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Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
Adão Cruz
Adão Cruz A caverna luminosa do poeta
(Adão Cruz)
Quando entraste na luminosa caverna do poeta
Fugindo à chuva, ao vento, ao frio
Tudo me dizia que eras a mesma poesia
Que hoje ilumina as águas deste rio.
Tudo me diz que és tu a mesma poesia
Deste sol da tarde, sem chuva e sem frio
Nascida do ventre de uma vertigem
Revolvendo as águas calmas de outro rio.
Assim mo diz a luz incendiada dos teus olhos
E a tímida febre dos teus lábios quentes.
Nem sempre a poesia é metáfora e falso gesto
Nem sempre o poema é de versos impotentes.
Já não crescem em mim rebentos de sol
Nem me afligem conflitos de escura tristeza.
Por isso eu sei que o sol desta caverna
Não é brilho do poeta mas luz da tua beleza.
Adão Cruz Os meus sonhos
(Adão Cruz)
Repousa na almofada a minha cabeça cansada de tanto amar os peixes verdes que há nos olhos dos meus sonhos.
Repousa na almofada a minha cabeça cansada da luz dos corais incendiados nos olhos verdes dos meus sonhos.
Repousa na almofada a minha cabeça cansada do verde brilho do mar que há nos olhos incendiados dos meus sonhos.
Repousa na almofada a minha cabeça cansada do inquieto desalinho que a lua tece entre as algas e os sedentos olhos dos meus sonhos.
O amor não tem limites na utopia dos gestos simples dos meus sonhos.
Há muitas cores nos olhos d’água dos meus sonhos, mas eles acordam na última estrela da madrugada que se esfuma com o erguer do sol.
E a beleza perde-se entre o botão da primeira folha verde e a saudade dos meus sonhos.
E a cabeça cansada de acordar repousa na areia entre os lábios de mármore de uma noite de amor.
Carl Larsson
Adão Cruz Susana pescando com os quatro
Adão Cruz Os vampiros
(Adão Cruz)
A cidade está comida por enormes vampiros, varrida de poesia, flores e frutos e canções quentes dos filhos da cidade.
Ainda que os dentes sejam de cifrões, os vampiros matam com bombas, tiros e orações.
Já não regressam as manhãs na cidade exterminada, coberta pela nuvem de vampiros devoradores que tudo comem e não deixam nada.
A cidade dos pobres está comida por vampiros, vindos das cavernas podres da cidade civilizada, guiados por deuses e generais, benzidos por papas e cardeais que tudo comem e não deixam nada.
E os pobres arrastam a vida muito aquém da vida, onde um mar de nada definha o pensamento e um rio de cinza cobre a alegria de viver.
…
Eis que os pobres se dão conta de um futuro em liberdade, onde um mar de sonho e utopia restitui a vida ao pensamento e à razão.
Mas os vampiros conhecem bem os buracos da prisão e tudo fazem para os vedar com grades de fé e religião.
A cidade está comida por enormes vampiros vindos do céu e do inferno, devorando a mente e abandonando o corpo no deserto, como criança sem asas.
Adão Cruz Lágrima de sol
(Adão Cruz, 2017)
O sol vem sempre, vermelho e quente.
O sol não mente, queimando a sede e roendo a fome de tanta gente inocente e sem nome.
Também o sol vem sempre, pálido e frio.
O sol não mente, congelando a sede e empedrando a fome, ainda que a gente o não veja e pareça ausente.
E também o deserto, o deserto não mente, o deserto sempre aberto na alma desta gente, ainda que pareça certo o caminho em frente.
Vem sempre a dor na secura das carnes, a dor não mente, ainda que ao mundo pouco importe a dor que dói a tanta gente.
E também a dor da alma não mente o sofrimento no esbugalhar dos olhos, ainda que a mente enlouqueça e até se esqueça de que é alma de gente.
E morre a paz, a paz podre não mente, ainda que na vaga esperança da sorte não seja mais do que a paz da morte.
Adão Cruz Dentro do meu caderno
(Adão Cruz)
Dentro do meu caderno há uma pena branca de palavras e gestos cansados, de inocência a prazo ao longo do tempo.
Dentro do meu caderno há mensagens desamparadas como os dedos verdes das estrelas, ora inquietas no mar incerto, ora plácidas no mar sereno.
Sempre assim foi no meu caderno, criador de silêncios nos desertos de um poema.
A beleza embriagada de mel nasce dentro do meu caderno, sobre as águas de um mar de sol poente.
…
De tanto azul fiz um barco pintado de sonhos, e na cama infinda deste mar, perdi o respeito pelo silêncio do teu corpo.
Dentro do meu caderno cai a chuva no cristal do pensamento, embaciando nossos corpos e nossos mundos.
Dentro do meu caderno, para que servem vozes se não sabemos cantar?
Adão Cruz Lágrima de chuva
(Adão Cruz)
A chuva diz que vem mas não vem.
Como tu, a chuva mente.
Ofereceram-me o sol de Inverno nascido de um amor criança,
Inverno de pés frios no olhar tépido da tua ausência.
Mas eu não quis.
Neste dia pequenino e preguiçoso, preferi o eco da angústia e a carícia das árvores.
As árvores celebram o dia e acendem um fantasma de mulher presa a um guarda-chuva na alameda da ilusão.
Cai a noite, entardecem as pupilas, e a solidão dos sonhos abre a madrugada por entre os lábios quentes do desejo.
Um ramo seco preso aos pés alimenta o fogo da manhã vazia.
Adão Cruz Palestina
(Adão Cruz)
Não há sol nos céus da Palestina
não há luz nos olhos da Palestina.
Roubaram o sorriso à Palestina!
São de sangue as gotas de orvalho da madrugada
e o vento só é vento quando as balas assobiam.
Roubaram as manhãs à Palestina!
O céu de chumbo esmaga as almas e os ossos
e é de lágrimas a chuva quando cai.
Não há sol nos céus da Palestina!
Do ventre da lua cheia-cheia de aço e de amargura
nasce a cada hora
um menino com bombas à cintura.
Mataram a infância na Palestina!
Rasgam as mães os seios com arroubos de ternura
para alimentar a raiva
por cada filho que perdem outro nasce da sepultura.
Semearam a dor na Palestina!
Nas casas esventradas rompem por entre as pedras leitos de sofrimento
onde à noite se acoitam os amantes
queimando a dor na paixão de um momento.
Fizeram em pedaços o amor na Palestina!
Cada instante é uma vida na vida da Palestina
cada momento uma taça de vingança clandestina
cada gesto um vulcão de raiva que nem a morte amansa.
Roubaram a paz à Palestina!
Na sombra do dia ou na calada da noite
cravam os vampiros seus dentes de ferro no coração da Palestina
não há sangue que farte a fúria assassina.
Sangraram cobardemente a palestina!
Para atirar contra os tanques uma pedra
agiganta-se o ódio a cada bater do coração.
Por não haver sangue de tanto sangue vertido
outra força não há para erguer a mão…
e dar à Palestina algum sentido.
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Porto é melhor que Benfica, isto é uma prova clara
Magnífica verdade,"[...] que viver dos outros impl...
Obrigada! Texto maravilhoso a ler e reler! Desde p...
Muito interessante este texto do Raul Brandão. Que...
Desculpe, mas isto é demasiado grande para ser o c...