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Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
Adão Cruz O menino de brilho nos olhos
(Adão Cruz)
O menino corria
corria atrás do sol no correr de cada dia
e no doce brilho dos olhos toda a alma se lhe via.
O menino corria
corria atrás da lua que se erguia entre estrelas e magia
e no brilho dos olhos toda a alma luzia.
O menino corria
corria atrás do vento que fugia para lá do tempo
e nos olhos do menino o vento se perdia.
O menino corria
corria atrás da chuva
e quanto mais água caía
mais o brilho dos olhos se acendia.
O menino dormia
dormia no reino dos sonhos e da fantasia
e nos olhitos dormidos o brilho se escondia.
O menino acordava
acordava no alvor de cada dia
e a vida renascia no abrir dos olhos
onde a alma luzia.
Até que um dia…
Uma nuvem negra
muito negra
tombou do céu e se fez gigante
de longas barbas e olhar perfurante
com um relâmpago em cada mão.
Roubava o brilho dos olhos
e nas entranhas do trovão se desfazia.
O menino tremia
tremia sem saber o que acontecia.
O menino chorava
chorava sem saber a razão.
O menino fugia
fugia
mas algo lhe dizia que de nada valia.
Chamou as pombas rouxinóis e cotovias
sardões caracóis e libelinhas
enlaçou-se de gavinhas
abraçou as árvores beijou a terra
e tudo o que nele vivia.
Mas ninguém lhe respondia
todos o olhavam com tristeza e melancolia.
Perdera o menino o brilho dos olhos
porque neles a inocência morria.
Adão Cruz O segredo
(Adão Cruz)
O mais belo segredo da minha vida
Onde o horizonte foge contra o tempo
É só nosso e de mais ninguém
Onde as sombras negras desaparecem
Ele procura ver-me na janela dos teus olhos
E tenta falar-me no silêncio falso do desdém.
Mais além veste-se de negro
De sol enorme e de pão quente
Do eco de tudo à volta do teu ninho
De purpúreos reflexos de sol poente
Do vermelho de sangue em coração de gente.
Não consigo ver-te tão ausente
Sem calor no descampado que aqui mora
Sem o dilúvio do desejo permanente
Que adormece nos verdes rios do meu segredo
E acorda sempre ao romper da aurora.
Tudo me encaminha para os teus olhos
Quando te sentas à porta da minha idade
Nesta entrada iluminada de enganos e algemas
Mas o segredo que devora a vida
Presa entre as mãos abandonadas e serenas
Veste de mentira a beleza da verdade.
Como criança quase me obriga a pedir ao vento
Uma lufada de Primavera amor e sentimento
Mas as palavras fazem ninho
No mais doce recanto de um beijo de sofrimento
E adormecem de mansinho.
Vou embora…
São horas de saber se a vida vale a pena
No dobrar de avessos e gargalhadas
Junto ao rio que os dedos fazem e desfazem
Vou correr as margens no sentido da nascente
Sabendo que o rio me arrasta para o fim da tarde
Na implacável força da corrente.
Ainda bem que esta margem é clara e amena
E do outro lado é tudo escuro quase negro
Mas quando o fogo queima o pensamento e a razão
Até o segredo azul de um pálido coração
Escondido desde há muito no ventre dos pinheiros
Parece verde como o verde da ilusão.
Valdemar Cruz Ysrael, you have a problem
Expresso Curto, 20 de Julho de 2018
Ainda no mundo ecoavam os festejos do centenário do nascimento de Nelson Mandela, e já Israel concretizava no Parlamento – Knesset – a ameaça esboçada ao longo dos últimos tempos de aprovar a lei do Estado Nação do povo judeu, através da qual legaliza, de facto e de jure, um regime comparável ao “apartheid”, como afirmaram alguns deputados da oposição. Ao reservar em exclusivo para os judeus o direito à autodeterminação e ao estabelecer o hebreu como única língua oficial, Israel institucionaliza a discriminação em relação aos palestinianos, uma situação muito bem documentada, mesmo antes desta lei, pelo Departamento de Estado dos EUA e outras organizações independentes de âmbito internacional, como estruturas da ONU.
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O médico cardiologista Adão Cruz começou a pintar por volta da década de 80 e nunca mais parou. “Ainda tenho umas coisitas dessa época muito ingénuas”, relembrou o pintor e escritor durante a conversa com o labor na Galeria Zeller, em Espinho, onde tem patente a exposição “…como um dia de Primavera nos olhos de um prisioneiro”.
Adão Cruz teve três ateliers que deveriam ter sido o refúgio dele e das suas telas brancas e onde a sua arte não teria fim, mas apenas o quarto e último atelier perdurou até aos dias de hoje. E esse quarto atelier é precisamente junto ao seu quarto de dormir. Por muitas vezes “levantava-me e pintava até de madrugada” em momentos que considera ser “momentos de necessidade espontânea de exprimir o que está cá dentro”, confidenciou o pintor.
Sempre que começa uma nova obra até pode ter “umas ideias na cabeça, mas nada é predefinido. A minha pintura não tem nada de académico, nada de esquemas, é de um amadorismo total de um autodidata, é gestual, espontânea, muitas vezes grosseira, mas não estou preocupado com nada disso”, revelou Adão Cruz ao labor.
Para o médico, pintor e escritor, “qualquer obra de arte, seja um poema ou um quadro, qualquer artista ou qualquer pessoa introduz dentro da obra, quer de forma consciente, inconsciente ou subconsciente, toda a sua vida, cultura, ilusões e desilusões, alegrias e tristezas e a sua visão das coisas e do mundo” e “qualquer pessoa que vá ver a obra não a vai ver com os meus olhos e vivências, mas segundo a sua própria visão e vivências”.
A obra de arte é “um estímulo que vai despertar, às vezes, muita coisa que está hibernada dentro de nós. Muitas vezes nem sabemos até nem conhecemos muita coisa que está cá dentro”, considerou Adão Cruz.
O título desta exposição “…como um dia de Primavera nos olhos de um prisioneiro” “parece uma coisa sem sentido nenhum, mas não é”, responde o pintor à questão do labor.
“Nunca fiz nada na minha vida quer do ponto de vista da poesia, da arte e até do ponto de vista profissional que no fim me satisfizesse completamente. Agora transplantando para a poesia e para a arte nunca fiz uma obra em que chegasse ao fim e dissesse isto é o melhor que consegui fazer, cheguei sempre ao fim com uma desilusão”, explicou.
Nesta procura pela obra prima que começa sempre por ser cativante, continua incessante e acaba sempre por ser frustrante, algo que “não me parece ser só meu, mas parece que é comum à maior parte dos artistas”, sempre ficou com “a sensação de que estava sempre agarrado às grades de uma prisão a olhar para uma belíssima paisagem e da qual não podia usufruir. Sempre essa sensação”, confessou Adão Cruz ao labor.
O médico, pintor e escritor chegou a uma idade, 81 anos, em que “não me apetece fazer exposições”, assumiu ao nosso jornal.
A prova disso está nos dois convites que recebeu para realizar exposições individuais em Madrid e na Galiza, em dezembro do ano passado, e que declinou porque tem uma vida muito ativa e ocupada em grande parte pela família.
Esta exposição apenas foi feita devido à “picardia” de muitos amigos e por a Galeria Zeller ser uma espécie de família.
As centenas de obras de sua autoria estão expostas em sete países desde Portugal, Espanha, França, Berlim, Irlanda, Croácia, Suíça até ao Brasil.
Os refugiados, a inocência e a infância
Entre as cerca de 40 obras da exposição “…como um dia de Primavera nos olhos de um prisioneiro”, estão cinco quadros com três aspetos em comum. Um barco, pessoas e o mar. Num deles existe a uma grande distância uma cidade. O que nos levou a questionar se de alguma forma estariam ligados ao drama vivido por milhares de refugiados. E estávamos certos.
“Foram todos feitos de seguida exatamente numa altura em que o problema dos refugiados me estava a tocar muito. Está relacionado sem dúvida. Sou uma pessoa que penso muito e tenho necessidade de muitas vezes exprimir os meus pensamentos quer através da poesia, da literatura e da pintura”, assumiu Adão Cruz ao labor.
Um outro quadro que chamou a nossa atenção tem um menino a olhar para duas pombas brancas que “não é nada de especial”, mas é “um quadro que o meu filho Manuel Cruz (ex-vocalista dos Ornatos Violeta) gosta muito, é muito simples, é um momento de inocência”, indicou o artista. Outro fator que constatamos é que pelo menos três obras têm casas isoladas com árvores e vegetação. Essas obras têm “uma ligação à parte rural. Eu cresci e vivi numa aldeia (em Vale de Cambra). A única verdadeira saudade que tenho é da minha infância passada em contacto com os animais e a natureza e do luar e das estrelas no campo. Eu vivi ligado a tudo que era a natureza”, admitiu Adão Cruz, confirmando, assim, a influência da sua infância nos seus quadros e que inclusive teve pessoas que o chamaram à atenção sobre isso.
Todas as obras são em acrílico porque é “muito mais fácil em termos técnicos” do que o óleo que chegou a usar, explicou o pintor que usa “uma técnica mista tanto com pincéis, farrapos, esponjas, mãos e tudo que tiver à mão para dar efeito”.
Neste momento, não está a trabalhar em nenhum quadro novo. “Tenho uma tela preparada para começar quando esta exposição acabar”, adiantou Adão Cruz ao labor.
A exposição “…como um dia de Primavera nos olhos de um prisioneiro” de Adão Cruz pode ser visitada até ao dia 30 de julho na Galeria Zeller em Espinho.
Próximo livro poderá ser publicado em 2019
Até ao momento, o médico já publicou 12 livros de pintura, poesia e contos. “Tenho um livro de poemas, uns 30, que ainda não foram publicados. Vamos ver se é lá para o princípio do ano”, contou Adão Cruz.
Continua a dar consultas em S. João da Madeira
O médico cardiologista continua a dar consultas, duas vezes por semana, às terças e às quintas-feiras, no seu consultório em S. João da Madeira.
Além disso, marca sempre presença todas as terças-feiras, às oito da manhã, na reunião de serviço de cardiologia de intervenção de Gaia.
O médico cardiologista continua a ter um número considerável de doentes. “Alguns deles são muito antigos e outros, ao contrário daquilo que pensava, são doentes de primeiras consultas” o que estará relacionado com o facto de a saúde estar “muito mal. As pessoas são tão mal atendidas e as pessoas procuram mais do que o ato médico em si. Elas procuram um bocado de conforto, carinho e a explicação daquilo que têm porque qualquer doente percebe desde que seja usada uma linguagem simples”, constatou Adão Cruz.
O que sobra do seu tempo e tem que ser muito é absorvido pela família. “Dá-me um gozo muito grande dedicar-me à família”, concluiu Adão Cruz ao labor.
"O vento foi um pássaro e fugiu para fora de si mesmo quando os homens o quiseram capturar. Deixou de ter corpo, fez ninho nas nuvens e viaja com elas para pousar quando se cansa. É por isso que o vento canta." - MIA COUTO, O Bebedor de Horizontes.
(Justyna Kopania)
Adão Cruz Venho de um jardim distante
(Adão Cruz)
Venho de um jardim distante florido de memórias
ou de um sonho qualquer
entre risos e lágrimas caindo de um céu de chumbo
ou de um céu de magnólias.
Venho do seio do orvalho da madrugada
num punhado de vida libertada
em qualquer rumor de passos
brincando nos telhados acesos pela luz do dia.
Venho de um jardim distante
onde grinaldas de flores abrilhantam a festa do azul dos tempos
no incêndio do crepúsculo ou no ardor da manhã
do meu berço de mistério e universo.
Venho das esquinas do tempo
em recordações avulsas ao sabor das pontes da vida
cavalgando o vento que assobia nas ruas estreitas
ou mordendo as pedras com punhais de silêncio.
De onde venho ninguém sabe.
Venho talvez da intimidade salgada do mar
ou de um jardim distante com um rio de passos e palavras
e pedaços de sol num rosário de pérolas
abrindo a neblina do nascer da vida.
Venho… quem sabe…
da nudez adormecida no silêncio do tempo
destinado à simplicidade da morte
pelo sinuoso caminho das recordações perdidas
no chão fundo das angústias ou nos retalhos da esperança.
Venho talvez das sombrias entranhas
prenhes de fulvos e ilusórios tesouros
que emergem do fundo do mar
sublimados de cor e luz
à superfície traiçoeira das águas bordadas de espuma.
Ou então…
Ou então serei filho de um mundo sem resposta
sujeito a ventos e marés que enrugam o latejar das veias
e quebram o voo das artérias com lugar no corpo
rompendo o fluir da vida no interior do sonho.
Não.
Eu não venho de lugar algum fora da mente
nem trago comigo a erva daninha.
Eu venho de um jardim distante entre o sonho e a razão
onde o pensamento se agiganta contra as trevas da ilusão.
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Porto é melhor que Benfica, isto é uma prova clara
Magnífica verdade,"[...] que viver dos outros impl...
Obrigada! Texto maravilhoso a ler e reler! Desde p...
Muito interessante este texto do Raul Brandão. Que...
Desculpe, mas isto é demasiado grande para ser o c...