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Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
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José Goulão Eleições europeias
Para que servem umas eleições europeias? Para eleger um Parlamento Europeu.
Para que serve um Parlamento Europeu? Para fazer de conta que existe uma Europa onde os cidadãos contam para alguma coisa, a tal mentira cada vez mais ridícula e insultuosa de que procuramos uma “Europa dos cidadãos” – o devir colectivo de trazer os céus à terra.
Apesar de mudanças no sentido de imiscuir alguma representatividade democrática no fundo do túnel muito escuro da autocracia mercantil e da arbitrariedade bancária, o Parlamento Europeu pouco parlamenta. Não elege os cargos executivos da União Europeia – limita-se a poder recomendar uma tendência na escolha do presidente da Comissão Europeia. Não pode dar forma final a leis: têm sempre de passar pelo crivo censório e mercantil da Comissão e do Conselho. No máximo pode bloquear algumas malfeitorias dos órgãos executivos e não eleitos da União, os quais podem sempre voltar à carga com uma versão mais ou menos mitigada da agressão original. O Parlamento Europeu não decide, recomenda; não demite, adverte; não bloqueia, adia.
Deitados e contados os votos virão os dirigentes cantar a ladainha do costume de que a abstenção infectou os resultados, os eleitores preferem praia – se estiver sol – ou ficar em casa – se chover – ou futebol – se o houver – ou o cinema, ou outro pretexto qualquer, incapazes de tocar na razão autêntica: mais de metade dos cidadãos estão-se nas tintas para as eleições europeias e muitos dos que vão às urnas fazem-no na esperança de travar a avalancha de castigos que diariamente chega de Bruxelas através dos seus agentes locais ou dos enviados em doses de troikas. Como se não bastasse, muitos dos que votam insistem em mandar para o Parlamento Europeu versões ligeiramente coloridas da mesma negritude que se limita a assinar as ordens dos mercados financeiros.
O cenário em que actua a União Europeia não é obra de improviso ou acaso. Os cidadãos estão longe e alheados porque isso convém a quem manda. A indiferença é uma variante de docilidade; o desinteresse é outra forma da sensação de impotência perante a força do poder instalado; a passagem amorfa e conformada das horas de cada dia é a novela real no meio das outras, tudo servido com a anestesia da propaganda mainstream.
É claro que os cidadãos têm a culpa, mas não do que os culpam os senhores. Têm a culpa de não se revoltar, de não dizer que para ter esta Europa mais vale nenhuma, de não dizer que tanto valem os dirigentes que estão como os que vão a caminho com o selo de garantia de “oposição oficial”, de não dizer que para ter o modernaço marco travestido de euro mais valem os pobres e antiquados escudos, pesetas, francos, florins, coroas, patacos, o que seja.
A União Europeia que existe – e não vamos sequer discutir o modo como foi parida – é uma tenebrosa estrutura de poder autoritário, uma monstruosa distorção da democracia – mas servida com tal requinte de malvadez que nem coube no imaginário de Orwell.
É contra isto que temos de votar. Com a consciência absoluta de que só isso não chega.
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