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Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
Adão Cruz O nosso segredo
(Adão Cruz)
O mais belo segredo da minha vida
onde o horizonte foge contra o tempo
é só nosso e de mais ninguém.
Onde as sombras negras desaparecem
ele procura ver-me na janela dos teus olhos
e tenta falar-me no silêncio do desdém.
Mais além veste-se de negro
de alma enorme e de pão quente
do eco de tudo à volta do teu ninho
de purpúreos reflexos de sol poente
de vermelho sangue em coração de gente.
Não consigo ver-te assim ausente
sem calor no deserto que aqui mora
sem o dilúvio do desejo permanente
que enche os verdes rios do meu segredo
e adormece sempre nos alvores da aurora.
Tudo me encaminha para os teus braços
quando te sentas à porta da minha idade
nesta entrada de enganos e algemas.
Mas o segredo que encarna a vida
presa nas mãos livres e serenas
veste de beleza a mentira da verdade.
Quase me obriga a pedir ao vento
uma lufada de Primavera e sentimento
mas as palavras fazem ninho
no mais doce recanto do sofrimento
e adormecem de mansinho.
Vou embora…
são horas de saber se a vida vale a pena
no dobrar dos avessos e fantasias.
Junto ao rio que os sentidos fazem e desfazem
vou correr para o lado da nascente
sabendo que o rio me arrasta para o fim da tarde
na implacável força da corrente.
Ainda bem que esta margem é clara e amena
e do outro lado é tudo escuro quase negro
mas quando o fogo queima o pensamento
até o segredo azul de um pálido coração
escondido no ventre dos pinheiros
parece verde como o verde da ilusão.
Ensaio de Amália Rodigues e Alain Oulman sobre o poema "Soledad" de Cecília Meireles
NORAH JONES - Somewhere over the rainbow
Miniatura persa
Wislawa Szymborska Discurso na secção de perdidos e achados
(fotografia de Carlos R.)
Perdi umas quantas deusas a caminho do sul para o norte
E muitos deuses a caminho do oriente para o ocidente.
Apagaram-se-me de vez algumas estrelas, abre-se-lhes o céu!
Afundaram-se-me uma ilha, outra ilha.
Nem sei bem onde deixei as minhas garras,
quem veste o meu pêlo, quem mora na minha carapaça.
Morreram-me os irmãos quando rastejava da água para a terra
e só um ossinho festeja em mim o aniversário.
Pulava para fora da pele, não poupava vértebras nem pernas,
inúmeras vezes perdia os sentidos
Há muito fechei a tudo isto o terceiro olho,
abri disso barbatana, encolhi os galhos.
Sumiu-se, perdeu-se, o vento levou.
Eu própria me admiro, quão pouco de mim restou:
do género por enquanto humano, pessoa singular
que ontem no eléctrico um guarda-chuva deixou ficar.
(tradução do polaco de ELZBIETA MILEWSKA e SÉRGIO DAS NEVES)
Adão Cruz Ao redor do nevoeiro
(Adão Cruz)
Hoje sou eu que vou ao teu encontro
por dentro deste nevoeiro denso que tudo esconde.
Não sei onde estás nem sinto os teus cabelos de incenso.
Sei que moras para lá do tempo entre dálias e gerânios
entre memórias e sonhos de um segredo...
mas o coração diz-me para seguir em frente e não ter medo.
Sem saber ao certo quem sou levo comigo a razão
único caminho que rasga o nevoeiro e rompe as algemas
e me deixa ver a luminosa transparência do teu corpo
para lá das algas e dos peixes verdes dos poemas.
Tu estás do outro lado de um beijo
e eu quero abraçar-te pela cintura
neste apagado incêndio dos sentidos
ainda que seja demasiado tarde
para a verde ternura de um desejo.
Hoje sou eu que vou ao teu encontro
em meu corpo de terra antiga que já não seduz.
Vou dar um passo em falso no nevoeiro
para lá dos olhos sem luz.
Assim o decidi ao ver-te perdida
na altura em que o nevoeiro sem sentido
caía pesadamente sobre a rua.
Mas não eras tu…
era uma chama de lábios e lume
ardendo em estranho leito nupcial
de um qualquer tempo já perdido.
Foi então
que no ventre do nevoeiro inventei a noite entre lençóis de neve
mordidos de uma luz oblíqua que não era minha nem tua
e se perdia na pele branca de um qualquer corpo que eu não sentia.
Era como se um rio cantasse
entre a lua as águas e o nada…
e fosse demasiado tarde
para ser música no violino da madrugada
Maria Helena Vieira da Silva
PAUL GAUGUIN
Diana Krall Boulevard of broken dreams
Emiliano Cavalcanti
(Samba)
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