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Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
Falhou um golpe, triunfa outro.
Imagine-se a leitora ou o leitor, por um instante, a ler estas notícias: “Venceu um golpe de Estado na Turquia, foram demitidos quase três mil juízes, fechados os jornais de oposição e presos dirigentes dos partidos parlamentares que se opõem ao Chefe”. Que diriam as chancelarias? Enviariam notas soturnas de preocupação. Foram presos os dois juízes do Tribunal Constitucional que libertaram jornalistas que tinham investigado uma venda de armas turcas na Síria, ou seja, um apoio ao Estado Islâmico? Mais uma nota de surpresa e de indignação. Seria isso que aconteceria se fossem estas as notícias.
Só que são mesmo estas as notícias. Erdogan, depois do golpe militar falhado, decidiu desencadear todas as medidas possíveis para destruir a contestação social e os protestos democráticos. Nada o limita agora, e as autoridades europeias, sabendo-o, põem-se ao seu lado, pelo silêncio mais do que pela anuência.
Sonhando recompor o império otomano em nome de um partido religioso que tem desmantelado a tradição laicista do Estado turco, que fora criada por Ataturk desde a fundação da república moderna, Erdogan construiu lentamente o seu poder. O movimento islâmico teve 8% em 1987, 16% em 1991, 21% em 1997, mas, já com Erdogan, teve 34% em 2002, 46% em 207 e 50% em 2011. Controla hoje todas as estruturas do Estado.
Ao longo deste percurso, foi sempre vitoriado pelas potências internacionais. O então presidente Bush foi discursar a uma cimeira da NATO em Istambul, em 2004, vangloriando o sucesso de Erdogan: “o vosso país é um exemplo”. Na NATO e com uma sólida aliança com Israel, raramente perturbada por escaramuças verbais, este estranho regime islâmico manteve-se como um pilar da política de Washington na região. A União Europeia reforçou esta aliança, ao atribuir-lhe o papel de guardião das fronteiras para parar os refugiados, pagando-lhe e fazendo concessões de monta a Erdogan, precisamente quando ele dirigia a repressão sobre os jornais independentes e sobre os partidos de oposição.
Militarmente, este apoio é um erro que acentuará os riscos de segurança na Europa, porque o alvo de Erdogan na região são as forças curdas, precisamente as únicas que combatem no terreno contra o Estado Islâmico.
Socialmente, este domínio absoluto também agrava as tensões na Turquia, um dos estados mais desiguais da OCDE (os 1% mais ricos tinham 38% da riqueza nacional em 2000 e já detinham 54% em 2014, um progresso impressionante).
O golpe de estado que agora está a triunfar na Turquia é portanto uma ameaça para a população turca e para quem vive no Mediterrâneo ou na Europa. O mundo ficou mais perigoso com a ofensiva de Erdogan.
21 de Março de 2016
Juntou-se o mal e a caramunha. A União Europeia concluiu o seu acordo com a Turquia para a expulsão de refugiados a partir do dia de ontem, garantindo um generoso financiamento e esperando sobretudo que este muro assim erguido na fronteira da Europa permita aliviar a pressão política na Alemanha e noutros países do centro do continente. A Turquia conseguiu dinheiro, conseguiu pressionar o processo de adesão e, mais do que tudo, conseguiu ser reconhecida como potência regional, com luz verde para reforçar o seu regime militarizado e censório. Quanto aos refugiados, ficarão entregues ao governo turco e serão colocados em campos de aprisionamento.
A consternação de alguns dos governos foi bastante evidente. Não só Hollande teve que convocar Renzi, Costa, Tsipras e outros aliados para um encontro no fim de semana passado em Paris, como houve governantes que se sentiram obrigados a registar uma reserva em relação ao acordo, com a diplomacia de duplas palavras que tem sempre feito a tradição e a fragilidade da União. Costa, por exemplo, veio declarar que a solução é aceitável mas insuficiente.
Não é nem suficiente nem aceitável.
Não é suficiente, pois os refugiados viverão condenados. E teremos desde este início da primavera uma nova vaga de refugiados porque a guerra continua (e o governo da Turquia procura agravar os riscos militares, porque é do seu interesse fazê-lo). Os refugiados ainda virão por outras rotas do Mediterrâneo. Os pedidos de asilo são a resposta a guerras e não um capricho de viajantes.
Não é aceitável, porque viola a lei internacional e a lei europeia. É por isso expressivo que tenha sido retirada a seguinte frase da proposta original do acordo: “Os migrantes que sejam enviados para a Turquia serão protegidos de acordo com as normas internacionais para o tratamento dos refugiados e respeitando os princípios de não-repulsão”. Além disso, a afirmação da automaticidade do envio de todos os refugiados irregulares (todos são irregulares até terem sido regularizados), indica que se trata de um princípio universal de deportação e que os pedidos de asilo não serão considerados pelas autoridades europeias, antes de os expulsar para a Turquia.
É certo que a União espera alterações na legislação turca, que estarão a ser negociadas. Mas a política é o que é, e a forma como a polícia ou as autoridades turcas tratam os seus cidadãos ou os refugiados é muito expressiva do risco que se agiganta.
A Amnistia Internacional criticou este acordo precisamente pela sua ilegalidade: “As garantias de respeito escrupuloso da lei internacional são incompatíveis com o regresso para a Turquia de todos os migrantes irregulares que cheguem às ilhas gregas a partir de domingo. A Turquia não é um país seguro para os refugiados e migrantes, e qualquer processo de regresso baseado nessa suposição será errado, ilegal e imoral”. As Nações Unidas indicaram a mesma reserva.
Pelo seu lado, a Comissão Europeia e os seus assessores esforçam-se por apresentar este acordo como uma solução decente. Não podiam fazer de outra forma. Mas chama a atenção que este acordo tão conveniente seja declarado temporário (mesmo que nunca se indique qual é o limite de tempo).
Em suma, a União procedeu como costuma. Paga para fingir que o problema não existe, elogia a solução em que ninguém acredita, viola a sua própria lei em nome da conveniência e dá a mão a um regime militarizado, desprezando as regras internacionais e o princípio do respeito pelas pessoas que fogem de uma guerra e pedem asilo.
A Europa da nossa vergonha é este fantasma que prefere o Muro no Bósforo, esperando que ninguém consiga saber como são tratadas as famílias refugiadas e que nenhuma destas pessoas que procura asilo tenha a força suficiente para levar a tribunal o seu caso, pondo em causa o acordo, ou para organizar a resposta dos seus à ameaça ou condenação que lhes é imposta.
Francisco Louçã O calvário é um caminho sem fim
A chantagem de Merkel contra a Grécia é uma página sinistra da história europeia.
Colocar o património do Estado Grego numa empresa privada para garantia de credores é colonialismo puro.
Insisitir nos despedimentos numa sociedade com mais de um terço de desemprego é perseguição por fanatismo ideológico....
Obrigar o governo a reverter em dois dias as suas medidas de apoio social é vingança.
Não sei portanto qual será o resultado da negociação dificilima desta noite. Mas sei que a austeridade não resolve, antes destrói. Sei que a democracia de um país não pode ser rejeitada na Europa. Sei que a Europa que queira destruir um governo por ser de esquerda deixa de ser uma União.
Sei que Merkel é um perigo para a Europa. E para cada um de nós.
Francisco Louçã Pobres demais para interessarem ao mercado?
Esquerda.Net, 13 de Ourtubro de 2014
Há trinta anos que podíamos ter a vacina contra o ébola, mas o assunto não dizia respeito às grandes empresas farmacêuticas. “O mundo falhou miseravelmente”, diz o presidente do Banco Mundial. O mundo, ou o mercado que não cuida de quem pode morrer somente por ser pobre e não merecer atenção?
Quatro mil mortos, sobretudo na Guiné, Serra Leoa e Libéria. Poderão ser muitos mais no próximo mês. Dezenas de milhares de mortos, centenas de milhares de infectados? O presidente do Banco Mundial grita que “o mundo falhou miseravelmente”. A Organização Mundial de Saúde admite que “podíamos ter respondido mais depressa” e alerta que só conseguiu até agora um quarto dos fundos que lhe foram prometidos. O Ébola é uma doença de destruição massiva, uma epidemia.
Anuncia-se que uma vacina poderá estar disponível até dezembro e começará agora a ser testada, com a OMS a acelerar todos os passos para a experimentação clínica e eventual autorização do medicamento – mas não pode haver certeza do desfecho. Duas grandes instituições, um dos maiores laboratórios do mundo, o GSK (GlaxoSmithKline) e o Instituto Nacional de Saúde dos EUA, prometem começar já os testes. Mas não há ainda convicção científica suficiente, simplesmente porque se começou tarde demais.
Adrian Hill, o professor da Universidade de Oxford que é responsável pelo plano de investigação e tratamento na Grã-Bretanha e que dirige os primeirostestes clínicos, está por isso desesperado. Ontem, decidiu dizer o que todos sabem:
“O problema com isto é que, mesmo que houvesse uma forma de fazer a vacina, a não ser que haja um grande mercado, para uma mega-empresa não vale a pena… Não havia um negócio a fazer com uma vacina contra o Ébola, para as pessoas que mais precisavam dela: em primeiro lugar dada a natureza da epidemia, em segundo lugar porque se pensava, até agora, que o número de pessoas infetadas seria muito pequeno e, em terceiro lugar, porque essas pessoas vivem em alguns dos países mais pobres do mundo e não têm como pagar a nova vacina. Isto é um falhanço de mercado.”
O mercado falhou porque não havia mercado. Os africanos são pobres demais. Os pobres não existem, o mercado ignora essa gente. O ébola tem anos bastantes mas mereceu sempre o mesmo desinteresse: o vírus foi identificado em 1976 pela primeira vez, vai para 40 anos. O desenvolvimento de uma vacina pode demorar dez anos, neste tipo de casos. Há trinta anos que podíamos ter a vacina, mas o assunto não dizia respeito às grandes empresas farmacêuticas, as irmãs que dominam o mundo (GSK, Sanofi, Merck, Pfizer). Acordam agora, que o vírus começa a chegar à Europa e aos Estados Unidos e a pressão da opinião pública se faz sentir.
“O mundo falhou miseravelmente”, diz o presidente do Banco Mundial. O mundo, ou o mercado que não cuida de quem pode morrer somente por ser pobre e não merecer atenção?
Francisco Louçã “Estamos muito perto da 2² Grande Depressão”
Situação dos trabalhadores em vários países da Europa é dramática, disse o economista e político português.
Publicado em Sul21 no dia 22 de Maio de 2013
A crise econômico-financeira iniciada a partir do estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos e do naufrágio do mercado de derivativos que inundou o sistema circulatório monetário do planeta com moedas e títulos tóxicos, sem lastro na vida real, tem um caráter estrutural e está longe do fim. Pelo contrário, dá sinais de agravamento que poderão arrastar a economia mundial para uma segunda grande depressão. O alerta foi feito terça-feira (21) à noite, no Sindicato do Bancários de Porto Alegre, pelo político e economista português Francisco Louçã, em um debate sobre a crise do capitalismo na Europa, promovido pelos mandatos do deputado estadual Raul Pont e da vereadora Sofia Cavedon, do PT.
Durante mais de uma hora e meia, Louçã, que é dirigente do Bloco de Esquerda, de Portugal, falou sobre a realidade dramática vivida hoje pela população de países como Grécia, Portugal e Espanha, com altíssimos níveis de desemprego, corte de salários, diminuição das aposentadorias, desmonte de serviços públicos fundamentais e aumento de impostos. A crise, defendeu Louçã, é estrutura e permanente, ao contrário do que afirma o consenso firmado entre a social-democracia e a direita na Europa. Estamos vivendo hoje, acrescentou, o império de uma economia sombra que implica, por sua vez, a existência de uma política sombra e de uma sociedade sombra.
A economia sombra é dominada por uma finança sombra, não visível e não regulada. Louçã apontou algumas características desse sistema. No auge da crise de 2007-2008, algumas companhias de seguro já tinham mais poder que grandes bancos comerciais, em função do mercado de derivativos. Cinco anos antes do início da crise de 2007-2008, o conjunto do mercado invisível dos derivativos era de 200 trilhões de dólares. Em 2007-2008, pulou para 600 trilhões de dólares. Naquele período, centenas de bancos nos Estados Unidos e na Europa foram à falência. Agora, em maio de 2013, o conjunto desse mercado de títulos derivativos está na casa do um quatrilhão de dólares, o que representa 14 vezes mais de todo o produto criado no planeta Terra, e 65 vezes mais que o valor do maior mercado especulativo do mundo, que é o de Nova York. Ou seja, ilustrou ainda Louçã, cada dólar americano vale hoje 65 vezes menos que o dólar desse mercado sombra.
A banca financeira, tal como a conhecemos hoje, é dominada por um sistema de dívidas que está asfixiando trabalhadores, governos e as sociedades de vários países. Francisco Louçã chama esse sistema de “dívidadura”. Em um livro escrito em conjunto com Mariana Mortágua (A dívidadura – Portugal na crise do euro (Ed. Bertrand), o economista escreve sobre esse sistema de dívidas:
“Portugal pagará em 2012, em juros, mais do que o efeito conjugado de todas as medidas de uma austeridade gravíssima neste ano. Nos dez anos seguintes, o compromisso de amortização da dívida, considerando apenas a hoje existente e nenhum outro empréstimo suplementar ou outra emissão de dívida, é de 134,5 bilhões de euros – o que, em média, ultrapassará em muito o pagamento de 2012, chegando em alguns anos a ser o triplo. Esta dívida é impagável e não pode ser paga (…). Nos tempos em que o capital se afasta da democracia, a política do socialismo é lutar por ela: a democracia responsável é a arma contra a dívidadura”.
Política sombra
Essa sistema de finanças sombra, alimentado pelo pagamento de uma dívida impagável e injustificável, tem a sua contrapartida política. O que faz falta na Europa hoje, disse Louçã, além de uma esquerda mais forte, é a existência de um centro mais moderado. Temos hoje um centro absolutamente radical implementando as ditas políticas de austeridade. A política da União Europeia hoje está bloqueada por este centro radical e por seus apoiadores na direita e na social-democracia que não admite qualquer negociação. Todos os hospitais de Madri estão para ser privatizados, exemplificou o economista português. “O discurso da privatização da saúde não procura nenhum consenso, nenhum contrato. As instituições políticas europeias deixaram de ter como função amortecer e negociar conflitos. É uma situação dramática”, assinalou Louçã, lembrando uma frase do escritor inglês Charles Dickens em “A história de duas cidades”: “Nós vivemos no melhor dos tempos. Vivemos no pior dos tempos”.
Para Louçã, o tema central da esquerda hoje deve ser a dívida. “Precisamos virar o debate da dívida e falar da maior das dívidas. O alvo que importa é o capital financeiro. O capital que lucrou imensamente na privatização de bens públicos, que transferiu, em 2012, 6,6 milhões de dólares/dia para paraísos fiscais, que lucra com o aumento dos impostos sobre o trabalho e o consumo, ao mesmo tempo em que tem reduzido os impostos sobre os seus próprios lucros. Nunca tivemos um poder tão poderoso como o poder financeiro atual. Diante desse quadro, precisamos de uma esquerda mais internacionalizada e que saiba que o seu principal adversário hoje é o capital financeiro”, defendeu o economista e ex-deputado do Parlamento Europeu.
Mais valia absoluta e segunda depressão
O que estamos vendo hoje na Europa, acrescentou, é a implementação de um processo de extração de mais valia absoluta dos trabalhadores, com corte de salários, aumento de impostos, diminuição de aposentadorias e aumento da jornada de trabalhadores. Ou seja, todos estão sendo convocados a trabalhar mais e a ganhar menos. Isso os que tem trabalho é claro. Os números sobre o desemprego na Europa são estarrecedores.
Segundo dados da agência de estatísticas Eurostat, o índice de desemprego dos 27 países da UE atingiu 9,8% em outubro de 2012, o maior patamar da série histórica, iniciada em 1995. São 23 milhões sem emprego e esse número já aumentou. A maioria (cerca de 16 milhões) está nos 17 países que compõem a zona do euro, cujo índice atingiu 10,3%, o maior desde a criação do euro, em 1999. No final de 2012, a Espanha apresentou o impressionante índice de 22,8%. Superou até a Grécia, que registrou desemprego de 17,7% no terceiro trimestre.
Os problemas sociais e econômicas causados pelos apóstolos da austeridade começam a bater à porta das principais economias europeias, como Itália, França, Inglaterra e mesmo na Alemanha. É um modelo, enfatizou Louçã, que tem o objetivo de drenar dinheiro dos trabalhadores, dos governos e das sociedades para esse sistema financeiro sombra. Daí a implantação de um regime de extração de mais valia absoluta. É um modelo insustentável social, política e economicamente, reafirmou. “Estamos muito perto da segunda grande depressão”, concluiu Louçã, lembrando que a Europa só conseguiu sair da primeira realizando uma das maiores e mais sangrentas guerras que o planeta já viu.
Francisco Louçã Os anunciados cortes nas pensões, a divisão-convergência do governo, a emissão de dívida
Francisco Louçã Islândia, Itália, Portugal e o suicídio da esquerda possibilista
Dia 25 de Abril
No dia 25 de Abril, Francisco Louçã tinha 17 de anos de rebeldia. Sempre que vai à procura de alguns momentos de memória, só lhe ocorre dizer: "É um dia difícil de esquecer!" Porque o jovem, já revolucionário, nunca adormeceu a sua vida com nenhum éter ou líquido asséptico. A imagem do rapaz que avança pelo mato de uma Assembleia com palavras fatais é corroroborada por um tempo de "exaltação", "fascínio" e "euforia".
Francisco Louçã, em jeito de memorização, explica: "Nesses tempos, fazia parte de uma organização política, a Liga Comunista Internacionalista {LCI), que reunia muitos jovens." Esses jovens foram avisados por oficiais afectos a essa organização de que haveria um golpe. Por integrar a "coordenação" da luta política em Lisboa, esteve com uma equipa na Rua da Beneficência para verificar se se confirmavam, ou não, os acontecimentos anunciados.
Durante a manhã do 25 de Abril, contrariou o apelo para que as pessoas não saíssem de casa e esteve na rua. Durante todo esse dia, colaborou na "edição de cartazes sobre a guerra colonial" e juntou-se a manifestações e outras actividades.
A sua única razão de queixa da revolução é "a morte de quatro pessoas pelos pides, quando podia não ter havido sangue". Noutro plano, expressa, no olhar, aquela alegria de uma revolução que era "diferente de tudo o que sentia antes. O mundo político estava a mudar completamente!".
São várias as euforias que conta, de forma exaltada: "A descoberta de que um povo analfabeto, desprezado por 48 anos de fascismo, podia, rapidamente, aprender a viver, ter opiniões. Decidir!" Tudo em nome de se "fazer da revolução o código genético da democracia". Tudo em nome de "um 1.° de Maio que era o culminar de um movimento ascendente. O maior 1.° de Maio de toda a história portuguesa!".
Assim sendo, não se cansou de acompanhar, nesse dia, "as manifestações marcadas pelos sectores de esquerda, com uma voz clara contra a guerra colonial". Explica: "Cortejos que tinham como temas específicos acabar com a guerra, acabar com os embarques da tropa, estabelecer a paz, destruir a ditadura." Acrescenta também: "É difícil isolar as coisas". Nas vésperas do 1.° de Maio, participou em grandes comícios na Voz do Operário e no Coliseu. E, durante todo esse Verão, foi fazer sessões políticas a Salvaterra de Magos, a Alpiarça, ao Alentejo, ao Pinhal Novo...
Debates. Contradições fortes. A contra-revolução no Norte. Sedes de partidos atacadas. Como Zeca Afonso dizia: "O melhor período das nossas vidas!" O olhar de Francisco Louçã emite uma luz enquanto reafirma: "O espantoso da Revolução de Abril é só essa revolução permitir a destruição de um governo de ditadura." E, afinal, "a Liberdade portuguesa ser uma liberdade revolucionária". Nesse processo, que caracteriza de "lento e doloroso", o mais fascinante, para este homem que diz haver "continuidade política" entre o rapaz de 17 anos e o rapaz com mais 30 anos acrescidos, foi "a imensa vontade de mudar a vida. Vida triste. Vida isolada. Pessoas fechadas na sua tristeza".
E, apesar de um olhar revoltado, o seu coração guarda uma noção de liberdade: "A invenção de um país com uma rede de comunicação nova, uma solidariedade, a sensação de uma sociabilidade nova." Com responsabilidade. Porque "liberdade também é responsabilidade. É pluripartidarismo, sindicatos livres, destruição de censura".
Agora, passados 30 anos, diz ainda: "Eu só tenho mais razões, hoje, para ser radical! Conheço melhor os podres do país, a exclusão social brutal que existe". E fala de uma "sociedade de privilégio", de "apartheid social", de um país que "deita para o caixote do lixo aquelas mulheres dos têxteis que nos seus olhos sabemos não voltarem a ter emprego".
Rebelde? Revolucionário? O dicionário pode dar uma ajuda se procurarem o nome de Francisco Louçã.
(in Gilda Nunes Barata, Onde É Que Você Estava No 25 De Abril?, Oficina do Livro)
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Texto e foto deliciosos, parabéns!
Palavras como dinamite.E passados 50 anos sobre os...
Lindo!
Um testemunho enternecedor.Eva
Grande texto que nos faz refletir... Muito!