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Jardim das Delícias



Segunda-feira, 18.07.16

Será possivel julgá-los? - Isabel do Carmo

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Público, 18 de Julho de 2016

 

   Suspeita-se, com fortes indícios, que os grandes decisores da invasão do Iraque em 2003 mentiram voluntariamente, provocando centenas de milhares de mortes. Sendo este um crime contra a humanidade, pode haver alguma esperança de que sejam julgados e eventualmente condenados? Ou vamos acreditar de vez que os caminhos da justiça política e social têm mesmo que ser percorridos fora da ordem estabelecida?

A 16 de Março de 2003 Tony Blair, José Maria Aznar, George Bush e o anfitrião Durão Barroso reuniam-se em território nacional português, a Base das Lajes, para dar uma “última oportunidade” ao Iraque. Recordamo-los na fotografia oficial, os quatro sorridentes e bem-dispostos. O crime estava decidido. Quatro dias depois as tropas dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Polónia e da Austrália invadiam o Iraque, seguidas de soldados de mais 36 países para solidificar a ocupação. É altura de lembrar, porque a memória é curta ou trapalhona, que as Forças Armadas portuguesas nunca estiveram incluídas nem na invasão, nem na ocupação do Iraque, porque, sendo Jorge Sampaio, como Presidente da República, chefe das Forças Armadas, opôs-se à sua utilização para esse fim. Há sempre formas de dizer não, mesmo nos mais estritos formalismo e legalidade. Só a GNR foi, porque não dependia da presidência.

O que seguiu é uma tragédia, cuja amplitude se tem de avaliar em função das suas consequências. Morreram centenas de milhares de iraquianos, morreram pelo menos mil soldados invasores. E sobretudo desencadeou-se uma catadupa de guerras no Médio Oriente, uma situação de conflito permanente no Iraque e o nascimento da organização de assassinos do autoproclamado Estado Islâmico, com território próprio, criado exactamente a partir de território do Iraque. Centenas de milhares de mortos, milhões de deslocados. Em nome de uma mentira. Em nome de um álibi, cujo enredo estamos longe de conhecer — parece haver provas de que o plano para a invasão já existia antes do 11 de Setembro. Em nome do petróleo, claro, e de acordo com os aliados locais.

A mentira foi desde logo desmontada em vários focos informativos de contracorrente. Mas é agora formalmente denunciada no Reino Unido no Relatório Chilcot.

Tony Blair aceita a acusação, mas desculpa-se dizendo que foi para bem do Iraque. Quanto aos outros personagens ainda não se pronunciaram. Tony Blair criou a sua terceira via do socialismo, atraiçoando toda a história trabalhista da Grã-Bretanha e enfiando uma grande parte dos partidos socialistas europeus no caminho colaboracionista do domínio financeiro. Veja-se o comportamento da maior parte dos ministros das Finanças socialistas, que são a maioria do Ecofin e que obedecem reverentes à ditadura de Schäuble, o infame. Tony Blair enriquece com a sua actual fundação mercantil. É boa altura para revermos o filme O Escritor Fantasma de 2010 de Polansky, sobre “um ex-ministro britânico”, quase explicitamente retratando Blair e traçando-lhe compromissos políticos ocultos que nos dizem muito sobre o seu comportamento na cena internacional. Durão Barroso é o retrato da sua promoção, que vai directamente de presidente da Comissão Europeia e adepto da Alemanha e das indignas sanções a Portugal para o topo do gangsterismo financeiro, o Goldman-Sachs. Todos eles se desculparão. Lembrando uma série francesa recente do segundo canal, Uma Aldeia Francesa, que descrevia a ocupação e a resistência na II Guerra Mundial, o chefe local das SS, depois de torturar barbaramente e de matar, dizia para a amante: “C’est la guerre, Hortense.” Estes dirão com um sorriso: “C’est la politique, chérie.”

Ora o julgamento era possível. Paulo Portas afirmou taxativamente que viu as provas das armas de destruição maciça. Poderá explicar o que viu, como viu, quem lhe mostrou. Todos eles poderão explicar-se. Mas parece que a ordem estabelecida não o permitirá. Blair irá ao tribunal de Haia?

Fica-nos a sensação de beco sem saída. Em 2003 fomos milhões os que se manifestaram nas ruas das cidades portuguesas e de outras cidades do mundo. Convocados sem os apelos dos partidos e com as palavras de ordem e os cartazes que escolhemos. Por mim escolhi o grupo que mostrava uma grande ampliação do Grito do Munch. E como vivemos em democracias, eles toleraram-nos. Deixá-los manifestar-se. Assim descarregam a sua raiva...

De que é que serve a nossa razão moral, anos depois de centenas de milhares de mortos?

Pode ser que um dia aconteça como no Campeonato Europeu de Futebol e que actores políticos improváveis, vindos de baixo, demonstrem, como diz o nosso humorista, que as “criadas” podem vencer as patroas.

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por Augusta Clara às 15:00


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