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Jardim das Delícias



Quarta-feira, 29.01.14

As praxes e a tradição - Carlos Esperança

 

Carlos Esperança  As praxes e a tradição

 

 

   As associações de estudantes estão contra o fim das praxes, tal como os carteiristas, se lhes dessem guarida mediática, estariam contra a proibição de assaltos. Foram precisas várias mortes, no que pareceu ser um ritual iniciático de acesso ao sinédrio das praxes, para que a opinião pública e a comunicação social lhes dessem a merecida atenção e a inexorável reprovação.

As autoridades académicas e policiais devem estar à altura da tragédia que matou jovens na praia do Meco. Só a dimensão foi maior do que acontece anualmente e mais débil a cumplicidade que afastou do espaço mediático graves incidentes de outros anos.  

Em primeiro lugar ninguém pode ser juiz em causa própria. As praxes não podem ser uma reminiscência do foro académico que, por razões de classe, tornava inimputáveis os estudantes. Não podem eximir-se ao escrutínio da opinião pública, à ação da polícia e ao veredito dos tribunais.

Quem viu as cenas da RTP, filmadas com autorização de vítimas e algozes, em cenas de uma degradação e baixeza moral, que indignariam o mais boçal dos marginais, não pode remeter-se ao silêncio e pactuar com a manutenção de tradições de refinada degradação ética, cívica e social.

Não foi por acaso que o salazarismo acolheu as praxes. Eram escolas de quadros servis que exoneravam a honra e promoviam a obediência. Depois do 25 de Abril, quando os ideais galvanizaram a juventude, pareciam condenadas ao sumiço como um arcaísmo deprimente. Ressurgiram com o regresso da velha direita ao poder e agravaram-se com a entrega do ensino superior à especulação comercial.

O mais alto dirigente académico, da mais antiga universidade portuguesa, presidente da direção-geral da Associação Académica «acredita que deve haver regulação para não haver abusos» e nem sequer admite a eventual extinção.  Pelo contrário, acha «difícil impor limites a uma coisa que já tem séculos de tradição». É destas cabeças que saem os futuros governantes, que não desmerecerão os atuais.

Uma tradição pode ser boa ou má mas, justificar o que quer que seja com a tradição não é de um universitário, é de um mentecapto. É de quem não sabe e jamais pensou que a escravatura, a pena de morte, a tortura e todas as ignomínias já foram e continuam a ser uma tradição que urge erradicar.

Eles não sabem nem sonham que, cada vez que alguém se deixa aviltar, planta em si os germes que hão de florescer em futuras humilhações, com que se vingam.

 

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por Augusta Clara às 11:00




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