . Ganhou a decência. Ganharam os direitos dos pensionistas. Perdeu um Governo que aposta na ilegalidade uma e outra vez. Este governo perdeu a legitimidade.

 

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por Augusta Clara às 08:00

Segunda-feira, 08.04.13

Posição dos Juízes do TC (vencidos) que declararam inconstitucional a CES

 

Relativamente à norma do artigo 78.º, da Lei n.º 66-B/2012, que prevê a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES):

Contrariamente à maioria, considero que a CES é um tributo sujeito à Constituição fiscal, convocando o disposto no artigo 104.º, n.º 1, da CRP. Assim sendo, a CES viola, a meu ver, princípios basilares como o da universalidade do imposto, da igualdade perante os encargos públicos, da capacidade contributiva, e da proibição do excesso.

A CES foi concebida como uma medida puramente conjuntural, de obtenção de receita, que de forma unilateral e coativa incide sobre pensões do sistema público de segurança social (sistema previdencial da segurança social e sistema de proteção social da função pública, correspondentes ao 1.º pilar do sistema de segurança social) e sobre as prestações geradas pelos regimes complementares de segurança social (2.º pilar do sistema de segurança social), destinada a reforçar o financiamento da segurança social. Apesar de no relatório sobre o OE para 2013 a CES estar incluída na lista das medidas do lado da redução da despesa (qualificação que, aliás, não mereceu a concordância do Parecer Técnico da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República), a verdade é que tal qualificação não pode aceitar-se, já que a CES não abrange apenas pensões que oneram o sistema público de segurança social, aplicando-se também às prestações do sistema complementar (e substitutivo) que nada pesam sobre aquele. E, por isso, também não pode colher a ideia de que com esta medida se busca a introdução de reduções da despesa com efeito equivalente à redução salarial dos trabalhadores do setor público.

A CES reveste, essencialmente, características de imposto de natureza parafiscal, sobre o rendimento de pensionistas e reformados, distinto do IRS, com escalões e progressividade diferentes deste, com distinta base de incidência (veja-se, nomeadamente, que é sobre o rendimento bruto, ao contrário do IRS, que incide sobre o rendimento após as deduções específicas).

Divirjo da maioria já que vejo na CES um caráter absolutamente unilateral, não sinalagmático, nem associado a um benefício individualizado ou a uma contraprestação específica a quem a ela fica sujeito. Isto assume particular evidência no caso das pensões pagas por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo, como as instituições de crédito, através dos fundos de pensões, das companhias de seguros e entidades gestoras de fundos de pensões, ou de pessoas coletivas de direito público como a Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados ou dos Solicitadores, já que estas, em si mesmas, em nada oneram o orçamento da Segurança Social. Mas também resulta claro do facto de, em geral, as contribuições para a segurança social virem sendo consideradas como prestação do trabalhador no ativo e do empregador para o pagamento de pensões, numa lógica de repartição, e não numa lógica de contraprestação a cargo do interessado (sistema PAYG). (ver p. 192-193)

Ao contrário da maioria, não tenho como suficiente para afastar a unilateralidade de tal prestação um qualquer difuso benefício que do sistema de segurança social retirem, de modo longínquo, os beneficiários das pensões dos regimes substitutivos ou, mesmo, os dos regimes complementares, no que ao complemento de pensão respeita.

O procedimento de arrecadação de receita (artigo 78.º, n.º 8), que se assemelha ao modo de arrecadação de receitas fiscais, também contribui para a qualificação da medida como imposto de natureza para fiscal.

Não se argumente, para furtar a CES à qualificação como imposto, que a CES é uma receita consignada a satisfazer as necessidades do subsistema contributivo da segurança social, o que afastaria a sua qualificação como imposto: na verdade, este tipo de contribuições destinadas à segurança social estão afetas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial, mas também de outras, como as políticas ativas de emprego e de formação profissional (ver, v.g, Nazaré Costa Cabral, «Contribuições para a segurança social: um imposto que não ousa dizer o seu nome?», Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Vol. IV, FDUL, 2010, p. 295).

Mas, mesmo que, em face da sua bizarria, admitisse que a CES é um tertium genus, não inteiramente enquadrável na categoria de imposto, sempre andaria próximo de jurisprudência do Tribunal Constitucional que sustentou a aplicação dos princípios constitucionais recortados para os impostos aos tributos intermédios (Acórdãos n.os183/96 e 1203/96), salvo no que diz respeito ao princípio da reserva de lei formal. (Na doutrina, entre nós, Casalta Nabais também considera que a sua sede é a Constituição fiscal, Direito fiscal, 7.ª Edição, Coimbra, 2013, p. 586-587).

Em minha opinião, a indispensabilidade da aplicação do regime da Constituição fiscal a tributos sui generiscomo este, pretende obstar à criação deliberada, pelo legislador, de medidas de obtenção de receita intencionalmente equívocas que, por revestirem características de ambos os mundos, se furtariam à aplicação dos princípios e regras em matéria de impostos.

E, no caso em apreço, é particularmente visível que se justificam as razões de tutela.

Assim encarada a CES, defendo, por razões que aqui exponho sumariamente, que esta, recaindo apenas sobre uma só categoria de contribuintes, que corresponde a um universo específico de pessoas, delimitado em função da sua condição de inatividade laboral, se configura como um imposto de classe, uma medida seletiva, que não encontra fundamento racional bastante, sendo, consequentemente, violadora do princípio da universalidade e da igualdade tributária.

A CES também desrespeita a capacidade contributiva, pondo em causa a pessoalidade do imposto, ao não atentar nas necessidades e rendimentos reais do agregado familiar, isto é, não ponderando o real rendimento disponível, já que, contrariamente ao IRS, não leva em linha de conta deduções à coleta em matéria de saúde, educação, pessoas a cargo, por exemplo.

Saliente-se, igualmente, que considerar-se a CES como uma medida conjuntural de correção de pensões de elevado montante que não encontram correspondência nos descontos realizados, destinada a recuperar receitas, seria desrazoável: a adoção de tal mecanismo corretivo, onerando indistintamente todos os que recebem prestações sociais vitalícias, mesmo aqueles que tiveram uma efetiva carreira contributiva, havendo procedido a descontos suficientemente elevados ao longo da vida, assim tendo por base uma adequada sustentação contributiva constituída na vida ativa por si e pelas entidades empregadoras, violaria o princípio da proibição do excesso. Por outro lado, tal correção nunca poderia ter lugar através de uma medida episódica e, como acabamos de ver, cega.

Por fim, mas não menos importante, é de sublinhar que não acolho o argumento de que a CES se justificaria também por um dever de solidariedade intergeracional: um tal objetivo jamais pode ser prosseguido por uma medida meramente conjuntural e avulsa. Ora a CES, como foi concebida, enquanto receita extraordinária, não é uma medida estrutural, pensada para a solvabilidade do sistema, não podendo, por isso, ser encarada como uma medida com o propósito de reduzir encargos lançados sobre as gerações futuras.

Razões pelas quais, em meu entender, o Tribunal deveria ter declarado a inconstitucionalidade da Contribuição Extraordinária de Solidariedade.

Não havendo o Tribunal considerado a CES violadora da Constituição - o que a conservará - não posso, por maioria de razão, deixar de aderir, no essencial, aos argumentos utilizados no acórdão para fundamentar a inconstitucionalidade da suspensão do subsídio de férias dos aposentados, reformados e pensionistas, na medida em que a CES, juntamente com outras medidas de incidência geral, contribuiu para o agravamento dos sacrifícios acumulados que justificam a violação do princípio da igualdade proporcional.

No entanto, sempre se dirá que mesmo que a CES houvesse sido afastada por um juízo de inconstitucionalidade, ficando menos pesados os sacrifícios, a meu ver, seria sempre de manter idêntico juízo relativamente à suspensão dos subsídios de férias dos aposentados, reformados e pensionistas, por violação do princípio da proteção da confiança. A posição deste segmento da população, relativamente à dos trabalhadores do ativo, por exemplo, é digna de especial ponderação no que à proteção da confiança diz respeito (para tal muito contribuindo o

direito à segurança económica das pessoas idosas, previsto no artigo 72.º, n.º 1, da CRP), já que é um grupo de pessoas muito mais sensível ao impacto das medidas de contração das prestações a que tem direito. Referimo-nos, afinal, a um segmento da população que, na sua maioria, se encontra em especial situação de vulnerabilidade e dependência e que, por naturais razões atinentes à sua idade (e, muitas vezes, à saúde) se mostra incapaz de reorientar a sua vida em caso de alteração inesperada das circunstâncias. Entendo, por estas razões, que não podem ser afetadas neste grau, as suas expectativas relativamente às prestações fixadas – e refiro-me, sobretudo, a certas faixas de pensões que realizaram efetivos descontos durante uma carreira contributiva – nem neste grau prejudicada a tutela do investimento na confiança que o acórdão também refere. Reconhecendo que o interesse público prosseguido com esta medida é, igualmente, digno de tutela, não pode, no entanto, em minha opinião, deixar de se considerar que é excessiva a medida da afetação da confiança infligida a uma faixa da população que depende desta prestação social para garantir a sua independência económica e a sua autonomia pessoal (tanto mais que foram já afetados por outras medidas gerais de austeridade, e que, nalguns casos, deles voltou, de novo, até, a depender a família).

Por último, faço notar que entendo que a CES partilha com a contribuição incidente sobre os subsídios de doença e desemprego a característica de medida de obtenção de receita, o que, não sendo consensual, não impede ter eu aderido ao fundamento do acórdão para declarar a inconstitucionalidade do artigo 117.º, independentemente da sua caracterização.

Catarina Sarmento e Castro

 

B) Divergi quanto à decisão expressa na alínea e) da Decisão do presente Acórdão no que respeita às normas do artigo 78.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelas razões essenciais que de seguida se explicitam.

1. O artigo 78.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, institui uma medida denominada «Contribuição extraordinária de solidariedade» que, no essencial – independentemente da sua perspetivação, na prática, como medida de redução de despesa ou de aumento de receita – se traduz numa ablação, com caráter progressivo, das prestações devidas em razão da qualidade de aposentado, reformado, pré-aposentado e equiparado.

O juízo de não inconstitucionalidade formulado pela maioria parece residir, no essencial, na inexistência de qualquer ofensa ao princípio da proteção da confiança e ao princípio da proporcionalidade. Divergimos todavia da conclusão alcançada.

2. No percurso que nos leva a diferente conclusão, afiguram-se relevantes os seguintes aspetos.

Em primeiro lugar, a configuração abrangente e unitária da medida. Configurada de modo abrangente – quer quanto ao âmbito objetivo de incidência no que respeita às prestações abrangidas, quer quanto ao âmbito subjetivo no que respeita aos beneficiários e entidades processadoras das prestações abrangidas (cfr. n.º 3 do artigo 78.º) – a medida em causa incide sobre as prestações devidas no quadro de diferentes sistemas (e dos correspondentes regimes) que, nos termos da lei, integram o Sistema de Segurança Social previsto no artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa e cuja organização, coordenação e subsídio aquele preceito comete ao Estado: o sistema de proteção social dos trabalhadores que exercem funções públicas (cfr. art. 6.º do Decreto-Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro), o sistema previdencial e o sistema complementar (cfr. art.ºs 23.º, 50.º e ss. e 81.º e ss. da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social). A medida em causa, configurada de modo unitário, afeta de igual modo as prestações devidas no quadro de cada um dos regimes que integram aqueles sistemas, a saber, em especial, respetivamente: o regime de proteção social convergente; o regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e dos trabalhadores independentes e os regimes especiais; o regime público de capitalização e os regimes complementares de iniciativa

coletiva – não sendo evidente, face à formulação da parte final do n.º 3 do artigo 77.º, a exclusão das prestações devidas no quadro dos regimes complementares de iniciativa individual.

Em segundo lugar, tendo em conta o caráter abrangente e unitário da medida, o objetivo, mencionado no Relatório sobre o Orçamento de Estado para 2013, de «alcançar um efeito equivalente à medida de redução salarial aplicada aos trabalhadores do setor público» (cfr. II, 3.1.1., p. 51) é em muito ultrapassado. Isto, tendo em conta quer o referido âmbito de aplicação (não se confinando aos pensionistas pagos por verbas públicas, seja no sistema previdencial, seja no sistema de proteção dos trabalhadores que exercem funções públicas), quer o caráter fortemente progressivo das percentagens aplicáveis, quer ainda o estabelecimento de uma percentagem máxima de redução das pensões muito superior à percentagem máxima de redução da retribuição dos trabalhadores do setor público no ativo. Assim, o pretendido paralelismo cessa na medida em que o âmbito da aplicação da contribuição em causa (ou âmbito de incidência) e respetivas taxas respeitam, unitariamente, a um universo muito mais abrangente e as percentagens e limites da dita contribuição excedem as aplicáveis à redução das remunerações dos trabalhadores do setor público.

Em terceiro lugar, o esforço imposto por via da medida em causa é exigido em razão da qualidade, particular e distinta face à generalidade dos cidadãos, de beneficiário de prestações de aposentação ou reforma ou equiparadas, devidas ao abrigo de diferentes regimes dos vários sistemas integrados no sistema de segurança social – mas sem atender todavia à diversa configuração das várias situações abrangidas por esses regimes, em especial a situação daqueles que, qualquer que seja o regime em que se integram, registam carreiras contributivas longas ou mesmo completas nos termos da lei aplicável no momento da aquisição do direito à prestação e, ainda, a origem no aforro privado das contribuições pagas para alguns dos regimes abrangidos, como sucederá em relação a componentes do denominado regime complementar. Assim configurada, a medida em causa afigura-se revestir a natureza de tributo por onerar, objetivamente, o rendimento percebido mediante prestações devidas em razão da qualidade particular de aposentado ou reformado (ou equiparado), independentemente de a entidade devedora assumir natureza pública ou privada e, assim, de as verbas envolvidas no pagamento das prestações devidas terem origem pública ou privada. O tributo em causa, admite-se, apresenta, pela sua configuração e traços de regime, uma natureza híbrida que a aproxima, por um lado, de um tributo fiscal – designadamente por se afigurar como uma prestação pecuniária sem caráter de sanção exigida unilateralmente pelo Estado com vista à realização de fins públicos, por se prever em termos de modus operandi um mecanismo de dedução e entrega e por se preverem taxas progressivas – e, por outro, de um tributo parafiscal, sob a forma de contribuição financeira a favor de entidades públicas – designadamente pela previsão de que o valor da contribuição reverte apenas a favor do IGFSS, IP ou da CGA, IP, ou pela possibilidade, prima facie, de enquadrar os valores pagos nas «contribuições obrigatórias para regimes de proteção social» que podem, nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ser objeto de dedução ao rendimento da categoria H (cfr. art.º 53.º, n.º 4, b) para efeitos de cálculo daquele imposto. Tal natureza não se revela contudo determinante para a sua apreciação à luz do princípio da proteção da confiança.

Em quarto lugar, do ponto de vista da conformidade das normas que preveem a medida com a Constituição da República Portuguesa, cumpre apreciá-la à luz da proteção constitucional conferida, em abstrato, à posição jurídico-subjetiva dos que têm a referida qualidade de pensionista (ou equiparado) e, assim, de beneficiário do sistema, numa ou em várias das suas vertentes e que por força do seu enquadramento na previsão legal, veem tal posição afetada – sendo a dimensão do universo em concreto abrangido irrelevante para a apreciação da referida conformidade – e à luz do interesse público que a instituição da medida, conjuntural e não definitiva, visa prosseguir num contexto de excecionalidade.

Dessa apreciação resulta que, mesmo admitindo-se que a proteção dos cidadãos pelo sistema de segurança social, incluindo na eventualidade de velhice ou invalidez, que a Constituição consagra no seu artigo 63.º, n.º 2, não implica a existência de um direito fundamental à irredutibilidade das prestações devidas, ou seja, que a Lei Fundamental não garante aos pensionistas o direito fundamental a um quantum prestacional imutável, fixado no momento da passagem à situação de aposentação ou reforma de acordo com a lei vigente nesse momento, deve sublinhar-se

que à proteção conferida pela Constituição a todas as pessoas por via do enunciado do direito à segurança social, acompanhada pela incumbência cometida ao Estado de organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social e pelo enunciado das eventualidades que determinam a proteção pelo sistema (cfr. n.ºs 1 a 3 do artigo 63.º da CRP), acresce a particular relevância constitucional conferida pelo artigo 72.º aos idosos que, na eventualidade de velhice, adquirem o direito prestacional à pensão, nos termos fixados por lei, e ao seu direito à segurança económica – relevância hoje igualmente expressa no artigo 25.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia na parte em prevê o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente. Não pode perder-se de vista a especial necessidade de proteção dos que têm a qualidade de idoso que, em situações regra, coincidirá com a qualidade de aposentado, reformado ou equiparado que determinou o direito ao recebimento das prestações sociais sujeitas ao pagamento de uma «contribuição extraordinária de solidariedade», na medida em que a perda de rendimento por parte dos beneficiários das prestações em causa, por força dessa mesma qualidade, mais dificilmente pode ser compensada pelo exercício de uma atividade profissional, podendo implicar a afetação das práticas vivenciais e dos compromissos assumidos que assegurem a sua segurança económica e a sua existência condigna e independente em razão das suas necessidades específicas.

Por último, a medida em causa e as normas que a instituem inserem-se num contexto de excecionalidade económico-financeira e, em especial, na «Estratégia de consolidação orçamental» determinada pelas obrigações específicas assumidas pelo Estado português ao nível internacional (Fundo Monetário Internacional) e da União Europeia, na sequência do pedido de ajuda financeira externa.

Subjacentes à medida em causa invocam-se, por isso, interesses públicos a salvaguardar: em termos imediatos, um interesse público inerente ao imperativo de consolidação orçamental e ao cumprimento das obrigações a que o Estado português se encontra vinculado ao nível transnacional, internacional e europeu, que encontram fundamento nos artigos 7.º, n.º 6, e 8.º da CRP, incluindo a obrigação de cumprimento dos limites quantitativos estabelecidos, no Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, para o défice orçamental nos anos de 2013 e 2014, com vista, em última análise, à sua contenção dentro dos valores de referência, a observar pelos Estados membros, a que se refere o n.º 2 do artigo 126.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e fixados no Protocolo (N.º 12) sobre o procedimento relativo aos défices excessivos; em termos mais mediatos, um interesse público inerente à própria garantia de realização das tarefas cometidas ao Estado pela Lei Fundamental e à sustentabilidade do Estado social – tal como se afirma no Relatório que acompanha o Orçamento de Estado para 2013 (cfr. II, II.1, p. 40).

3. Ora, na falta de parâmetro constitucional expresso que proteja o quantum devido a título de pensão aos já aposentados, reformados e a estes equiparados para o efeito – quer se entenda a contribuição extraordinária de solidariedade como redução ou como oneração de rendimentos, como se parece propor no artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013, e ainda que de modo não definitivo – entende-se, na linha argumentativa do presente Acórdão, que a ponderação entre a proteção do direito à pensão ou prestação a esta equiparada, por um lado, e a prossecução do interesse público subjacente à medida em causa, por outro – ou, como se afirma no Acórdão n.º 396/2011, entre «os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que o regula e o interesse público que justifica essa alteração» (cfr. II, n.º 8) –, se insere no quadro de análise do princípio da confiança, configurado como corolário e exigência do princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), e do princípio da proporcionalidade (idem). Na análise e aplicação destes princípios na situação vertente chegamos, todavia, a uma conclusão inversa à do presente acórdão pois, segundo cremos, ambos se mostram ofendidos pelas normas legais em presença.

3.1 Quanto aos requisitos da tutela jurídico-constitucional da confiança segundo os quais é necessário que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade, que tais expectativas sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões, terem os privados feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento estadual» e, por último, que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que

gerou a situação de expectativa (cfr. Acórdãos n.º 128/2009 e, posteriormente, n.º 188/2009 e n.º 3/2010), deve desde logo considerar-se que a previsão pelo legislador de uma contribuição extraordinária que abrange, de modo universal, o conjunto das pessoas que já adquiriram a qualidade de beneficiários de um direito social a uma prestação a título de pensão de aposentação ou reforma ou equiparada, qualquer que seja o regime ou regimes por que se encontram abrangidos e independentemente da natureza, pública ou privada, das verbas devidas e da consideração da duração das carreiras contributivas, não cai na zona de previsibilidade de comportamento dos poderes públicos.

Por um lado, não obstante a evolução legislativa verificada mencionada no presente Acórdão, em especial desde a década de noventa, no sentido, designadamente, da alteração da fórmula de cálculo das pensões e do estabelecimento de uma limitação do montante da pensão no regime geral da segurança social e da convergência entre o sistema de proteção social dos trabalhadores da função pública e aquele regime geral, certo é que o financiamento do sistema, na sua vertente previdencial, caracterizado como um sistema de repartição, tem assentado, no essencial, em prestações obrigatórias devidas pelos empregadores, públicos ou privados, e pelos que exercem uma atividade laboral (denominadas pela lei «contribuições» e «quotizações») – sem prejuízo de contribuições facultativas, resultantes de uma opção individual, para o regime complementar. Por outro lado, a expectativa de continuidade no que toca à não contribuição de todos os que já são beneficiários (tendo já contribuído) para o financiamento do sistema de segurança social também não se pode ter por invertida pela previsão de uma medida com idêntico nome na Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (art.º 162.º, n.º 1) e na Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (art.º 20.º, n.º 1 e n.º 15) – tendo em conta, em especial, o âmbito confinado de incidência desta medida e o limiar quantitativo da sua aplicação, sem paralelo na medida em análise.

Entende-se que a medida controvertida também frustra expectativas legítimas, justificadas e fundadas em boas razões dos respetivos destinatários, por a qualidade de beneficiário de um direito a uma prestação social com fundamento constitucional e legal já ter sido adquirida por força do preenchimento dos pressupostos de que depende a sua atribuição e que o legislador, no âmbito da sua livre margem de apreciação, fixou; expectativas fundadas, em especial, no caso de as pessoas afetadas pela medida registarem carreiras contributivas longas e, ainda, no caso de pensões na eventualidade de velhice (ou invalidez na medida em que sejam abrangidas), determinadas pela dificuldade ou mesmo impossibilidade de exercício de uma atividade profissional remunerada que possa compensar a ablação decorrente da medida em causa.

Quanto ao requisito da tutela jurídico-constitucional da confiança que impõe que os privados tenham feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento estadual» entende-se que o mesmo também se verifica por a prestação percebida a título de pensão ou reforma ou situação equiparada ser aquela que permitirá, em regra, custear a subsistência, manter práticas vivenciais, garantir a autonomia e fazer face a compromissos assumidos e, inclusive, a gastos inerentes à qualidade de idoso – qualidade que terá a generalidade dos pensionistas com carreiras contributivas longas ou completas – ou de inválido.

Por fim, quanto à ocorrência de razões de interesses público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa – e, assim, a prevalência das mesmas sobre a tutela da posição jurídico-subjetiva dos pensionistas abrangidos pela medida – e dada a sua invocação, nos termos atrás indicados, consideramos ocorrer uma afetação desproporcionada da posição de confiança que o grupo de beneficiários afetado nos parece merecer. O que melhor se verifica à luz do princípio da proporcionalidade.

3.2 Pode dar-se por adquirido que a medida em causa, por implicar, consoante a perspetiva em que se encare e a natureza da entidade processadora, uma redução de despesa ou um aumento de receita e cujo impacto financeiro foi estimado pelo Relatório do Orçamento de Estado para 2013 (cfr. II, 3.1.1, p. 51), contribui para fazer face à situação de défice orçamental (para o qual tem pesado o crescimento das prestações em caso de desemprego e o decréscimo das contribuições para a segurança social), pelo que, em termos orçamentais, pode consubstanciar uma medida adequada ou idónea para tal fim imediato. O mesmo não se revela evidente quanto à invocada

sustentabilidade do Estado social, designadamente para as gerações futuras, dado tratar-se de uma solução conjuntural (para um problema também entendido como conjuntural).

Depois, ainda que se admita que a medida possa estar nos limites da necessidade, sendo porventura necessária em face da maior amplitude do universo de destinatários de eventuais medidas de financiamento alternativas relativamente aos atuais beneficiários da segurança social, entende-se que a mesma se afigura excessiva e desproporcionada – valoração justificada em razão da abrangência da medida em termos de âmbito de incidência, da desconsideração da diversidade de situações subjacentes à qualidade de beneficiário das prestações afetadas e, ainda, dos elevados limites das taxas aplicáveis.

Quanto ao âmbito de incidência, a medida em causa, configurada de modo unitário, abrange prestações que se integram no sistema complementar e nos regimes, nele integrados, de capitalização pública ou de iniciativa coletiva, incidindo por isso a taxa aplicável, consoante a entidade pagadora, sobre contribuições, facultativas, efetuadas a partir de aforro privado e/ou, inclusive, sobre o respetivo rendimento – pondo em causa, por alteração de pressupostos, os efeitos esperados de decisões individuais passadas de afetação de rendimento disponível tomadas face às regras jurídicas aplicáveis (a solvabilidade global do sistema, a beneficiar aqueles que se enquadram no sistema complementar, não parece corresponder sequer à justificação da própria medida, com fins imediatos muito determinados).

Quanto à não tomada em consideração da diversidade de situações subjacentes à qualidade de beneficiário das prestações afetadas pela medida assume particular relevo a desconsideração das situações de carreiras contributivas longas e mesmo completas relativamente às quais um argumento de redução conjuntural de pensões, ainda que mais elevadas, por insuficiência de contribuições em termos temporais, não se revelará procedente. De facto, o sacrifício imposto é tanto mais desmedido quanto o montante da prestação tenha maior correspondência com as contribuições efetivamente pagas ao longo da carreira contributiva.

Por último, as taxas aplicáveis apresentam-se como gravosas quer em termos de valor da taxa máxima, quer em termos da sua aplicação que se efetua a partir de um patamar de rendimento que – contrariamente às medidas com idêntica denominação previstas em leis do Orçamento de Estados anteriores – não funcionam apenas por aplicação em excesso de um patamar de rendimento elevado, mas a partir de um patamar de rendimento muito inferior.

Atendendo ao que ficou exposto a nossa pronúncia foi no sentido da inconstitucionalidade das normas do artigo 78.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

Maria José Rangel de Mesquita

 

3. Entendo que o mesmo juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, deve ser formulado quanto à norma constante do artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013, em que se institui medida designada como “contribuição extraordinária de solidariedade” (CES), incidente sobre pensões de reforma e de aposentação.

Em primeiro lugar, não oferece dúvida que a CES opera sacrifício acrescido sobre pensionistas e reformados, também onerados, como os demais contribuintes, com o aumento generalizado de impostos. Ora, não se vê que essa condição, em si mesma, justifique uma obrigação especial na satisfação dos encargos públicos e participação suplementar na correção de desequilíbrios orçamentais, tanto mais quando incidente sobre quem se encontra numa fase de vida que não permite procurar outras fontes de rendimento.

Não colhe, a meu ver, a justificação de que se trata de sacrifício equivalente às reduções salariais por parte de quem se encontra a beneficiar de verbas públicas e destinado a compensar o maior esforço orçamental com o sistema de segurança social na atual situação económica e financeira, desde logo porque a CES estende o seu âmbito de incidência a contribuintes cujas pensões não representam qualquer encargo para o orçamento da segurança social, como acontece com rendimentos proporcionados por planos de pensões criados por regimes previdenciais de iniciativa empresarial ou coletiva, geridos por entidades de direito privado ou cooperativo e até por entidades de direito público (caso da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores - CPAS). A medida abarca, assim, as pensões enquadráveis no primeiro e segundo pilares do sistema da segurança social, o que a diferencia profundamente da medida com a mesma designação consagrada nos orçamentos de estado de 2011 e 2012.

Também não colhe outra fonte de legitimação, avançada no relatório do OGE, no sentido de que se procura atingir a correção de disfunções na perceção de pensões formadas sem a devida correspondência contributiva, vistas como indispensáveis para assegurar a sustentabilidade do sistema de segurança social, de acordo com princípios de auto-sustentabilidade, justiça e solidariedade intergeracional. Não se vê como poderá a CES, enquanto medida anual e de emergência, atingir esse objetivo duradouro, desde logo porque não diferencia, como esperado, entre quem aufere pensão consolidada na sequência de mais de 30 ou 40 anos de contribuições e com ponderação da integralidade da carreira contributiva e outros beneficiários, cujas pensões não encontram apropriado lastro contributivo e sofrem de questionável justiça social, ao menos numa perspetiva diacrónica.

Igualmente, não se encontra fundamento comutativo bastante na intervenção ablativa em apreço, por efeito do princípio da equivalência na segurança jurídica ou do princípio de solidariedade de grupo. O aproveitamento da vantagem advinda da solidez do balanço da segurança social derivada do maior influxo de rendimentos durante o ano de 2013 não incide sobre os titulares de pensões em pagamento com intensidade significativamente acrescida relativamente aos demais sujeitos, beneficiários futuros, em particular se tivermos como referência aqueles que se encontram prestes a adquirir o direito a prestações do sistema previdencial.

A isto não se opõe a contribuição para a realização global de fim público de proteção social, pois trata-se de assegurar um direito de cidadania – direito à segurança social - que abrange inclusivamente quem para ela não pode contribuir e a todos pertence. Mesmo que o sistema assente numa lógica de repartição, e não de capitalização, a configuração atual da Lei de Bases da Segurança Social (lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) procura assegurar que o esforço solidário incida de forma diversa sobre as várias categorias de pessoas através do princípio da adequação seletiva das fontes de financiamento (artigo 90.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de novembro), de acordo com a natureza e objetivos a que obedece cada um dos sistemas e subsistemas instituídos, conjugado com a regra da contributividade. Ora, e como sublinha Sérgio Vasques, “[o] que o principio da adequação seletiva das fontes de financiamento e a regra da contributividade significam, em suma, é que constituindo embora a segurança social um direito que é de todos, não são as contribuições a cargo dos trabalhadores que financiam as prestações a que todos têm direito” (Principio da Equivalência como Critério da Igualdade Tributária, 2008, p. 185). Afastada que está a alteração da pensão – já formada - por parte quem efetue a prestação suplementar solidária representada pela CES – sem prejuízo da reconfiguração financeira global do sistema previdencial, garantindo a sua sustentabilidade - afigura-se-me claro que estamos perante financiamento que se afasta decisivamente do pressuposto e da finalidade do sistema de segurança social e que radica tão somente no alívio – anual - de parte de sistema que deverá ser suportada pelos impostos, ou seja, suportada por todos. Note-se que a consignação estipulada pela CES significa que haverá pensionistas chamados a participar no financiamento de subsistema ao qual nunca pertenceram nem podiam pertencer (CGA).

Neste quadro, falece a evidência de relação comutativa que permita considerar a CES, unitariamente considerada, como contribuição especial parafiscal incidente sobre pensionistas e reformados, em especial sobre pensionistas e reformados pertencentes tanto ao sistema previdencial como ao sistema complementar, incluindo os regimes complementares administrados

por entidades não públicas. Mesmo que se possa descortinar relação sinalagmática indireta - o que tenho como muito duvidoso relativamente ao âmbito subjetivo do n.º 3 do artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013 - afigura-se-me que esse nexo difuso aproxima a CES das contribuições para a segurança social por parte das entidades patronais, pelo seu acentuado caráter unilateral, relativamente às quais é reconhecida a sua equiparação aos impostos (cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7ª edição, 2012, p. 586 e 587 e Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social: Um imposto que não ousa dizer o seu nome, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correria, IV, 2010, p. 291 a 297, estendendo essa equiparação às várias espécies de contribuições para a segurança social).

Ficamos, assim, perante intervenção situada no plano da receita, encarando o valor da pensão (ou da sua soma, em caso de pluralidade de prestações, nos termos do n.º 5 do artigo 78.º Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro de 2013) como índice da capacidade contributiva e sujeita às exigências jurídico-constitucionais incidentes sobre os impostos. Aliás, na nota enviada ao Tribunal Constitucional, o proponente da medida admite raciocinar nesses termos, pugnando pela sua consideração como “adicional ao imposto sobre o seu rendimento, instituído em benefício da Segurança Social” (cfr. p. 50).

Ora, enquanto intervenção tributária com natureza equivalente de imposto, a CES não respeita a igualdade horizontal, fazendo sujeitos com iguais recursos participar de forma bem diferente no reequilíbrio do sistema de segurança social, consoante se encontrem a beneficiar de pensões ou aufiram rendimentos de outras categorias. Não se vê o que legitima materialmente tributar os rendimentos de aposentados e reformados em termos largamente majorados relativamente a outros rendimentos, como por exemplo os acréscimos patrimoniais injustificados inferiores a €100.00, sujeitos às taxas normais de IRS (artigo 72.º, n.º 11, do CIRS).

Em suma, considero que a norma do artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013, na medida em que configura oneração discriminatória dos pensionistas, reformados, pré-aposentados e equiparados na satisfação dos encargos com a diminuição do défice público sem fundamento legitimador, viola o princípio da igualdade, na vertente da igualdade tributária (artigo 104.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 13.º, ambos da Constituição), pelo que me pronunciei pela declaração da sua inconstitucionalidade, com esse fundamento.

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por Augusta Clara às 08:00

Sexta-feira, 21.12.12

APRe! - Carta ao Presidente da República sobre a requisição da fiscalização preventiva do OE ao Tribunal Constitucional

Senhor Presidente da República

 

Excelência

 

A APRe! é uma Pró-Associação de Aposentados Pensionistas e Reformados, cívica, laica, apartidária, sem fins lucrativos e de âmbito nacional, tendo iniciado a sua actividade no dia 22 de Outubro, p.p.

Entre outros, tem como objectivos representar os Associados na defesa dos seus direitos e interesses e promover a participação cívica dos Aposentados, Pensionistas e Reformados na definição e aplicação das políticas públicas, visando uma sociedade mais justa e solidária

O Orçamento do Estado para o ano de 2013 prevê medidas altamente prejudiciais para os nossos Associados, razão que nos levou a tomar a iniciativa de solicitar a presente audiência.

Com efeito, o Orçamento do Estado para 2013 agrava a situação económica e financeira dos nossos Associados e suas famílias, ao dar continuidade a uma politica de «cortes orçamentais» já implementadas em 2012.

Por isso, os nossos Associados sofrem este ano um agravamento fiscal nas suas reformas e pensões, atentos á qualificação de Vossa Excelência, que ronda os 14% dos seus rendimentos anuais.

No próximo ano está previsto um agravamento de 6,3% (decorrente do «corte» de 90% de um subsídio), mais 6,3% (em termos médios) decorrente da taxa de solidariedade, variável e progressiva em função do valor das respectivas pensões, perfazendo cerca de 12%.

Aparentemente parece haver um ganho para os nossos Associados de cerca de 2%. Mas só aparentemente, uma vez que o Orçamento do Estado para 2013 altera os escalões de tributação de 7 para 5 escalões, com agravamento das taxas aplicáveis, com efeitos negativos em todos eles, podendo haver agravamentos da ordem dos 2% a 3% para a generalidade das pensões, com exclusão das margens inferiores e superiores. Acresce ainda uma taxa extraordinária de 3,5% do seu rendimento anual, traduzindo-se num agravamento fiscal superior aos 14% verificados no ano passado.

A partir de 1350 euros mensais, os pensionistas vão passar a pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento, incluindo o de um salário de igual montante! Esta norma que viola a justiça distributiva é, segundo o Dr. Bagão Félix, “um atropelo fiscal inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].”

A situação financeira acumulada dos dois anos em questão tem um forte impacto na vida familiar dos nossos Associados, podendo levar á ruptura das suas condições sociais, neste final das suas vidas.

Se por um lado reconhecemos as dificuldades financeiras que Portugal atravessa, na actual conjuntura, com fortes restrições impostas pela elevada dívida pública, por outro, temos perfeita consciência que os encargos assumidos pelo Estado no domínio das pensões é praticamente insignificante face a uma dívida pública que se situa perto dos 120% do PIB.

Donde, tratando-se de encargos irrelevantes, o Estado abre, com tais medidas, uma ruptura de confiança com pessoas com quem fez uma promessa de contrato social, que sempre se habituaram a ver no Estado uma pessoa de bem e algumas até, fizeram o melhor das suas vidas a defendê-lo e a posicioná-lo como tal. 

É para nós incompreensível que o Governo tenha uma atitude assumida e voluntária de levar á falência as famílias dos aposentados e pensionistas, sem que daí resulte a solvência do Estado, mas antes consequências sociais gravíssimas. Logo, não encontramos razão para que essas medidas se possam fundar na dívida pública, porque esta só terá solução com crescimento económico e, consequentemente, com a melhoria do nível de consumo das famílias.

Como acima se procurou demonstrar, os aposentados e pensionistas estão a ser financeiramente discriminados face aos seus concidadãos, numa circunstância em que jamais poderão recuperar nas suas vidas, estão ainda desprovidos de organizações

de poder que os possam defender e não encontram qualquer justificação soberana ou legal para que sejam prejudicados. Ao invés, pensamos que o contexto económico e financeiro do país precisa de melhorar o nível de consumo das famílias para sairmos da actual espiral depressiva que compromete o futuro de Portugal.

Citando o Dr. Vítor Bento, “Tal como uma andorinha não faz a Primavera, uma medida injusta não contamina um programa, nem define por si só a justiça global desse programa”, no entanto, pode “contribuir desnecessariamente para a erosão do consenso social e político de que depende o seu sucesso”.

Razão pela qual apelamos a V. Excelência, Senhor Presidente da República, na sua qualidade de mais alto magistrado da nação e primeiro garante do cumprimento da Constituição da República Portuguesa, que utilize os poderes que a Constituição lhe confere (nos seus artigos 134º, alínea g, e 278º, 1º) para requerer, junto do Tribunal Constitucional, a fiscalização preventiva do OE para 2013, nomeadamente no que se refere às medidas previstas no Orçamento do Estado para 2013 que discriminam e prejudicam os aposentados e pensionistas.

Gratos pela atenção dispensada, apresentamos os nossos respeitosos cumprimentos

 

Lisboa, 13 de Dezembro de 2012

A Coordenadora da APRE!

 

______________________________

 

Maria do Rosário Gama

 

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por Augusta Clara às 12:00



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