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Jardim das Delícias



Sábado, 29.02.20

In limine - Adão Cruz

a noite fez-se para amar 1a.jpg

 

Adão Cruz  In limine

IMG_5883a.jpg

 

(Adão Cruz)

 

Pelos caminhos de prantos e sorrisos
dentro de um tempo farto de horas sem minutos
a vida vai colhendo flores que murcham
por não serem simples flores ou flores simples
sem exigências de estufa ou jardim
flores de terra húmida
céu por cima e sol de permeio.
Em tudo o que me é vida
interfere a vergonha de ser adulto.
Descortino as janelas
que me disseram haver dentro dos homens
e só vejo muralhas.
Nada de crianças.
Os homens comeram as crianças
os homens comeram-se crianças
os homens pariram-se adultos.
Os pongídeos chegaram a homens.
Quinze milhões de anos
para o homem ser bicho…!
Bicho erecto
rastejo de púrpura.
Eu nasci na erva e dormi no feno
e acordei com a voz dos melros e rouxinóis
e saltitei com os pardais
vesti-me de sol e despi-me de luar
estreei o mundo no abraço das árvores e no beijo dos rios.
Meus olhos dormidos casavam a noite e o dia
no mesmo silêncio de sonho-menino.
A vida viveu em mim
crescendo todos os tamanhos
e medindo todos os céus.
Também eu fui criança
e matei em mim a criança que procuro
ao pensar que eram de amor
as mãos que a mataram.
Passei a vida a correr tropeçando nas sombras
arrumei ao canto da luz mil horas vazias
sangradas a curricular futuros
para ser gente na praça dos homens.
Pisei os passos pequeninos nos avessos da verdade
e palmilhei léguas vagarosas a tossir poeira.
Vestido de ausências
fui renascendo de amor pela vida fora
nos infinitos da fantasia
que outros foram matando lentamente
com fruído prazer.

 

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por Augusta Clara às 22:06

Quinta-feira, 27.02.20

Todos somos feitos de cordas - Adão Cruz

ao cair da tarde 5b.jpg

Adão Cruz  Todos somos feitos de cordas

cordas1.jpg

 

(Adão Cruz)

 

Todos somos feitos de cordas
qual cérebro qual coração!
Cordas de violino
cordas de guitarra
cordas de enforcar
cordas daquelas que amarram cruelmente os barcos ao cais
e os fazem soluçar.
Já viram coisa mais triste do que os barcos a soluçar
presos às argolas do cais?
Felizes os que têm por amarra
as cordas de um violino
ou as cordas de uma guitarra.
Lá para os lados da evasão
no caminho de Santiago
em dias de vibração
uma floresta de cordas
uma floresta de sons
explode em fogo de artifício
nos dedos de Uriarte
e as cordas que nos prendem
por mais duras que sejam
tocam sempre uma canção.

 

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por Augusta Clara às 17:54

Segunda-feira, 17.02.20

Tu vens - Adão Cruz

ao cair da tarde 5b.jpg

 

Adão Cruz  Tu vens

florbela1.png

(Adão Cruz)

 

Tu vens
eu acredito que vens
neste céu de cabelos soltos e seios ao vento
nesta fome de corpo e pensamento.
Tu vens
eu sei que vens
é hora de vires
nesta vespertina voragem de felicidade
neste céu da cor da angústia.
Tu vens construir a Primavera
em teu vestido branco de espuma
dominar meu indómito cabelo
com jogos simples dos teus dedos.
Eu quero acreditar que tu vens
pegar docemente nas minhas mãos cegas
e delas fazer uma flor de acácia
com que amacias os lábios
e abres o cofre dos teus seios de fogo.
Tu vens
eu sei
por isso sou feliz no meu silêncio

 

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por Augusta Clara às 16:18

Quinta-feira, 13.02.20

No coração da manhã - Adão Cruz

ao cair da tarde 5b.jpg

 

Adão Cruz  No coração da manhã

QA 2a.jpg

(Adão Cruz)

 

Abro a janela de par em par
para entrar o rio
e o cio do amanhecer.
O sol desnuda as telas
e as cores que fizeram a noite
mergulham no frio
das águas fundas do rio.
Pelos tectos de penumbra
das vidas que vivem na sombra
às escondidas da madrugada
voam pedaços de nevoeiro
e gaivotas bailando.
Sobem no ar gemidos e dores
Vapores, desejos e cores
das gargantas secas da noite acabada.
Retomo os pincéis
e a tortura das tintas sem cor
e a dor de não conceber a textura
onde pintei o amor.
Nada mais quero além do sol e do rio
e a fecunda sensação de não ter frio.

 

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por Augusta Clara às 17:00

Segunda-feira, 03.02.20

Daqui te escrevo - Adão Cruz

ao cair da tarde 5b.jpg

 

Adão Cruz  Daqui te escrevo

daqui te escrevo1.jpg

 

(Adão Cruz)

 

Daqui te escrevo
onde o mar não existe
onde as mãos do silêncio
não tardam a entrar
no silêncio da tarde.
Daqui te escrevo
nesta tarde de silêncio
onde a memória da tarde
arde em silêncio
no mar das tuas mãos.
Daqui te escrevo
onde o deserto é imenso
e a sede do mar cresce em silêncio
no silêncio da tarde.
Daqui te escrevo
onde o mar não existe
e o deserto é imenso.
Daqui te escrevo
desta tarde sem fim
onde arde a cidade sem mar.
e o deserto sem cidade.
Daqui te escrevo
onde arde em silêncio
na tarde das tuas mãos
todo o silêncio da tarde.

 

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por Augusta Clara às 18:58

Segunda-feira, 03.02.20

RAFAL OLBINSKI (Polónia, 1943-)

a noite fez-se para amar 1a.jpg

 

Iris

 

rafal olbinski1.jpg

 

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por Augusta Clara às 03:17



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