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Jardim das Delícias



Segunda-feira, 30.06.14

Paloma Negra - Lila Downs

 

Lila Downs  Paloma Negra

 

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por Augusta Clara às 21:00

Segunda-feira, 30.06.14

O aviador - Florbela Espanca

 

Florbela Espanca  O aviador

 

 

(Adão Cruz)

 

 

   No veludo glauco do rio lateja fremente a carícia arden­te do sol; as suas mãos doiradas, como afiadas garras de oi­ro, amarfanham as ondas pequeninas, estorcendo-as volup­tuosamente, fazendo-as arfar, suspirar, gemer como um infinito seio nu. Ao alto, os lenços claros, desdobrados, das gaivotas, dizendo adeus aos que andam perdidos sobre as águas do mar... Algumas velas no rio, manchazinhas de fres­cura no crepitar da fornalha. Mais nada.

Um óleo pintado a chamas por um pintor de génio. As tintas flamejam, ainda húmidas: são borrões vermelhos as colinas em volta, doirados, o indistinto turbilhão da casaria ao longe.

A vida estremece apenas, pairando quase imóvel, numa agitação toda interior, condensada em si própria, extática e profunda. A vida, parada e recolhida, cria heróis nos im­ponderáveis fluidos da tarde.

Os homens, saindo de si, borboletas como salamandras que a chama não queimara, abrem os braços como asas... e pairam! Acima do óleo pintado a chamas por um pintor de génio, ascende... o quê?! Outra gaivota?... Outra vela?... O sol debruça-se lá do alto, e fica como uma criança que se esquecesse de brincar no trágico assombro do nunca visto! Outra gaivota?... Outra vela?...

Tudo em volta flameja. O pincel de génio dá os últimos retoques ao cenário de epopeia. As tintas têm brilhos de es­maltes. São mais vermelhas as colinas agora, mais doirada a cidade distante.

Os filhos dos homens, cá em baixo, deixam cair nos campos a enxada que faz nascer o pão e florir as rosas; os pescadores largam os remos audaciosos, que rasgam os ma­res e os rios, e os filhos dos homens mais duramente casti­gados, os que habitam o formigueiro das cidades, param nas suas insensatas correrias de formigas, e todos voltam a face para o céu.

O que anda sobre o rio? Outra gaivota?... Outra vela?...

Lá em cima, a formidável apoteose desdobra-se no meio do pasmo das coisas. É um homem! Um homem que tem asas! E as asas pairam, descem, rodopiam, ascendem de no­vo, giram, latejam, batem ao sol, mais ágeis e mais robustas, mais leves e mais possantes que as das águias!

É um homem! A face enérgica, vincada a cinzel, emerge, extraordinária de vida intensa, na indecisão dos contornos que lhe fazem, vagos e pálidos, um vago pano de fundo; a face e as mãos. É um Rembrandt pintado por um Titã.

Os músculos da face adivinham-se na força brutal das maxilas cerradas. Nos olhos leva visões que os filhos dos homens não conhecem. Os olhos dele não se vêem; olham para dentro e para fora. São de pedra como os das estátuas, e vêem mais e mais para além do que as míseras pupilas humanas. São astros.

É um homem! Deixou lá em baixo todo o fardo pesado e vil com que o carregaram ao nascer, deixou lá em baixo todas as algemas, todos os férreos grilhões que o prendiam, toda a suprema maldição de ter nascido homem; deixou lá em baixo a sua sacola de pedinte, o seu bordão de Judeu Errante, e livre, indómito, sereno, na sua mísera couraça de pano azul, estendeu em cruz os braços, que transformou em asas!

Não há uma sombra de nervosismo, uma crispação, na­quele perfil de medalha florentina, naquela face moldada em bronze, um bronze pálido que lateja e vibra; não há uma ruga naquele olímpico modelo de estatuária antiga, re­cortado no oiro em fusão da tarde incendiada. O seu cora­ção, ao alto, é mais uma onda do rio, embaladora, rítmica, na sensualidade da tarde; é uma voz que sussurra, que ele sente sussurrar em uníssono com outra voz que sussurra mais áspera, mais rude - a voz do coração de aço que, sob o esforço das suas mãos, palpita e responde.

O sol ascende mais ao alto, vai mais para além, tem ago­ra um fulgor maior e, sobre o bronze vibrante das mãos triunfantes, vai pôr a mordedura da sua boca vermelha. São brutais aquelas mãos, formidáveis de esforço, assombrosas de vontade! Esqueceram as carícias e os beijos, o frémito dos contactos inconfessáveis, o trémulo tactear das carnes moças e cobiçadas; deixaram lá em baixo os gestos de do­çura e piedade, o aroma das cabeleiras desatadas, a forma dos rostos desejados, moldados nas suas palmas nervosas; todas as posses onde se crisparam e os desejos para que se estenderam; perderam as curvas harmoniosas, a tepidez do­lente e macia de preciosos instrumentos de amor. Contraíram-se em garras e, no alto, crispadas sobre a presa, são elas que algemam, são elas que escravizam, que subjugam as asas cativas!

E, lá no alto, o homem está contente. Como quem atira ao vento, num gesto de desdém, um punhado de pétalas, atira cá para baixo uns miseráveis restos de oiro que levou, do seu oiro de lembranças de que se tinha esquecido. O homem está contente.

E a apoteose continua. O pintor de génio endoideceu. Atira sem cambiantes, sem sombras, sem esbatidos, traços como setas que se cravam. Arroja brutalmente todos os vermelhos e os oiros da sua paleta e pinta como quem es­maga, em gestos tumultuosos de demente. Donde vem tan­to oiro? Prodígio! Miragem! Deslumbramento! Até as ve­las sangram e as asas, peneiradas de cinza, das gaivotas, se encastoam de rutilantes pedrarias raras. E irisado agora o veludo glauco do rio; o sol atira-lhe, a rir, como um meni­no, pródigo e inconsciente, as suas últimas gemas. As coli­nas, em volta, são mãos abertas de assassino, e o casario, chapeado de luz, é um manto de púrpura rasgado, cujos farrapos vão prender-se ainda nas labaredas do horizonte a arder. O homem está contente. Atira as asas mais ao alto, escalando os cimos infinitos, já fora do mundo, na sensação maravilhosa e embriagadora de um ser que se ultrapassa! Sente-se um deus!... Ás mãos desenclavinham-se, desprendem-se-lhe da terra onde as tem presas um derradeiro fio de oiro... e cai na eternidade...

Tanto azul!...

As filhas dos deuses, ondinas, sereias, nereidas, prince­sas encantadas, todas as fadas das águas, acorrem pressuro­sas. Há um remoinho de cabeleiras de oiro; os braços são remos de marfim abrindo as águas. Trazem nos seios nus a curva doce das ondas, no riso os misteriosos corais das profundidades. Arrastam mantos verdes tecidos de algas, como rendas, onde se prendem estrelas. Todo o luar pra­teado que à noite faz fulgir o rio, trazem-no em diadema nos cabelos.

Falam todas a um tempo: «Que foi?... Que aconte­ceu?...» e a fala é um arrepio de ondas...

Em volta das asas mortas, são como flores desfolhadas em redor dum esquife negro. E olham...

- É mais um filho dos homens? - pergunta uma, esten­dendo o braço como uma grinalda de açucenas.

Mas a de cabeleira mais fulva, onde o oiro foi mais pró­digo e se aninhou mais vezes, respondeu num sussurro:

- Não. Não vês que tem asas?...

- É então um filho dos deuses? - pergunta outra.

- Não. Não vês que sorri?...

E cercam-no, contemplam-no, vão mais perto, quase lhe tocam...

Há um remoinho mais febril nas cabeleiras de oiro, ge­mem mais fundo, mais melodiosas, as vozes miudinhas, e os mantos, como serpentes, em curvas donairosas, enlaçam-se uns nos outros.

- Tem os cabelos negros como aquele que tombou no mar do Norte...

A da cabeleira mais fulva, onde o oiro foi mais pródigo e se aninhou mais vezes, acerca-se ainda mais... estende o braço a medo... ousa tocar-lhe num gesto mais leve, mais brando que um suspiro... abre-lhe as pálpebras descidas, no ar recolhido de quem abre duas violetas...

Em volta, fremem mais fundo as ondas dos seios. As mãos abrem os dedos como faúlhas de estrelas. Uma lânguida sereia, divinamente branca, eleva o veludo branco dos braços como duas ânforas cheias.

- Que tem dentro? - pergunta Melusina.

- Estrelas? - diz uma filha de rei.

- Não; duas gotas de água, verdes, límpidas, translúci­das, serenas. Venham ver...

Num turbilhão, entrelaçando as rendas subtis dos man­tos roçagantes, confundindo os raios de sol nascente das cabeleiras fulvas, debruçam-se todas e, no fundo, no seio translúcido das duas gotas de água, vêem rodopiar as pa­lhetas de oiro das cabeleiras de oiro, vêem fulgir os raios luarentos dos diademas, e todas as gotas de água dos seus olhos vogam no fundo, como estrelinhas, tão límpidas, cla­ras, serenas elas são.

Olham-se extáticas todas as deusas das águas. Faz-se mais brando o ciciar das vozes... Os gestos são finos como hálitos... os mantos verdes empalidecem, são cor das pupi­las agora...

Uma segreda:

- Vamos deitá-lo lá no fundo, naquele leito de opalas irisadas que o mar do Oriente nos mandou...

Diz outra:

- Vamos pô-lo naquela urna de cristal que é como um túmulo aberto donde se avista o céu...

- Vamos envolvê-lo na mortalha daquele farrapo de luar de Agosto que as ondas nos trouxeram da planície... - murmura outra.

E há vozes, escorrendo como um óleo divino, que ci­ciam:

- Vamos espalhar sobre ele, como pétalas de oiro, os nossos cabelos loiros...

- Vamos selar-lhe a boca com o coral cor-de-rosa das nossas bocas em flor...

- Dêmos-lhe, para ele descansar a cabeça, as brandas vagas dos nossos seios nus...

- Para o deitar, eu sei dum sítio onde desabrocham, entre espumas de neve, rosas mais pálidas que as que eu ti­nha no meu palácio distante - diz uma filha de rei.

- Eu sei de um túmulo de areia onde a areia é de prata...

- Eu descobri a gruta, toda em pérolas cor-de-rosa, on­de fica a madrugada... As ondas ali não cantam, poderá dormir descansado...

- Levemo-lo para aquele berço em forma de caravela que destas praias partiu e se perdeu no Mar das Tormen­tas...

O frémito das vozes fazia-se maré alta... as pálpebras violetas palpitavam...

Foi então que uma delas, que tinha no olhar um pouco da nostálgica tristeza humana, que mostrava ainda sinais de algemas nos pulsos de seda branca, que trazia nos cabelos uma vaga cinza de crepúsculo, murmurou, enquanto num gesto, onde havia ainda esfumadas reminiscências de gestos maternais, lhe aconchegava ao peito a mísera couraça de pano azul:

- Deixem-no... Talvez lhe doam as asas quebradas...

Silêncio...

E aquele que tinha sido um filho dos homens ficou a dormir na eternidade como se fora um filho dos deuses.

 

(in Contos e Diário, Leya)

 

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por Augusta Clara às 18:30

Segunda-feira, 30.06.14

CONVICÇÕES XLIII - Adão Cruz

 

   Hoje, em medicina, nós seguimos com bastante rigor aquilo que denominamos medicina da evidência. Eu, materialista convicto, em sentido científico-filosófico, sem qualquer angústia metafísica, não perfilhando qualquer estanque dualismo corpo-espírito, a não ser em termos académicos, considero a ciência como a mais impressionante e segura plataforma de partida para o saber e a verdade acerca da realidade humana.

 

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por Augusta Clara às 14:00

Segunda-feira, 30.06.14

A velhíssima mãe e os seus diferentes filhos - Nuno Pacheco

 

Nuno Pacheco   A velhíssima mãe e os seus diferentes filhos

 

 

 

Público, 27 de Junho de 214

 

Desejar um futuro à língua portuguesa é desejar-lhe liberdade e diversidade. Ou seja: tudo o que hoje lhe tiramos.

 

   É sempre ingrato falar de algo tão usual como a língua, mas talvez seja por muito falarmos dela, com euforia e sem tino, que a ela sempre voltamos, como náufragos sem madeiros que nos valham num mar imenso. Vamos, pois, à língua e aos seus futuros.

Mas é impossível falar em futuro sem relembrar, ainda que brevemente, o passado. O tempo do galego-português (ou galaico-português, se preferirem), nascido do latim no ângulo noroeste da Península Ibérica, depois da presença romana iniciada em 218 a.C. Outras invasões e conquistas trouxeram outros falares. E se o latim escrito continuava como língua de cultura e transmissão de conhecimento, o português nascido de uma das línguas peninsulares (galego-português, castelhano e catalão; os bascos não haviam abraçado o latim e assim se mantiveram) viu o seu vocabulário, latino e grego na origem, enriquecer-se com palavras de origem germânica (menos) ou árabe (mais). O Testamento de D. Afonso II, que está na origem da mais recente euforia celebrativa, está datado de 27 de Junho de 1214 (faz agora exactamente 800 anos) e é, a nível oficial, o mais antigo documento escrito em língua portuguesa de que há registo. Mas o português não parou por aí, e às influências da proximidade com o castelhano (que chegou a ser usado como segundo língua falada e escrita, inclusive por Gil Vicente e Camões) veio depois a ser influenciado, a partir do século XVIII, pela língua francesa. Gramática, Ortografia e Lexicografia iam-se desenvolvendo desde o século XVI. E iam surgindo os dicionários e vocabulários, com realce para os de Bluteau e de Morais e Silva (ambos escritos e publicados já no séc. XVIII). Por onde andava o português falado, já então?

A crescer e a modificar-se, mas em caminhos diversos consoante as geografias. Portugal e Brasil, mantendo unidade ortográfica até aos últimos tempos da monarquia portuguesa (já o Brasil se tornara independente em 1822), caminhavam para uma óbvia e natural separação em termos de expressão linguística. A velhíssima mãe-língua, ela própria com ainda mais antigos progenitores e parentes, via os filhos crescer, sem contudo prestar atenção suficiente às suas necessidades e diferenças. África, neste campo, também por via da colonização, viu-se a braços com o português como língua oficial (de ensino, de administração) mas não de uso. Porque nesse papel estavam as línguas maternas, não as do colonizador. Cabo Verde e São Tomé e Príncipe tinham crioulos próprios (ainda hoje de uso comum no dia-a-dia), Guiné-Bissau, Angola e Moçambique tinham (e têm) várias línguas, correspondentes a etnias. E se os movimentos de libertação africanos optaram pelo português no momento de escolher uma língua oficial, isso deveu-se à necessidade de evitar divisões (escolher uma língua em detrimento de outra acirraria tribalismos) e ao mesmo tempo de aproveitar o esteio do conhecimento já semeado pelo português.

Depois disso? O vazio, ou quase. Quando, após as independências, os países africanos clamaram por professores, por ajuda no ensino, a resposta foi fraca ou nula. Angola, Moçambique e Guiné-Bissau quiseram incentivar o português em finais dos anos 1970, mas com parco sucesso. Manuel Ferreira (1917-1992), professor e africanista célebre, autor de livros como Hora Di Bai ou A Aventura Crioula, escreveu em 1988 num livro intitulado Que Futuro Para a Língua Portuguesa em África? (curiosamente, a mesma pergunta que hoje repetimos mas com os olhos postos em ambições maiores) o seguinte: “Houve um período em que esses três países procuraram, insistentemente, socorrer-se de Portugal para a contratação de professores cooperantes, mas sabe-se de quanto os sucessivos Governos portugueses, socialistas ou social-democratas, mostraram estranhamente um soberano desdém pelos continuados apelos dos Governos desses países.” Agostinho Neto terá dito, então, que ia bater a outra porta: a do Brasil.

Pois foi exactamente no Brasil que a língua portuguesa tomou forma distinta, falada e escrita e isso deveria constituir motivo de orgulho. Ao contrário do desprezo a que foi votada África. Cuidou-se excessivamente da ideia de língua oficial, descuidando a língua de uso. Artifício útil para palestras, mas máscara de enorme incompetência. Quando hoje se levanta a bandeira dos “250 milhões de falantes”, Brasil e Portugal são contados na íntegra mas África e o Oriente (Índia, Macau e Timor) são esquecidos na realidade dos seus dias, das suas populações, mesmo que sejam lembrados num punhado de intelectuais, governantes e funcionários. Temos, por incompetência e cobiça, os olhos postos nas altas esferas do poder, mas esquecemos a aldeia, a sanzala, a tabanca. Não nos importamos de mentir quando, alardeando o português como “língua de negócios”, tratamos desses negócios naturalmente em inglês, não só no estrangeiro mas também em Portugal, como se o nosso idioma nos envergonhasse, subservientes como sempre ao que nos vem de fora e achamos mais capaz e mais útil. Como queremos que o português seja língua de trabalho no estrangeiro quando nem em Portugal o é? Quem queremos enganar com tais sonhos de expansão, quando os esforços têm sido contrários, no sentido de fechar, minguar, menorizar o português perante outros idiomas, esses verdadeiramente internacionais porque, em lugar de se auto-elogiarem, impõem-se, fazem-se ouvir. Os ingleses não falam da língua, falam a língua. Assim o deviam fazer os portugueses.

 

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por Augusta Clara às 10:00

Segunda-feira, 30.06.14

Ucrânia é o laboratório de um novo fascismo - Castro Gomez e Norman Wycomb,

http://www.jornalistassemfronteiras.com/

 

Castro Gomez (Donetsk), Norman Wycomb (Londres)  Ucrânia é o laboratório de um novo fascismo

 

 

 

 

22 de Juho de 2014

 

   O primeiro ministro da Ucrânia, Arseni Iatseniuk, escreveu no site da Embaixada do seu país nos Estados Unidos que os cidadãos do Leste que se opõem ao regime de Kiev são “sub-humanos” de que “é preciso limpar a nossa terra”; interrogada sobre o que fazer com os oito  milhões de russos que vivem na Ucrânia, a ex-primeira ministra Iulia Timoshenko respondeu: “exterminá-los com bombas atómicas”. Isto passa-se com apoio da União Europeia e dos Estados Unidos da América no ano da graça de 2014.
“A Ucrânia transformou-se num laboratório do neofascismo de que os principais dirigentes mundiais são cúmplices, pelo menos ao tentarem esconder do mundo esta realidade assustadora”, denuncia Irina Galinkin, socióloga ucraniana que se dedica a investigar o percurso dos nacionalismos ucranianos desde o colaboracionismo de Stepan Bandera com Hitler às suas manifestações actuais.
“Em termos de genealogia política trata-se da mesma família”, explica a socióloga. “Tem as suas desavenças internas, os seus  clãs, as suas lutas pelo poder, mas querem todos o mesmo, um país governado por uma elite ‘pura’, esclavagista, detentora de todos os poderes políticos e económicos. Mas como isso não é possível de modo isolado num mundo global como o de hoje, essa ‘elite’ cativa os  interesses militares e económicos dominantes num sistema de troca de favores e convertendo-se ao neoliberalismo económico, abdicando do serôdio e anacrónico nacionalismo económico. Esta Ucrânia é o laboratório de um fascismo novo, um neofascismo adaptado, no fundo tão velho como o mais velho”, afirma Irina Galinkin.
Numerosos intelectuais ucranianos investigam hoje este fenómeno, muitos deles sofrendo ameaças e perseguições por “porem o dedo na ferida e demonstrarem que o rei vai nu”, diz Anton, que revelou apenas um nome próprio porque reside e trabalha em Kiev e já foi “interpelado” por milicianos do Sector de Direita.
“A parafernália nazi está em movimento no país, quer falemos de comportamentos, discurso, conceitos de nação e qualificação das oposições”, diz Derek Baynes, professor britânico de Ciências Políticas que investiga o neofascismo na Europa, trabalhou algum tempo na Ucrânia e se corresponde com colegas ucranianos.
“Considero paradigmático o caso do escrito do primeiro ministro Iatseniuk no site da Embaixada da Ucrânia nos Estados Unidos quando qualifica de ‘sub-humanos’ os oposicionistas do Leste, ´separatistas’ e ‘terroristas’ como diz”, afirma Baynes. “Tudo isto para deixar a promessa, feita em título da declaração, de que irá limpar a nossa terra do mal’ – e sabemos muito bem o que isso significa nestas bocas".
Ao mesmo tempo, acrescenta o professor britânico, o ministro da Defesa, este oriundo das tendências declaradamente fascistas, “propõe a criação de ‘campos de filtração’ para internar os ‘terroristas’ que sobrevivam às operações militares a decorrer no Leste”.
A Agência Territorial Ucraniana, prossegue Derek Baynes, “anunciou entretanto que os soldados que participam nas operações contra as oposições no Leste serão contemplados com a concessão de terras para que possa ser garantido o ‘espaço vital’ ou ‘Lebensraum’ ucraniano perante os ‘russos sub-humanos’ – e quanto a isto escuso de me expandir em mais comentários”.
A vulgarização deste léxico, dos conceitos de pátria fascista e até o recurso a grupos de assalto como o "Batalhão Donbass” ou o “Batalhão Azov”, formados por organizações nazis e integrados na Guarda Nacional criada depois do golpe de Estado de Março, entraram no dia-a-dia da Ucrânia de hoje, governada por um regime apoiado sem restrições pelas instituições europeias e norte-americanas.
Interrogada sobre a utilização do termo “sub-humanos” pelo primeiro ministro no site da Embaixada em Washington, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Jen Psaki, iludiu o assunto e proclamou que os Estados Unidos “apoiam de maneira consistente uma revolução pacífica”.
A propaganda oficial segue o mesmo registo. Anne Apllebaum, do corpo editorialista do Washington Post e ex-editora do The Economist, escreve que “o nacionalismo é exactamente o que a Ucrânia precisa”. A Forbs, revista que publica o ranking anual dos mais ricos do mundo, garante que “os separatistas do Leste são saudosos dos tempos da União Soviética”.
“Não sou historiadora, não quero entrar por comparações entre épocas separadas por muitas décadas, mas não tenho dúvidas de que são muitos e excessivos os sinais de que estamos perante uma ameaça grave a que o oportunismo dos dirigentes ocidentais dá gás de maneira irresponsável”, afirma a socióloga Irina Galinkin.
“Por exemplo”, diz, “perguntaram à ex-primeira ministra Timochenko o que fazer com os oito milhões de russos que vivem na Ucrânia e a solução por ela defendida foi a de os exterminar com bombas atómicas. E não vi que a imprensa europeia se escandalizasse com esta declaração de uma figura tão destacada do regime de Kiev, chefe do partido do primeiro ministro”.
Segundo a socióloga, “isto não foi um desabafo, é a mentalidade dominante”. Revela, a propósito, que o Canal 5, televisão que pertence ao presidente Poroshenko, “compara os habitantes do Leste a baratas, aconselhando o seu extermínio com um insecticida preto e vermelho, as cores do grupo fascista Sector de Direita”.
Irina Galinkin considera particularmente “repugnante” que a imprensa ocidental deixe “passar em claro incitamentos como os feitos pelos órgãos de propaganda que se dizem intérpretes do espírito da ‘revolução de Maidan’ segundo os quais o urânio existente nos sítios nucleares ucranianos deveria ser recolhido e espalhado através da Rússia”.
“A banalização do apelo ao extermínio é a essência de todos os nazismos e semente de muitas guerras”, adverte Irina Galinkin.

 

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por Augusta Clara às 08:00

Domingo, 29.06.14

BALLET - A Bela Adormecida - Tchaikovsky

 

Tchaikovsky  A Bela Adormecida

(Ópera Nacional de Paris, com coreografia e encenação de Rudolf Nureev) 

 

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por Augusta Clara às 14:00

Sábado, 28.06.14

Punto y raya - Soledad Bravo

 

Soledad Bravo  Punto y raya

 

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por Augusta Clara às 21:00

Sábado, 28.06.14

A lenda dourada e linda - Fernando Pessoa

 

Fernando Pessoa  A lenda dourada e linda

 

(Maija Lindberg)

 

 

A lenda dourada e linda

Que me contaram outrora,

Em minha alma dorme ainda

Mas é outra lenda agora.

 

Antigamente falava

De fadas, elfos e gnomos;

Hoje fala só da escrava

Indecisão que nós somos.

 

Mas elfos, gnomos e fadas,

Vistos certos, que mais são

Que as projecções enganadas

Dessa nossa indecisão?

 

Criamos o que não temos

Por nos doer não os ter,

E quasi tudo o que vemos

É o que ansiamos por ver.

 

Depois, cansados daquela

Visão que viu só o nada,

Fechamos toda janela,

Ficamos na alma fechada.

 

Mas inda esses entes todos

Que outrora eram visão,

Bailam mesmo, e inda a rodos,

Mas só no meu coração.

 

(in Poesia 1931-1935, Assírio & Alvim)

 

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por Augusta Clara às 19:00

Sábado, 28.06.14

Carta dirigida em 26 de Março de 2003 por Vasco Graça Moura ao Ministro francês da Cultura sobre os tesouros e bens culturais do Iraque

 

Carta dirigida em 26  de Março de 2003 por Vasco Graça Moura ao Ministro francês da Cultura sobre os tesouros e bens culturais do Iraque

 

 

 

Nota: Ontem, dia em que a língua portuguesa fez 800 anos, a escritora Teolinda Gersão trouxe-nos ao conhecimento este importante documento de alguém que, como ela afirma, foi um dos grandes defensores da nossa língua.

 

 

   Acabo de ter conhecimento do seu apelo, pedindo que os tesouros e os bens culturais do Iraque, ameaçados no decorrer da ofensiva norte-americana e inglesa, sejam devidamente preservados e restituídos àquele país, que deles é proprietário legítimo. Tendo lido a carta que, a esse respeito, V. Exa. endereçou a 24 de Março ao Sr. Director-Geral da UNESCO, só posso regozijar-me pelo bem fundado das suas injunções e associo-me pois a uma iniciativa que aplaudo cordialmente, não apenas na minha qualidade de primeiro vice-presidente da Comissão Cultura, Educação, Juventude, Desporto e Comunicação Social do Parlamento Europeu, mas ainda como cidadão e escritor português.

Parece-me oportuno recordar-lhe neste ensejo que, na época da execrável dominação militar de uma parte muito grande da Europa por Monsieur Bonaparte, as tropas francesas, sob o comando do general Junot, aquando da sua partida de Portugal em 1808, após a batalha de Vimeiro, levaram consigo numerosas obras de arte e tesouros preciosos, em consequência de uma pilhagem sem escrúpulo e sem freio.

Esses tesouros, que nunca foram devolvidos ao meu país, embora se trate de peças muito importantes para o património cultural português, continuam a fazer parte de colecções, museus e arquivos do Estado francês. Estou certo, de resto, que o seu colega dos Negócios Estrangeiros, Monsieur de Villepin, que, como historiador, é um ilustre especialista daquela época, poderá dar-lhe abundantes elementos a tal respeito.

Parafraseio assim a sua carta ao Sr. Director-Geral da UNESCO para afirmar que "os tesouros culturais de Portugal, em toda a sua diversidade e riqueza, devem ser devolvidos aos Portugueses".

E tenha portanto a honra de convidá-lo, Senhor Ministro, a declarar que o Governo francês está pronto a tratar dessa devolução. Sugiro que, pela via diplomática, seja constituída uma comissão mista franco-portuguesa, incumbida de estabelecer a lista desses roubos de guerra e de organizar a sua rápida devolução pela França a Portugal. Hoje mesmo, transmito o conteúdo desta carta ao Senhor Martins da Cruz, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Português.

Além disso, permito-me sublinhar que tal decisão não deixaria de ter um efeito muito importante junto das autoridades e instituições inglesas que, como sabe, continuam a ignorar o pedido, inteiramente legítimo e de há muito feito pela Grécia, no sentido de obter a restituição dos 253 mármores do Parténon de que Lord Elgin se apoderou em 1802 e que mais tarde revendeu ao Museu Britânico.  

Outras restituições de tesouros pilhados por exércitos de outros países em circunstâncias idênticas poderiam em seguida ter lugar, se a França tratasse de dar o exemplo. É por isso que estou certo de que V. Exa. não deixará de agir com grande rapidez, a fim de mostrar a outros povos, e nomeadamente à opinião pública da União Europeia, que a França junta o acto à palavra, não admitindo excepções culturais numa matéria em que estão em jogo a preservação da diversidade cultural e o respeito de direitos culturais fundamentais e imprescritíveis de qualquer país.

Tomarei a liberdade de dar conhecimento desta carta a todos os meus colegas do Parlamento Europeu, ao Senhor Director-geral da UNESCO e à imprensa portuguesa.

Peço-lhe creia, Senhor Ministro, na minha elevada consideração.

Bruxelas, 26 de Março de 2003.

Vasco Graça Moura

 

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por Augusta Clara às 17:00

Sábado, 28.06.14

Gaivota de Audouin (Larus audouinii) - Andreia Dias

 

Andreia Dias  Gaivota de Audouin (Larus audouinii) 

  

Esta simpática gaivota, foi considerada até há pouco tempo, a gaivota mais rara da Europa

     O sentimento perante um animal, muda a partir do momento em que o temos na mão… tive a sorte de colaborar na colocação de localizadores GPS em 60 gaivotas de Audouin, num projecto desenvolvido pela SEO/BirdLife, a Universidade de Barcelona e com apoio do Ministério do Ambiente Espanhol. Os investigadores pretendem estudar o comportamento das gaivotas durante a reprodução e conhecer a interacção com diferentes tipos de pesca bem como outras actividades humanas que possam representar uma ameaça para a espécie. Além disso, serão efectuados estudos de isótopos estáveis, que permitirão estudar a ecologia alimentar das aves marcadas.

 

Os animais foram capturados com armadilhas, colocaram-se GPS nas costas que recolhem dados durante cerca de 10 dias, altura em que se procede à recaptura dos animais para se removerem os aparelhos e recolherem os dados acumulados. Na altura da captura, são registadas biometrias (peso, altura do bico…), colocadas anilhas e recolhido sangue para análises.

Esta gaivota ostenta um característico bico vermelho cor de sangue e olhos escuros, contrastando com uma plumagem clara.

Distribui-se pela bacia do Mediterrâneo e em Portugal, pensa-se que iniciou as primeiras tentativas de nidificação no Algarve, entre 1998 e 2000. Provavelmente a colónia de nidificação portuguesa será uma expansão das colónias do Delta do Ebro.

A nível mundial, a população aumentou nos últimos 10 anos. É considerada “Quase-Ameaçada” a nível global.

Viaja usualmente ao longo da costa e prefere baías abrigadas. Encontra-se muitas vezes na foz de um curso de água. Alimenta-se em mares tranquilos e afastados da costa.

Alimenta-se de peixes, invertebrados, pequenas aves e alguns vegetais. Ocasionalmente come os excedentes atirados ao mar por barcos de pesca (by-catch).

O casal é monogâmico e ambos os progenitores cuidam das crias até que estas sejam independentes. São territoriais na zona de nidificação e instalam o ninho no chão.

As principais ameaças incluem a alteração, destruição e perturbação dos habitats de nidificação e a predação. Pode ainda ser alvo de pilhagem de ovos para colecção (por ser uma espécie rara) e pode ter problemas com artes de pesca.

Curiosidades: em Portugal estima-se a presença de cerca de 50 – 250 indivíduos. Durante a nidificação os casais descansam juntos. Fora desta época encontram-se em bandos.

 

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por Augusta Clara às 14:00

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