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Jardim das Delícias



Terça-feira, 26.07.22

Se eu fosse um avião - Adão Cruz

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Adão Cruz  Se eu fosse um avião 

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(Adão Cruz)

 

Se eu fosse um avião
com um motor em cada mão
voava…
não sei para onde
mas voava à procura da ilusão.
Se eu fosse um avião
com um sonho em cada mão
voava…
não sei para onde
mas voava para fora da ilusão.
Ai…se eu fosse um avião
com um copo em cada mão
voava…voava…
não sei para onde
mas sempre rentinho ao chão.

 

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por Augusta Clara às 14:51

Domingo, 24.07.22

Adriano, um canto em forma de Abril - Adão Cruz

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Adão Cruz  Adriano, um canto em forma de Abril

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   Foi apresentado ontem, 21 de Julho, no bonito espaço que é o Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, em Gaia, o livro comemorativo dos oitenta anos que faria Adriano Correia de Oliveira, se a morte não tivesse entrado tão cedo na sua vida. É um livro muito bonito, com a concepção gráfica de Ana Biscaia e uma bela capa de Siza Vieira. Trata-se de um livro de evocação do Adriano, com produção do Centro Adriano e da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto e faz parte de um grande número de iniciativas da Comissão Promotora, com o apoio de quase trezentas e cinquenta personalidades. Entre textos em prosa e poesia, o livro tem a mão de oitenta autores. Ilustram-no também vinte e seis fotografias cedidas por diversas pessoas que não esquecem Adriano.
A sala estava repleta. Um dos membros da Comissão apresentou os elementos da mesa: o amigo Jorge Sarabando que fez a apresentação do livro, a Senhora Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Gaia, o amigo Arnaldo Trindade que toda a gente conhece, fundador do Orfeu e grande promotor e divulgador das maravilhosas vozes da época, como Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco e outros, e o Director da Torre do Tombo que nos disse, entre muitas coisas, que os ficheiros da Pide contêm cinco milhões de fichas referentes a cidadãos vigiados e perseguidos.
Finda a apresentação, intervieram, com curtos depoimentos, alguns amigos de Adriano. Não esperava eu que me solicitassem para ler um pequeno poema que tenho no livro e que abaixo transcrevo, o que muito me honrou. Já agora gostaria de dizer que minha irmã Eva também se encontra no livro com um belo texto em prosa. Ela foi contemporânea e vizinha de Adriano nos tempos de Coimbra, tendo sido presenteada, na altura, com uma serenata em que interveio a magnífica voz de Adriano.
Um amigo e grande admirador de Adriano pegou na guitarra e encheu a sala com algumas das mais belas canções de Adriano Correia de Oliveira. Não podia haver melhor forma de terminar a sessão.
 
Nota: Este poema foi construido com versos meus e alguns títulos de canções do Adriano.
 
PARA O ADRIANO
 
E de súbito um sino
um cravo vermelho
Raiz de vida no céu de chumbo
aberto em dia limpo e perfumado.
E a carne se fez verbo
Por aquele caminho da esperança
às portas da cidade
E o bosque se fez barco
por aquele mar de sonho
na Trova do vento que passa.
Todo o mel escorria por entre As mãos
e todos os frutos do Regresso
eram versos de Uma canção sem Lágrimas
na Canção da nossa tristeza.
Graças a ti cravo vermelho
que venceste a solidão
veio o tempo ao nosso encontro
e a manhã abriu o coração
na Fala do homem nascido.
O sol perguntou à lua
quando A noite dos poetas se fez de estrelas
que desceram aos cantos do jardim
se eram cravos vermelhos
ou a Canção tão simples
da tua voz sempre divina
numa Cantiga de amigo.
O mundo tinha o sabor a maçã
não havia cárceres nem torturas
apenas o calor de uma fogueira
na praça do entusiasmo.
Os olhos de todos nós
eram cravos vermelhos
dormindo um sono de criança
entre As mãos da revolução.
Como hei-de amar serenamente
esta voz de Roseira brava
e os cabelos trigueiros desta seara
dourada pelo sol e pela lua
a Cantar para um pastor
a canção de Abril que encheu a rua.

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por Augusta Clara às 22:32

Terça-feira, 19.07.22

Em legítima defesa - Ruy Belo

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Ruy Belo  Em legítima defesa

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(Adão Cruz)

Sei hoje que ninguém antes de ti
morreu profundamente para mim
Aos outros foi possível ocultá-los
na sua irredutível posição horizontal
sob a capa da terra maternal
Choramo-los imóveis e voltamos
à nossa irrequieta condição de vivos
Arrumamos os mortos e ungimo-los
são uma instituição que respeitamos
e às vezes lembramos celebramos
nos fatos que envergamos de propósito
nas lágrimas nos gestos nas gravatas
com flores e nas datas num horário
que apenas os mate o estritamente necessário
Mas decerto de acordo com um prévio plano
tu não só me mataste como destruíste
as ruas os lugares onde cruzámos
os nossos olhos feitos para ver
não tanto as coisas como o nosso próprio ser
A cidade é a mesma e no entanto
há portas que não posso atravessar
sítios que me seria doloroso outra vez visitar
onde mais viva que antes tenho medo de encontrar-te
Morreste mais que todos os meus mortos
pois esses arrumei-os festejei-os
enquanto a ti preciso de matar-te
dentro do coração continuamente
pois prossegues de pé sobre este solo
onde um por um persigo os meus fantasmas
e tu és o maior de todos eles
Não suporto que nada haja mudado
que nem sequer o mais elementar dos rituais
pelo menos marcasse em tua vida o antes e o depois
forma rudimentar de morte e afinal morte
que por não teres morrido muito mais tenhas morrido
Se todos os demais morreram de uma morte de que vivo
tu matas-me não só rua por rua
nalguma qualquer esquina a qualquer hora
como coisa por coisa dessas coisas que subsistem
vivas mais que na vida vivas na imaginação
onde só afinal as coisas são
Ninguém morreu assim como morreste
pois se houvesses morrido tudo estava resolvido
Os outros estão mortos porque o estão
só tu morreste tanto que não tens ressurreição
pois vives tanto em mim como em qualquer lugar
onde antes te encontrava e te posso encontrar
e ver-te vir como quem voa ao caminhar
Todos eram mortais e tu morreste e vives sempre mais

 

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por Augusta Clara às 16:35

Sexta-feira, 15.07.22

Ontem à noite…quem diria - Adão Cruz

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Adão Cruz  Ontem à noite…quem diria

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(Manel Cruz)

A poesia era o espaço entre a inocência e o dia
uma espécie de alforria
redimindo à boca da sorte
o silêncio de mil noites.
Vago sentimento de uma consciência acordada
pelo gemido do vento
poesia real fundida e refundida
sensual e nua.
A vítima que há dentro de nós
procura sempre o amor
na densidade dos processos
na empatia do sofrimento.
Nada mais relativo-magnético do que o sofrimento
movimento de tudo
senhor do silêncio vivo que arde dentro do poeta.
A poesia distorce a relação com a vida
e abraça o sonho parasita do amor verdadeiro
e cada um tem dos restos de si próprio
a elegante ideia de uma identidade interior.
A poesia é assim…ontem à noite... quem diria.

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por Augusta Clara às 19:22

Quinta-feira, 07.07.22

Já não entendo este mundo - Adão Cruz

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Adão Cruz  Já não entendo este mundo
 

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(Adão Cruz)
 
 
Não entendo este mundo moribundo
este mundo escuro nascido sem sol e sem luar
já não entendo esta onda de sismos e cifrões
esta dor de milhões de cabeças rolando como esferas
para o fundo dos abismos.
Não entendo este mundo dilacerado e sem vida
já não aguento este frio de quatro paredes
este jogo do cemitério da história
este profundo alarido
este diabólico mistério de morte concebido
esta vida sem sentido a que chama mercado e democracia
a argentária escória.
Não entendo este mundo de olhos vendados com barras de ferro
este silêncio absorto e abstracto
no assalto impune a soberanas nações
este mundo de vidas e almas sem direitos nem justiça
este mar de sangue escorrendo pelas garras dos algozes
este rasgar de corações
este martírio dolorosamente tatuado na pele dos inocentes
por tanques e aviões por mísseis e canhões.
Já não entendo as metástases deste cancro da guerra
este perigo sistémico diariamente arquitectado
esta inelutável evolução para a desordem suprema.
Já não sou capaz de aguentar
o peso do crime chamado superlucro
brilhando como a luz do inferno na ponta dos punhais.
Já não entendo este mundo apodrecido
na secura do grande rio da esperança.
Não entendo este mundo escorraçado para as bocas da fome
pela infame corrida a um podium inglório
por entre as malhas da ganância enlouquecida
neste imparável caminho do caos e da fatalidade
na ensanguentada bandeira erguida para o nada
no constante apunhalar da liberdade.

 

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por Augusta Clara às 22:18



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