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Jardim das Delícias


Sábado, 21.10.17

Matança - José Goulão

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José Goulão  Matança

 

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abrilabril, 19 de Outubro de 2017

Ora a perda de cem vidas humanas, nas circunstâncias em que ocorreu – dois picos de vagas incendiárias muito concentradas no tempo e imprevisivelmente diversificadas no espaço –, não é um acidente: é uma matança, um selvático assassínio em série.

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 Ricardo Graça / Agência Lusa

 

   Anuncia-se que, por ora, as chamas estão extintas; fazem-se os enterros, recolhem-se os salvados, secam-se as lágrimas, respeita-se o luto, limpam-se os destroços, recontam-se as poupanças – se ainda as há – deitam-se mãos à obra porque a vida continua e sempre é menos dura sob o abrigo de um tecto. Até à próxima.

Sem surpresa, e como já percebemos, agora segue-se a campanha feroz contra o governo, exigem-se cabeças de ministros, sobe de tom a troca de soundbites como balas, exercita-se a caridadezinha público-privada, provavelmente teremos de assistir às repugnantes práticas de necrofilia política dos que, habituados a tratar mal os vivos jamais respeitarão os mortos.

Cem mortos e dezenas de feridos é o rescaldo provisório da hecatombe dos incêndios deste ano em Portugal. Ano após ano, fogos florestais sempre houve; mas não há memória de uma tragédia humana com esta envergadura, de uma insegurança, de um sentimento de fragilidade e de terror que se estende a todos os cidadãos que habitam no território português.

Onde havia jogos sujos de madeireiros e se apostavam grandes interesses imobiliários e florestais tornou-se este ano comum o sacrifício de vidas humanas. Salta à vista, sente-se no peito, que o País ficou desestabilizado num tempo em que, finalmente, recomeçava a olhar em frente.

Escrevi há dois meses que as circunstâncias qualitativamente diferentes dos fogos deste ano exigiam abordagens, medidas e respostas diferentes. Lembrei o caso, também único, do Verão de 1975, quando a multiplicação de incêndios, então centralizados no Alentejo, tinha como objectivo político não apenas a destruição da Reforma Agrária mas também a expansão de um clima de pânico que forçasse o país e os seus habitantes a desejarem um recuo drástico na Revolução.

E admiti a hipótese de estarmos agora perante uma desestabilizadora operação de terrorismo puro e duro, uma prática que, embora não pareça a quem se regula pela comunicação social dominante, não se cinge às malfeitorias do Daesh, nem sequer ao universo do radicalismo islâmico.

A menção ao terrorismo incomodou algumas pessoas, que logo a catalogaram na imensa pasta da «teoria da conspiração», onde afinal cabe tudo o que não corresponde às medidas autorizadas e padronizadas de análise político-militar-económica-financeira.

Ora a perda de cem vidas humanas, nas circunstâncias em que ocorreu – dois picos de vagas incendiárias muito concentradas no tempo e imprevisivelmente diversificadas no espaço –, não é um acidente: é uma matança, um selvático assassínio em série.

Figuras governamentais como o secretário de Estado da Administração Interna, mas principalmente os testemunhos doridos dos bombeiros e de serviços de protecção civil, dão-nos a certeza de que muitos dos focos de incêndio foram provocados por mãos humanas.

Nem poderia ser de outra maneira: milhares de fogos acumulados em quatro dias (grosso modo) – mais de 700 só no passado domingo – e tocando desordenadamente grande parte do território nacional, tornando insuficientes as desmultiplicações possíveis dos serviços e meios de socorro existentes, só podem ser fruto de uma estratégia coordenada movendo centenas de piões; ou então Portugal é um perigoso ninho de pirómanos adormecidos os quais, movidos por um misterioso surto epidémico, e cada um por si, decidem atear e reacender fogos praticamente ao mesmo tempo e em sítios diferentes. Só acredita nesta delirante saga hollywoodesca quem quiser.

Além disso, não há circunstâncias climáticas, por muito duras que sejam e alteradas que estejam, susceptíveis de se combinarem de forma nociva e convergente para provocarem os efeitos trágicos registados, porque se fazem sentir de maneiras diferentes em zonas distantes e diversificadas como as que foram atingidas pelos incêndios, principalmente na vaga mais recente.

«(...) o executivo arrisca-se agora a queimar grande parte do capital de prestígio que amealhou.»

Quando se escuta o primeiro-ministro de Portugal, porém, verifica-se que não existe intenção de abordar a hecatombe dos incêndios deste ano de acordo com particularidades específicas que saltam à vista – a menos relevante das quais não é, por certo, a matança de uma centenas de cidadãos portugueses.

Para o governo, tudo continua a acontecer devido às insuficiências do ordenamento florestal, em circunstâncias que são «estruturais e não conjunturais». Isto é, a «época de incêndios» deste ano foi igual às de há cinco, dez ou vinte anos, resultante das mesmas causas, ainda que as consequências tenham sido muito diferentes e mais graves. Assim sendo, apenas conseguimos observar o Estado a fugir da definição e da denúncia de um inimigo que não olha a meios, que manipula e liquida a vida de cidadãos portugueses desde que isso sirva os seus fins.

Num país onde os serviços de espionagem se entretêm a espiolhar os cidadãos porque cada um de nós pode ser um terrorista islâmico em potência, quiçá um perigoso anti-neoliberalista, ou em que os detidos por atear incêndios são olhados como «lobos solitários», e depois quase sempre libertados, parece não haver condições para investigar o que poderá existir por detrás de cada alegado pirómano.

Ou será que os serviços de segurança e de investigação criminal não terão disponibilidade para se ocuparem de todas as possíveis pistas que possam esclarecer a morte de uma centena de portugueses? Mortes que foram assassínios, pois, segundo tantos testemunhos, houve fogos desencadeados de modo a dificultar ao máximo, ou até tornar impossíveis as operações de salvamento.

Este quadro deixa-nos a sensação de que a palavra «terrorismo» aplicada aos incendiários queima os sofisticados circuitos dos gadgets dos agentes de espionagem. Ora basta que alguém dê um piparote num bobby no Hide Park de Londres ou um sopapo num flic à entrada do Jardim das Tulherias, em Paris, para que estejamos perante atentados terroristas que dão instantaneamente a volta ao mundo e suscitam novas e cada vez mais apertadas medidas de segurança afectando comunidades inteiras; em Portugal, eventuais teias incendiárias assassinam cem pessoas e parece não haver interesse da comunidade de investigação, ou vontade política para esquadrinhar todas as circunstâncias até à mais recôndita hipótese.

As medidas de reordenamento florestal são essenciais, os pareceres científicos de uma laureada Comissão Técnica Independente serão valiosos; esses resultados, porém, seriam mais úteis e de efeito geral maximizado se acompanhados pelo despiste de todas as eventualidades criminosas, incluindo a hipótese terrorista, associadas aos incêndios em Portugal.

Se, por um acaso tão frequente por essa Europa afora, um qualquer indivíduo fizesse um telefonema reivindicando para o Daesh a autoria da vaga de fogos no território português, não faltaria quem gritasse «terrorismo, terrorismo!».

Porém, tal não aconteceu, e ainda bem: a tragédia é um acontecimento entre portugueses e qualquer manobra desse tipo criaria um ruído que nos deixaria ainda mais longe da realidade. Já é suficientemente gravoso que o Estado se exima de fazer aquilo que o mais comum dos sensos aconselharia para segurança dos portugueses: uma exaustiva investigação criminal.

A ausência de uma acção enérgica de investigação e a insistência numa gestão comum de circunstâncias recorrentes fragilizam o governo, transformam-no em bombo da festa que se põe a jeito, à mercê dos políticos sem escrúpulos que se movimentam na oposição, dos pescadores de águas turvas que medram no lodo da instabilidade, e, sem dúvida, dos que estão por detrás da estratégia incendiária.

É fartar vilanagem, com a comunicação social na dianteira, tocando a rebate, usando os mortos para disseminar recados exigindo demissões ministeriais, ou até de todo o governo. O terror, o boato e a mentira sempre foram pilares da desestabilização. Existe, porém, um facto dispensando apresentação de prova: o agravamento do fenómeno incendiário que se regista em Portugal coincide com a vigência de um governo que, além de ser uma lufada política de ar fresco, quebrou tabus, pôs em causa doutrinas manipuladoras que apodreciam a democracia portuguesa.

Um governo que, apesar das suas enormes limitações e das flagrantes tibiezas, como a situação presente demonstra, inquieta sistemas e poderes instalados, inventores de normas arbitrárias que lhes garantem privilégios por uma espécie de usucapião.

Porém, encolhido e defensivo quando teria tudo a seu favor, incluindo o apoio das populações, se optasse por uma estratégia determinada e enérgica que conduzisse ao levantamento da realidade incendiária até às últimas consequências, o executivo arrisca-se agora a queimar grande parte do capital de prestígio que amealhou.

Vulneráveis a campanhas de propaganda sem escrúpulos, enredados numa teia de insegurança e até de terror, os portugueses poderão não perdoar ao governo os efeitos da gestão burocrática de uma situação que adquiriu uma gravidade excepcional. Entretanto, moções de censura contra o executivo entram no Parlamento; algures, por detrás da teia de «lobos solitários», os verdadeiros pirómanos terroristas agradecem as hesitações de uns, o descaramento de outros, enquanto esfregam as mãos. E continuarão a matança, até que se sintam recompensados e satisfeitos.

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por Augusta Clara às 15:41

Sexta-feira, 27.01.17

O polimento da tragédia Obama - José Goulão

 

 

   Recordemos palavras de Barack Obama no seu último discurso sobre o Estado da União: «A América é a nação mais forte da Terra. As nossas despesas militares são superiores às despesas conjuntas das oito nações que nos seguem. As nossas tropas formam a melhor força combatente da história do mundo».

 
Poderia chamar-lhe o discurso do imperador, mas não façamos disso um cavalo de batalha quando há tanta gente empenhada em descobrir um Obama que não existiu, como forma de esconjurar os legítimos receios com a entrada na Casa Branca de um sujeito como Trump.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Obama não é melhor presidente do que alguma vez foi porque Donald Trump escancarou as portas da mansão presidencial como as de um saloon, semeou dourados pela decoração e pôs as botifarras em cima da mesa oval para assinar a sentença de morte do «Obamacare» e ditar que, para ele, o comércio livre é outra coisa.

Poucos dias antes de pronunciar as citadas palavras imperiais, o então ainda presidente Obama anunciara que o mais recente pacote de despesas militares inclui novos poderes para as 17 agências federais de espionagem, de modo a «contrariar a desinformação e propaganda», alegadamente fomentadas por outras potências; desse esforço, 17 mil milhões de dólares são dedicados à cibersegurança, isto é, à espionagem informática universal – as lendas sobre o papel da Rússia na eleição de Trump serviram assim de pretexto mais actual, como fato feito por medida.

Expansão militar universal, mentira e propaganda foram, portanto, as derradeiras mensagens deixadas pelo presidente Obama, o que torna ainda mais surpreendente o escândalo de tantas boas almas mainstream com a capacidade de Trump para entrar em funções logo a mentir descaradamente. Não descobriram ainda que a mentira é um comportamento inerente ao cargo de presidente dos Estados Unidos da América (e de outros, claro)? Um mentiroso pode ser mais ou menos boçal, mas não deixa de mentir.

«É relevante notar que enquanto tratava assim, e mal, da saúde dos seus compatriotas, Barack Obama e a sua administração tornavam-se responsáveis por massacres massivos de seres humanos em todo o mundo, que não andarão muito longe de um milhão de vítimas.»

Por isso, antes de nos dedicarmos a Donald Trump – infelizmente razões não faltarão nos tempos que aí vêm – passemos uma sintética vista de olhos sobre o testamento político de Obama, esse sui generis Nobel da Paz, quanto mais não seja como antídoto perante a campanha de mistificação e de polimento dos seus catastróficos mandatos.

É sintomático que venha imediatamente à superfície uma única realização quando pretendem passar-se em revista as supostas preocupações «sociais» da gestão Obama/Hillary Clinton/John Kerry: «Obamacare». Além de não ser, no final, nada daquilo que esteve para ser no início, a suposta reforma do sistema de saúde em benefício dos mais desfavorecidos foi, essencialmente, um bónus para as companhias seguradoras e para o totalitário sistema privado de saúde à custa dos contribuintes – incluindo os mais desfavorecidos – e dos cofres públicos federais.

É relevante notar que enquanto tratava assim, e mal, da saúde dos seus compatriotas, Barack Obama e a sua administração tornavam-se responsáveis por massacres massivos de seres humanos em todo o mundo, que não andarão muito longe de um milhão de vítimas.

Às guerras do Afeganistão e do Iraque – com que não acabou, antes alimentou – somam-se a destruição terrorista da Líbia, a catástrofe humanitária gerada na Síria, a tragédia no Iémen, os golpes e contragolpes no Egipto, as fraudes da suposta guerra contra o terrorismo, incluindo comprovados patrocínios da actividade de grupos de mercenários como a al-Qaida e o Daesh, a realização do golpe fascista na Ucrânia e da sequente guerra civil, o estabelecimento do recorde de execuções extra judiciais através de drones e outros métodos de liquidação.

Sem esquecer o constante apoio à transformação de Israel num Estado confessional e fascista que tornou de facto impraticável a tão falada «solução de dois Estados» na Palestina; ou a manutenção da vergonha torcionária de Guantánamo, enquanto dava passos em direcção a um aparente fim do bloqueio a Cuba – que, afinal, se mantém inquebrável.

A tão recente e celebrada abstenção norte-americana permitindo ao Conselho de Segurança da ONU aprovar uma moção condenando o colonialismo israelita não passa de uma manobra cínica e hipócrita. Se Obama tivesse tomado a mesma atitude há oito anos, talvez ainda houvesse margem de pressão internacional susceptível de forçar o fascismo sionista a corrigir o rumo. Mas Barack Obama, quando teve poder real, alinhou sempre, em última análise, no jogo anexionista de Israel; agora, conhecendo o que vai ser a prática de Trump nessa matéria, o gesto é inconsequente, apenas destinado a entrar na História sem fazer História.

Sob a gestão de Barack Obama, o número de países onde as forças especiais dos Estados Unidos fazem guerra passou de 75 para 135. Há meia dúzia de dias, tanques de última geração, mísseis de cruzeiro de longo alcance preparados para transportar ogivas nucleares e uns milhares de soldados norte-americanos foram instalados em nova base militar na Polónia.

A produção e o tráfico de heroína atingiram novos máximos nos últimos anos, graças às condições extremamente favoráveis criadas no Afeganistão e no Kosovo, territórios onde se vive sob a bandeira tutelar da NATO.

E o insuspeito The New York Times revelou que grupos como a al-Qaida e o Daesh foram financiados em milhares de milhões de dólares pelas petroditaduras do Golfo, fortunas essas canalizadas através de uma rede internacional gerida pela CIA.

Expansão, mentira e terror são pilares de qualquer doutrina económica e financeira fascista; pilares esses em que a administração Obama se apoiou sem reservas. Por isso, é injusto acusar Donald Trump de a eles recorrer como se fossem coisas inerentes a um tipo de gestão pessoal e exclusivo.

Democrata ou republicano, neoliberal ou ultranacionalista, deixemos os rótulos de lado. À primeira vista estamos perante duas abordagens diferentes da gestão presidencial, mas não apostemos em qualquer engano do establishment. Obama e Trump: cada um chegou em seu tempo e em determinadas circunstâncias para defender os mesmos interesses.

Podemos estar, porém, perante a explosão de grandes contradições associáveis a um capitalismo mergulhado numa crise a que nem sequer tem valido a fé inabalável no autocontrolo do mercado e na teoria dos ciclos sucessivos. O neoliberalismo puro e duro, assente na globalização, terá atingido os seus limites? Serão necessárias outras receitas, velhas ou renovadas?

Temos pela frente a procura de respostas e a definição de acções perante um novo cenário – mas que não sejam inconsequentes ou folclóricas. Para trás ficou Obama, no cumprimento da sua missão, tão hipócrita como sinistra e sangrenta, na «defesa da democracia». Não será a truculência de Trump – óbvia mas de consequências imprevisíveis – que fará do antecessor um presidente menos péssimo e nefasto do que foi.

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por Augusta Clara às 15:15

Sábado, 16.07.16

"O presente de Deus" a Erdogan - José Goulão

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José Goulão  "O presente de Deus" a Erdogan

 

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Mundo Cão, 16 de Julho de 2016

 

   O presidente da Turquia, Recep Payyp Erdogan, afirma que a tentativa de golpe militar de sexta-feira foi um “presente de Deus”: vai permitir-lhe “limpar” as forças armadas.

Quem fala verdade não merece castigo, pelo que todos os deuses evitarão punir o autocrata turco, embora sabendo que muitos são os seus pecados.

E “limpezas” são a especialidade deste padrinho e protector de uma miríade de grupos de mercenários e terroristas entre os quais se destacam, para os que não estão lembrados ou o ignoram, o Daesh ou Estado e Islâmico e a Al-Qaida nos seus muitos e variados heterónimos.

Limpou o país da oposição, acusando os principais adversários de servirem os direitos nacionais curdos e ameaçando privá-los da nacionalidade turca. Para que não surgissem obstáculos à sua ascensão ao topo presidencial do poder fez manipular actos eleitorais através da propaganda, da censura e do medo, de tal modo que nem os observadores do Conselho a Europa e da OSCE, embora reconhecendo as irregularidades em privado, ousaram torná-las públicas e definitivas.

Limpou o aparelho judiciário e militar saneando centenas de juízes e os procuradores que denunciaram a corrupção governamental e da família Erdogan, designadamente a sua familiaridade pessoal e financeira com o banqueiro saudita Yassim al-Qadi, próximo de Bin Laden e conhecido internacionalmente como “o tesoureiro da Al-Qaida”. Por essa razão, está sob a mira da ONU, o que não o impede de deslocar-se a Ancara em avião privado para conviver e gratificar generosamente a família presidencial.

Vem limpando paulatinamente as forças armadas, mas este “presente de Deus”, como admitiu o próprio Erdogan, proporciona-lhe uma oportunidade de ouro para acelerar o processo. A partir de agora ruirá o maior obstáculo secular à confessionalização de um regime turco formatado em estrutura ditatorial e em teor fundamentalista islâmico.

Erdogan fala claro, disso não tenhamos dúvidas. Há 20 anos, em plena ascensão na carreira política, iniciada entre os fascistas e supremacistas “lobos cinzentos”, definiu a democracia como “um eléctrico que abandonamos quando chegamos à nossa paragem”. Recentemente falhou a consulta para impor uma Constituição “inspirada em Hitler” – as palavras são suas – de modo a consolidar um poder presidencial absoluto.

A seguir a esse intuito por ora fracassado, Erdogan começou então a receber “presentes de Deus”.

O atentado contra o aeroporto de Istambul parece ter sido um deles. Apear da autoria não ter sido reivindicada, Erdogan atribuiu-o ao Daesh, por conveniência da sua própria imagem internacional; mas por que razão os protegidos iriam atacar no coração do protector? Provavelmente por convergência de interesses – uma mão lava a outra, não é o que se diz? Um atentado é, sem dúvida, oportunidade de ouro para reforçar poderes de excepção e perseguir inimigos internos vários, mesmo que nada tenham a ver com a violência.

Quando ainda decorre o rescaldo do acto terrorista surge o golpe militar, com inegáveis debilidades de amadorismo num exército dos mais poderosos da NATO, precisamente com Erdogan ausente, “de férias”, circunstância excelente para um regresso triunfal, afirmativo, justificando limpezas. Deus não poderia ter sido mais generoso, em boa verdade.

Enfim, é a este ditador turco que a União Europeia paga anualmente três mil milhões de euros confiscados aos nossos impostos para impedir que cheguem à Europa os refugiados das guerras que os donos da Europa provocam. Para que conste, não há um vínculo formal entre o conselho Europeu e Erdogan sobre esta verba; foi estipulada apenas em comunicado de imprensa dos chefes de Estado e de governo da União Europeia.

Foi com este presidente turco que o governo francês negociou a garantia de não haver atentados do Daesh durante o Euro 2016, em troca do apoio à criação de um Estado curdo no Norte da Síria. Constatámos, da maneira mais trágica, que ao Daesh bastaram apenas quatro dias para se libertar do período de nojo, fazendo gato-sapato do securitarismo fanático e inconsequente de Hollande e Valls.

É a este presidente turco que a União Europeia ainda reconhece credenciais de democrata, apesar de o próprio rei Abdallah da Jordânia ter revelado o seu apoio ao Daesh, à Al-Qaida, ao contrabando de petróleo que serve de financiamento ao Estado Islâmico e de enriquecimento à mafia familiar de Erdogan.

Foi comovente – e patético – o apoio de grande parte da comunidade mediática a Erdogan durante as vicissitudes da tentativa de golpe e ao uso dos seus apoiantes como escudos humanos e carne para canhão nas ruas, praças e pontes das principais cidades da Turquia.

Entre a componente militar e a mafia governamental de Erdogan estavam em luta, durante a tentativa de golpe, dois conceitos de regime autoritário: um secular, outro fundamentalista islâmico. A democracia e os interesses populares não tinham nada a ver com aquela guerra entre elites interesseiras e pouco ou nada preocupadas com as pessoas.

O terrorismo islâmico, a guerra e a anarquia no Médio Oriente, porém, têm muito a ganhar com a absolutização do poder de Erdogan em Ancara. Ou seja, é impossível estar simultaneamente contra o terrorismo islâmico e temer pelo futuro político de Erdogan. A democracia não passa por aí, mas também já pouco se sabe dela nesta União Europeia.

Porém, quando a vida das pessoas está à mercê destes “presentes de Deus” é possível testemunharmos os acontecimentos e os ditos mais bizarros.

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por Augusta Clara às 20:00

Sábado, 07.05.16

Operação “Madeira de Sicómoro" - José Goulão

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Mundo Cão, 7 de Abril de 2016 

 

     O sicómoro é uma figueira-brava abundante desde sempre no Médio Oriente, de tal modo que tem ressonâncias bíblicas. Isso terá inspirado os assessores do presidente Barack Obama quando se tratou de baptizar a operação secreta através da qual a Casa Branca e o Pentágono, recorrendo ao poço sem fundo de petrodólares da Arábia Saudita e ao prestimoso aparelho de guerra da NATO, decidiram desestabilizar a Síria até ao estado em que se encontra.

Corria o ano de 2012. Depois de montado o mito de que existia um início de “primavera árabe” na Síria, começou a canalização em massa de bandos de terroristas e toneladas de armas e munições para o interior do país, através das fronteiras da Jordânia e da Turquia. Ao mesmo tempo, aviões de carga das ditaduras do Golfo despejavam armas para os mercenários já no terreno; e os comboios humanitários da ONU foram transformados em autêntico cash and carry de material de guerra para os infiltrados, por inspiração do secretário-geral adjunto da ONU, Jeffrey Feltman. Para os que nunca dele ouviram falar, é o comissário político norte-americano na organização, ex-alto funcionário do Departamento de Estado, encarregado da estrutura operacional do golpe de Estado fascizante na Ucrânia, quando já em funções nas Nações Unidas.

Estava no terreno a operação “Madeira de Sicómoro”. Saibam os que reagem a este tipo de informações sobre operações secretas acusando liminarmente os mensageiros de serem agentes das teorias da conspiração que, neste caso, também os repórteres do New York Times o são. Foram eles que descreveram em pormenor a trama clandestina, ainda não há dois meses.

Em traços largos, a operação decidida por Barack Obama, numa primeira fase dedicada à desestabilização política e, a partir de 2013, à “assistência letal” aos terroristas sem excepção, foi passada à prática pela CIA e financiada, “em vários milhares de milhões de dólares”, pela ditadura whaabita da Arábia Saudita, a doutrina fundamentalista islâmica que inspira os mais sanguinários grupos terroristas, entre eles a al-Qaida e o Estado Islâmico e os seus heterónimos regionais. Também o Qatar, os Emirados Árabes Unidos e a inevitável Turquia do fascista Erdogan se juntaram à operação.

Houve uma altura, ao que consta, que a Casa Branca pareceu recuar, pretendendo abrir excepções no auxílio à al-Qaida e ao Estado Islâmico. Contra isso se levantaram países árabes europeus na conferência dos “Amigos da Síria” realizada em 12 de Dezembro de 2012, em Marraquexe, Marrocos. O porta-voz dessa frutífera indignação contra o rebate de Washington foi o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, que só há pouco, e por doença, abandonou o cargo. Foram dele estas palavras históricas e lapidares: os membros da al-Nusra (heterónimo da al-Qaida na Síria) “estão a fazer um bom trabalho no terreno”.

Para pôr em Marcha a operação “Madeira de Sicómoro”, Barack Obama limitou-se a retomar uma velha prática de Washington ao recorrer à Arábia Saudita para financiar guerras e golpes de Estado. “Eles sabem o que obtêm de nós e nós sabemos o que obtemos deles”, é a versão da prosaica sentença “uma mão lava a outra” recitada ao New York Times por Mike Rodgers, um antigo representante republicano do Michigan. Se catarmos um pouco na História iremos encontrar esta simbiose entre Washington e Riade, entre os maiores pregadores da democracia e os seus mais descarados inimigos, por exemplo no apoio aos bandos armados na guerra civil angolana; na conspiração dos “contras” na Nicarágua; na institucionalização do banditismo no Afeganistão através dos “mujahidines” e da fundação da al-Qaida por Bin Laden; no esmagamento em sangue da “primavera árabe” no Bahrein; na destruição da Líbia, entregue operacionalmente à NATO.

É certo que a intervenção russa, fazendo em poucos meses os estragos nas hostes terroristas que a aviação norte-americana prometeu durante dois anos e nunca cumpriu, alterou as relações de forças na Síria. Moscovo e Washington definiram um cessar-fogo e Jeffrey Feltman foi afastado do dossier sírio. Consta que os comboios humanitários da ONU já não transportam armas para os terroristas. A paz, contudo, é uma miragem num país que em 2011 quase não tinha dívida externa e que agora chora 250 mil mortos, onde um em cada três sobreviventes é refugiado interno ou externo. Pelo que, também por isso, Barack Obama e os dirigentes da União Europeia e da NATO que o acolitam têm as mãos sujas, muito sujas mesmo, do sangue de seres humanos inocentes.

 

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por Augusta Clara às 15:00

Quarta-feira, 24.02.16

A saga dos refugiados que a Europa criou e agora despreza - José Goulão

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José Goulão  A saga dos refugiados que a Europa criou e agora despreza

 

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Mundo Cão, 24 de fevereiro de 2016

 

   Durante o ano de 2015 entraram na Grécia mais de 800 mil refugiados oriundos de países do Médio Oriente em guerra, sobretudo da Síria. Em 2016 já chegaram pelo menos 50 mil. Juntando-lhes as centenas de milhares que conseguem sobreviver à travessia do Mediterrâneo e arribaram às ilhas italianas, pode afirmar-se, sem qualquer dúvida, que muito mais de um milhão de pessoas atingiram territórios europeus.

Embora de uma magnitude catastrófica, este número é inferior ao registado em países mais próximos dos cenários de conflitos: um milhão e 900 mil na Turquia; um milhão e cem mil no Líbano; e 650 mil na Jordânia. Percebe-se a dimensão trágica deste movimento de massas humanas desesperadas se olharmos, por exemplo, para o caso libanês. O país tem cerca de quatro milhões de habitantes, pelo que os refugiados que entraram, só na sequência da guerra na Síria, representam um quarto da população. O Líbano que, tal como a Jordânia e a própria Síria, já era lar dos palestinianos forçados por Israel a uma diáspora que dura há quase 70 anos, vive uma situação caótica, como se também estivesse em guerra.

As informações disponibilizadas pelas entidades públicas e não-governamentais de países europeus que, com todas as limitações impostas pelos responsáveis, vão tentando gerir a situação na Europa, são reveladores da pouca eficácia, das carências de vontade política e até da má vontade das instituições da União Europeia para enfrentar o problema.

Da hecatombe humanitária resultante da entrada de mais de um milhão de refugiados, o rateio efectuado entre os 28 Estados membros da União Europeia abriu espaço para a admissão de apenas 170 mil, isto é, muito menos de 17%. Acresce que até essas quotas ínfimas inicialmente estabelecidas e aceites estão agora a ser rejeitadas por vários países, cujos governos dão o dito por não dito.

Até ao momento, foram alojados e integrados no espaço europeu menos de 500 dos desesperados que pretendem asilo. Um número irrisório.

A maioria dos governos da União recorrem a um número interminável de pretextos para se escusarem a aceitar refugiados e a remeterem para outros essa responsabilidade. O mais corrente é o argumento de que o fluxo de refugiados é uma via de entrada de “terroristas” na Europa. Tal suposição não está comprovada e, pelo contrário, alguns factos revelam que não passa de um exercício de propaganda. Por exemplo, a comunicação social dominante apressou-se a fazer crer que os crimes da noite de Ano Novo em várias cidades alemãs, cometidos sobretudo contra mulheres, estavam relacionados com o comportamento dos refugiados. Semanas depois as autoridades alemãs apuraram que, dos 52 indivíduos indiciados, apenas três eram refugiados, e mesmo esses estavam nos locais dos acontecimentos devido ao facto de não terem abrigo.

Por outro lado, acompanhando as biografias dos terroristas que cometeram os atentados de Paris contra o Charkie Hebdo e de 13 de Novembro verifica-se que são cidadãos franceses, nascidos e criados no país, vítimas da crise social e das políticas de marginalização e exclusão pelas quais são responsáveis sucessivos governos franceses e as instituições europeias.

O actual governo francês do presidente François Hollande e do primeiro-ministro Manuel Valls, que impôs o estado de excepção na Constituição e o mantem em vigor por períodos prorrogáveis – “até que o Estado Islâmico seja derrotado”, segundo Valls – está, aliás, entre os que afirmam que não receberão mais refugiados, nem mesmo a quota a que se comprometeu. A sua agenda sobre este assunto e outros parece decalcada da que é invocada pelo movimento neofascista Frente Nacional, de Marine Le Pen, que está à frente nas intenções de voto para próximas eleições.

Através da Europa, aliás, o cenário tem contornos semelhantes ou comparáveis às atitudes das autoridades de Paris. Na Dinamarca e na Alemanha os governos confiscam os bens de valor aos refugiados alegadamente para custear a sua integração; a Áustria fechou as suas fronteiras; a Hungria afirma que não receberá qualquer refugiado e transforma as suas fronteiras em barreiras físicas; a Polónia afirma que está disponível para receber apenas “cristãos”; o Reino unido suspende por quatro anos parte dos direitos sociais dos imigrantes, com a anuência dos governos dos 27 Estados membros; na Noruega, que não é da União Europeia, mas é da NATO, milícias “populares” de camisas negras zelam pela “segurança” nas ruas; a Dinamarca e a Suécia restabeleceram os controlos nas suas fronteiras; partidos de extrema-direita e/ou neofascistas impõem políticas xenófobas graças às suas influências crescentes, ou mesmo fazendo parte de governos em países como Dinamarca, Finlândia, Eslováquia, Hungria, Letónia, Estónia, Polónia, Holanda. Entretanto, por diligência da Alemanha, a Europa mergulhada na crise económica pretende pagar três mil milhões de euros à Turquia para estancar o fluxo de refugiados.

A ineficácia política europeia perante a tragédia dos refugiados provoca outros efeitos perversos que degradam aceleradamente o panorama dos direitos humanos. Entidades que trabalham no acolhimento dos fugitivos das guerras consideram que existe grande falta de vontade política para criar corredores humanitários que permitam encaminhar e prestar apoio a essas pessoas, mais de um terço das quais são crianças. Esta situação transforma os desesperados que apenas pretendem sobreviver em presas fáceis de mafias traficantes de seres humanos e outros predadores, um negócio altamente rentável que, na Europa, pode já ter ultrapassado os lucros com os tráficos de droga e armas.

Por outro lado, torna-se evidente que a Europa pouco ou nada tem feito para tentar resolver as crises no Médio Oriente, além de privilegiar os conceitos securitários no combate aos refugiados, atitudes que, de acordo com a experiência já disponível, não contribuem – antes pelo contrário - para resolver o problema. Verifica-se até que entre os países europeus, a França e a Alemanha têm manifestado tendência para não acompanhar a convergência entre os Estados Unidos e a Rússia para solucionar a crise síria, parecendo mais sintonizados com as correntes intervencionistas – que, na prática, reforçam o terrorismo – interpretadas pela Arábia Saudita e pela Turquia.

 

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por Augusta Clara às 16:20

Quarta-feira, 09.12.15

O caso bárbaro de Mohamed Suleiman - José Goulão

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José Goulão  O caso bárbaro de Mohamed Suleiman

 

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Mundo Cão, 8 de Dezembro de 2015

 

   Poucos conhecerão as notícias abjectas sobre Mohamed Suleiman nestas horas em que tanto se fala de terrorismo, barbárie e selvajaria como contraponto à nossa superioridade civilizacional plena de virtudes e bênçãos divinas, provenham elas de entidades supremas ou dos não menos supremos mercados.

Não, Mohamed Suleiman não é nenhum dos bandidos armados que praticaram as chacinas de Paris ou Madrid ou Nova Iorque, ou decapitaram um qualquer “cidadão ocidental”; estes são os verdadeiros terroristas, assim definidos pelos lugares onde actuam e as vítimas que provocam, mas de que ninguém ouviria falar entre nós caso se ficassem pelos massacres simultâneos de centenas de sírios e iraquianos, previamente forçados a cavaram as valas comuns para nelas partirem em busca da eternidade, porque isso era assunto lá entre eles, entre bárbaros, que não encaixa nos padrões exigentes e ilustrados de direitos humanos.

Mohamed Suleiman tem 15 anos, é um adolescente palestiniano de Hares, perto de Nablus, na Cisjordânia, detido numa masmorra israelita desde os 13 anos por “atirar pedras”, pecado gravíssimo porque cometido numa estrada reservada a colonos – a designação verdadeira, ocupantes, é politicamente incorrecta – exemplo das obras públicas israelitas que institucionalizam um civilizado regime de apartheid um quarto de século depois de o apartheid original ter sido extinto.

As autoridades israelitas foram buscar Mohamed Suleiman a casa há dois anos, não havendo qualquer flagrante a invocar, e mantiveram-no na cadeia até completar 15 anos. Torturaram-no, juntamente com mais quatro jovens, até confessarem o crime de “atirar pedras” e agora, que já tem idade para ser “julgado”, um tribunal militar israelita condenou-o a 15 anos de prisão por “25 tentativas de assassínio”, judiciosa versão da acusação original baseada no arremesso de calhaus; mas se a família não conseguir pagar uma multa de sete mil euros até 26 de Janeiro a pena transforma-se automaticamente em prisão perpétua. Como os parentes do garoto não têm esse dinheiro – vivem sob ocupação numa terra submetida à violência sádica e fundamentalista dos colonos, espoliados de todos os meios de sobrevivência pelo Estado de Israel - Mohamed Suleiman corre o sério risco de passar o resto dos seus dias que vão para lá dos 15 anos, idade dos sonhos para os adolescentes livres, numa masmorra às ordens dos civilizados esbirros ocupantes.

Esta é a história de Mohamed Suleiman. Ela não corre nos nossos tão informados telejornais, nos nossos periódicos ditos de referência, nas nossas rádios inundadas de cachas, apesar de tais meios não descansarem um segundo na denúncia do terrorismo, do terrorismo mau, pois claro, mas onde deveria caber, por simples misericórdia, um cantinho para Mohamed Suleiman, ao que parece insuspeito de ser do Estado Islâmico ou da Al-Qaida, cujos mercenários às vezes podem ser terroristas, outras nem tanto, depende.

Tão pouco a ONU, a UNICEF, a omnipresente e justiceira NATO, a democratíssima e vigilante União Europeia, tantos observatórios e organizações não-governamentais parecem conhecer a barbárie terrorista de que é vítima Mohamed Suleiman e os seus companheiros. Já me esquecia das boas razões para tal alheamento: Israel, tal como esse farol da democracia que é a Arábia Saudita e também a fraternal Turquia, agora às portas da União Europeia desde que sirva de tampão à entrada de refugiados na Europa, enquanto nutre bandos terroristas, são exemplos brilhantes de civilização e de respeito pelos direitos humanos. Os amigos e aliados jamais praticam terrorismo, tratam da nossa “segurança”.

O caso de que são vítimas Mohamed Suleiman e os cinco de Hares é um exemplo de terrorismo puro e duro, sem adjectivação porque o terrorismo é um fenómeno único, não existem terroristas bons ou maus, civilizados ou bárbaros. Mas esta é uma tese vinda dos bas-fonds da teoria da conspiração, não conta para a vida nos nossos dias.

Ainda sobram no mundo, porém, algumas organizações solidárias que, enquanto denunciam esta aberração selvática, procuram, para já, ajudar a reunir os sete mil euros necessários para tentar travar, no mínimo, a perpetuidade da prisão do jovem.

Quanto ao resto, a história de Mohamed Suleiman e tantas outras histórias que preenchem o quotidiano trágico de Jerusalém Leste, Cisjordânia e Gaza, as histórias de degredos, demolição de casas, assassínios selectivos, escolas e hospitais arrasados, asfixia económica, privação de água e energia, checkpoints e rusgas arbitrárias, muros e outras formas de segregação física e psicológica, mais não é do que exposição da hipocrisia terrorista pela qual se guia a chamada “comunidade internacional”.

Agora que a bandeira da Palestina, Estado fantasma, ondula junto ao palácio de vidro da ONU as boas consciências dos nossos civilizados e democráticos dirigentes sentem-se apaziguadas. Casos escabrosos de terrorismo como o de Mohamed Suleiman poderia, é certo, mascarar essa “paz” tão laboriosamente aparentada, mas que não haja problema: varre-se para o fundo dos tapetes da diplomacia e do desconhecimento, com a prestimosa colaboração do amestrado aparelho de propaganda.

 

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por Augusta Clara às 02:02

Terça-feira, 24.11.15

Vazio e medo em Bruxelas - Adriana Costa Santos

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Adriana Costa Santos  Vazio e medo em Bruxelas

 

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Chegada à Paz (Visão), 23 de Novembro de 2015

É urgente pensar no que se vai fazer aos refugiados. Agora evitamos a fome e protegemo-los do frio. Amanhã vai ser preciso deixá-los juntar-se a nós e abrir portas para que encontrem o seu lugar no mundo.

   Hoje não há sol em Bruxelas, as ruas estão desertas, o país está em alerta máximo por ameaça iminente de um ataque terrorista e a única coisa que mexe são as gotas da chuva que me caem na ponta do nariz. Há militares e polícias imóveis a cada esquina, tanques nas avenidas sem gente, sem luzes e sem comércio. O céu cinzento condiz com as caras dos poucos que por aqui passam, tal como eu, a tentar manter a normalidade.

Não há metro e os autocarros estão apinhados, tipo lata de sardinhas, e de vidros embaciados. Não há supermercados, nem lojas, nem museus, nem turistas, nem confusão, nem os bêbados das seis da tarde. Há grades e portas fechadas a sete chaves. Vejo cinzento e verde seco, caras sisudas e sirenes barulhentas que rompem o silêncio do medo. Será este o ambiente da guerra? Que história tão triste.

Antes de tudo isto, estive várias vezes a trabalhar em Molenbeek, o bairro esquecido da cidade de Bruxelas e que, por isso mesmo, agora é famoso. Aquilo a que os jornais chamam "fábrica de jihadistas" é uma zona onde muitos imigrantes árabes encontraram uma comunidade com algum sabor a casa. Sem oportunidades, sem igualdade, com pobreza e desemprego, num apartheid de consentimento mútuo. Tanto os recém-chegados encontraram familiaridade num bairro de maioria árabe e, por isso, decidiram fixar-se ali, como o Estado belga os terá deixado excluídos, discriminados, no seu cantinho da cidade.

Molenbeek é uma personificação a céu aberto, para quem quiser visitar, do falhanço europeu na integração efetiva das suas comunidades de imigrantes. Com 40% de população jovem, pelas suas ruas cheias de cores e cheiros exóticos passeiam rapazes sem trabalho, sem escola, sem dinheiro e sem perspetivas. Sem futuro. Nasceram cá, mas na casa errada. Sentem a injustiça e a revolta num quotidiano vazio. Não têm nada que fazer e, o que mais assusta: não têm nada a perder.

É neste bairro que se situa o depósito de doações do campo de refugiados, é para lá que toda a roupa e comida são encaminhadas, triadas e organizadas, para depois serem distribuídas no Hall Maximilian. Precisam muito de ajuda e, quando tinha menos trabalho, passava por lá para dar uma mãozinha ao meu colega Gille, o coordenador da incansável equipa que se ocupa daquele caótico armazém. Pude constatar que era um bairro pobre, mas nunca ninguém me deu razões para ter medo. É um bairro de maioria árabe, como tantas outras ruas e praças em Bruxelas. Como aquela em que eu vivo.

Na semana passada, estava no elétrico a escrevinhar qualquer coisa no meu caderno, quando entrou um homem de barba comprida e se sentou à minha frente, a falar ao telefone. Como comecei a aprender árabe com os refugiados, pus-me discretamente a ouvir, para ver se apanhava alguma coisa. O homem terminou o telefonema e começou a falar comigo. Perguntou-me o que é que eu escrevia, se era um diário e se eu descrevia a minha viagem até casa. Apressou-se a dizer que estava a brincar, mas respondi-lhe que estava a escrever um artigo. Admirado, respondeu: "Muito bem, pode então escrever aí que acabou de conhecer um marroquino de Molenbeek, está a ver onde é? Um bairro muito falado, nos últimos dias, infelizmente pelos piores motivos. Também sou muçulmano e venho de lá, mas não tenha medo de mim".

Ri-me, à falta de uma resposta melhor, "claro que não", disse-lhe. "Devo dizer-lhe, menina, que, por vir de lá, sei muito bem qual é o problema. Escreva se quiser. Os jovens são filhos de imigrantes, muitos deles marroquinos como eu, mas nasceram cá. Se forem para Marrocos, são estrangeiros. Se ficarem na Bélgica, estrangeiros são. Não fazem parte de nenhuma pátria, não sentem pertença a lado nenhum. Não têm valores a que se agarrar. Não têm educação, abandonam as escolas cedo e não há ninguém que os demova. Sentem-se discriminados, injustiçados. Não têm hipóteses de trabalho, nem dinheiro, nem casa própria, carro, namorada... Nada. Eu estou lá, eu conheço muitos jovens assim e tenho medo por eles. Estão perdidos, revoltados e são presas fáceis para os que querem espalhar o mal. Basta um discurso bonito e apelativo, uma família que lhes prometa acolhimento e inclusão e estão prontos para dar a vida, depois de lhes oferecerem uma", conta-me. "É triste vê-los partir por uma causa que nada tem a ver com o Islão". É triste, mais uma vez concluo, não terem nada a perder.

Desisti de escrever sobre o assunto que tinha em mãos e segui o conselho daquele senhor. Agradeci-lhe por me ter abordado e pedi-lhe que não deixasse de contar a sua história. "As pessoas precisam de saber isso, precisamos todos de refletir e, só assim, alterar o rumo das coisas", disse-lhe, antes de sair para o frio da cidade.

Depois daquele encontro, percebi que nada é mais pertinente na questão em que me debruço, a crise de refugiados, do que falar em integração. A Europa falhou e o "Estado Islâmico" ganha terreno, entre aqueles que nós não conseguimos acolher. Temos cada vez mais medo e estamos, infelizmente, cada vez mais próximos do drama de que os refugiados fogem. O melhor seria cortar o mal pela raíz e promover a união pela força, opondo-nos ao terror que se aproveita das brechas da nossa sociedade.

Hoje o ambiente é de guerra, de vazio e medo. Há uma metralhadora a cada virar de esquina, a tensão sente-se no ar e nas praças desertas, nos olhares dos poucos proprietários corajosos que resolveram abrir os seus cafés e agora fixam o infinito assustador, através das montras. "Eles conseguiram", não me sai da cabeça. Temos medo, temos terror, temos frio. A cidade parou. Molenbeek está no mesmo sítio, tal como a majestosa Grand Place, agora cercada por militares. As ruas e praças estão lá também, tristes e vazias. O Primeiro-Ministro veio pedir às pessoas que ficassem em casa, mas não tenho televisão e andei por aí, por isso só soube ao fim do dia.

O campo de refugiados do Hall Maximilian fechou, os serviços mínimos estão assegurados, há uma equipa que distribui sanduíches, roupas e cobertores do lado de fora. Quando lá cheguei, disseram-me para voltar para casa e esperar por atualizações, que estavam a tratar de tudo com um número reduzido de voluntários. Vamos lá ver como isto evolui.

Uma nova insegurança surgiu no meu pensamento: a de a situação se inverter. Já vários campos de refugiados foram alvos de atentados na Europa, às mãos de um extremismo xenófobo que usa o mesmo veículo para crescer. O medo. Mas não nos deixemos consumir por ele, só temos de nos proteger. Por agora fico em casa, a ver o que acontece.

Devemos estar preparados para o perigo de um crescimento da desconfiança e da xenofobia, sem perder motivação e energia. Se a inserção social dos refugiados já não parecia fácil no contexto da semana passada, neste momento, a dificuldade cresce a cada minuto de silêncio das ruas de Bruxelas.

Aproveitemos esta triste oportunidade para ponderar as políticas de integração. Os motivos de muitos dos jovens europeus que se juntam ao "Estado Islâmico" vão muito para além da religião, tal como me disse o marroquino do elétrico.

É então hoje, mais do que nunca, urgente pensar no que se vai fazer à gente que chega, aqui refugiada, à espera de uma vida. Agora evitamos a fome e protegemo-los do frio, amanhã vai ser preciso deixá-los juntar-se a nós e abrir portas para que encontrem o seu lugar no mundo. Manter a esperança de que Europa não é só sinónimo de paz frágil, mas também de pertença e de inclusão. De união.

Orgulhamo-nos das nossas liberdades e direitos, mas não queremos partilhá-las com quem não as tem. Acredito que não devemos subestimar o choque cultural, mas também que este, quando ultrapassado, nos tornará a todos mais ricos, mais sábios e cosmopolitas. Mais capazes e mais fortes, com mais vontade de preservar aquilo que é nosso. A nossa paz e harmonia é feita de pessoas que se sentem a fazer parte, de pessoas com casa, trabalho, vida e história. Pessoas resolvidas e incluídas. Que têm algo a perder.

 

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por Augusta Clara às 08:00

Segunda-feira, 23.11.15

O caos desce sobre a Europa - José Goulão

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José Goulão  O caos desce sobre a Europa

 

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       Olhemos para a Europa de hoje.

Estado de emergência em França pelo menos durante três meses, no país onde a privacidade dos cidadãos deixou de ser um direito fundamental e o chefe de Estado pretende alterar a Constituição invocando a versão mais recente da chamada “guerra contra o terrorismo”, formulação de péssima memória.

Instauração de comportamentos próprios de Estados policiais em vários países da União Europeia, assim se informando os terroristas de que os seus objectivos de intimidação se estendem bem para lá dos atentados, instalando-se pela coacção psicológica e através da atemorização imposta pelos meios ditos de resposta, estratégia em que o comportamento da comunicação oficial alinhada nada tem de inocente.

Reforço das tendências xenófobas, racistas e persecutórias contra minorias, cada vez mais agravadas, e a ritmo exponencial, pela chegada massiva de refugiados e o modo como é encarada pelos governos e respectivos megafones. Vaga de refugiados que chega dos países artificialmente desmantelados com a colaboração de dirigentes europeus e de onde brota também o terrorismo.

Multiplicação de muros e barreiras através do espaço europeu como parte do combate aos refugiados e reforço dos controlos de fronteiras ao compasso da falsa dicotomia entre segurança e serviços de espionagem, absolutizados estes em sintonia com os venenosos sound-bites que pregam a necessidade de um big brother para garantir “o nosso civilizado modo de vida”.

Institucionalização do revanchismo nazi com a cumplicidade da NATO, o que é evidente em países como a Estónia, a Letónia, a Ucrânia – onde o regime foi instalado com a cumplicidade da União Europeia – Hungria, Polónia, Eslováquia, Bósnia, Croácia, território do Kosovo, a par de ameaças concretas de se tornar poder em países como a França.

Desagregação irreversível da União Europeia, enredada na teia de erros impostos arbitrariamente para combater erros, tudo em defesa do austeritário neoliberalismo, da ditadura financeira e de uma moeda cruel num cenário generalizado de catástrofe social que as desumanas políticas governamentais aprofundam.

A lista de factos poderia continuar e está na mente e nas reais inquietações dos cidadãos. Esta é a Europa que temos, nas mãos de irresponsáveis insensíveis, robots tecnocráticos cujas políticas militaristas e de agressão, com recurso comprovado ao terrorismo, estão na origem do ricochete que vitima civis inocentes já de si inquietos com as limitações à sobrevivência num duro dia-a-dia.

Muitos dos poucos que conhecem a “teoria do caos” idealizada nos anos setenta pelo lobista israelita de nacionalidade norte-americana Leo Strauss, depois recriada e aplicada por Paul Wolfowitz, Cheney, Powell, Rumsfeld e outros membros do gang neoconservador, consideram-na o suprassumo da “teoria da conspiração”.

Acham irrelevante que Wolfowitz seja igualmente um lobista israelita de nacionalidade norte-americana; omitem que ele mesmo, como membro da administração Bush filho, ajudou a criar as condições para a invasão e desmantelamento do Iraque; não admitem que esta operação seja a fonte original do caos gerado no Médio Oriente, escorrendo agora para a Europa enquanto os Estados Unidos se barricam contra as consequências.

Recordando: a “teoria do caos” estabelece que nenhuma potência mundial pode ter condições para rivalizar com os Estados Unidos da América, devendo a União Europeia manter-se sob o controlo político, económico e militar norte-americano. Nem que, para tal, seja preciso nela instalar o caos.

No estado a que as coisas chegaram, porém, o menos importante é concluir se estamos ou não perante uma “teoria da conspiração”. Porque poucos terão dúvidas de que o caos desce sobre a Europa perante uma União Europeia em agonia. Os dirigentes europeus foram no engodo e, um após outro, engoliram todos os sucessivos iscos lançados por Reagan, Bushes, Clintons, Obama e demais padrinhos de Washington que daí lavam as suas mãos enquanto continuam a fingir que nada têm a ver com o Estado Islâmico, a Al-Qaida, al-Nusra e outras comunidades de assassinos a soldo onde também pode encontrar-se o dedo sangrento dos serviços secretos israelitas.

 

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por Augusta Clara às 17:30

Sexta-feira, 20.11.15

Terrorismo verbal - José Goulão

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José Goulão  Terrorismo verbal

 

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Mundo Cão, 19 de Nobembro de 2015

 

   O presidente dos Estados Unidos da América aconselha o presidente da Rússia a “focar-se” nos ataques ao Estado Islâmico, ou ISIS, ou Daesh, ou Al-Nusra ou Al-Qaida; o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, propôs que haja uma frente internacional contra o terrorismo.

Disseram-no com ar de grandes estadistas possuidores das soluções para os males do mundo.

Barack Obama queixoso pelo facto de as forças aéreas e navais russas actuando na Síria parecerem “mais preocupadas” em defender o regime de Assad, ao que diz sem poupar os alibis bonzinhos de Washington, Paris, Londres e NATO - a meia dúzia de terroristas “moderados” que servem de interface para abastecer com armas, munições e dólares os terroristas “extremistas”. “Moderação” em que deve confiar-se piamente, sobretudo sabendo que um dos principais fundadores operacionais do grupo foi o chefe em exercício do Estado Islâmico no Magrebe, Abdelhakim Belhadj.

Netanyahu, por seu lado, convencido de que o mundo não conhece a sua generosidade para com o Estado Islâmico ao ceder-lhe os Montes Golã – ocupados à Síria – como rectaguarda, ao facultar-lhe hospitais israelitas para cuidar os terroristas feridos com maior gravidade.

Procurei uma qualificação adequada à gravidade e à irresponsabilidade destas declarações de dois aliados, que se confessam unidos haja o que houver, e só encontro uma: terrorismo verbal. Porque as suas palavras não passam de manobras de diversão que desviam as atenções da essência do terrorismo; porque mentem sobre a realidade gerando propaganda que, em última análise, serve o terrorismo; porque pretendem fazer crer que estes dois seres nada têm a ver com os grupos sanguinários que fingem combater. Obama e Netanyahu aconselham soluções mas continuam a ser a parte essencial do problema.

As forças militares russas colaboram com as forças armadas sírias no combate ao terrorismo? Não existe outra maneira legal de o fazer nos termos da Carta da ONU. A Síria é um Estado soberano, não é um território neutro onde qualquer um pode fazer operações militares quando e como lhe apetece, muito menos invocando argumentos distorcidos. Como é o caso do Pentágono que directamente – agora com tropas no terreno – ou por interpostos terroristas afirma ter como objectivo combater simultaneamente o Estado Islâmico e Bachar Assad, patranha em que nem os autores acreditam porque sabem, melhor que ninguém, que o objectivo é mudar o regime sírio e desmantelar o país. Por isso a “guerra” que Washington e aliados têm alegadamente conduzido contra o Estado Islâmico há mais de um ano deixou os terroristas mais fortes, mais armados, mais endinheirados; à Rússia, porém, bastou pouco mais de um mês para destruir centenas de centros de comando e outros alvos estratégicos do Daesh, libertar aldeias, vilas e aeroportos, estando agora em vias de cortar o eixo terrestre que garante a ligação terrorista entre a Turquia e o Iraque. Até a França, a duras penas, é certo, parece entender que essa é a maneira certa e credível de combater os grupos mercenários, pelo menos tem-no feito nos últimos dias. Sem complexos de coordenar esforços com Moscovo, ou de que tais operações sustentem Assad, na verdade um dos ódios de estimação de Paris. Aliás, a nova opção francesa parece ser a mais eficaz e certeira. Porque, segundo fontes citadas pela imprensa dos Estados Unidos, o ataque gaulês contra o Estado Islâmico lançado no dia seguinte ao dos atentados de Paris, feito ainda em coordenação com sistemas de informações norte-americanos, destruiu várias clínicas e um museu na cidade de Raqqa como sendo assustadores alvos terroristas.

O Obama dos conselhos e acusações à Rússia é o mesmo que contribuiu para destruir a Líbia, que desencadeou a guerra civil na Síria com recurso a mercenários de todos os matizes, que tornou praticamente irreversível o desmantelamento do Iraque. E que agora, de braço dado com Netanyahu, tolera limpezas étnicas no norte do território sírio para criar aí um Estado curdo artificial que lhes garanta o controlo dos manás petrolíferos de uma região que se estende ao país que já se chamou Iraque.

Quanto a Netanyahu e aos seus apelos contra o terrorismo, não há que gastar muito espaço. O mundo sabe que o seu nome se tornou um sinónimo desse mesmo terrorismo.

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por Augusta Clara às 08:00

Terça-feira, 17.11.15

Perfil dum terrorista dos nossos dias - José Goulão

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José Goulão  Perfil dum terrorista dos nossos dias

 

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Recebendo homenagens do senador McCain, dos amigos americanos

 

Mundo Cão, 17 de Novembro de 2015

 

   As informações estão em poder da Interpol. Deitar-lhe a mão nestes tempos em que as leis e as fronteiras não são problema para assaltos a vidas, soberanias e privacidades, seria apenas uma questão de, digamos, “vontade política”, não é assim que costuma invocar-se? O seu paradeiro não é certamente segredo para a miríade de serviços secretos que apregoam defender “o nosso modo de vida”: é a Líbia, depois de tão bem democratizada pela NATO, onde ele exerce altos cargos políticos e operacionais no governo dominante, o mesmo que invoca para si próprio “o islamismo puro”.

Nome: Abdelhakim Belhadj. A história da sua vida dava um filme daqueles bem a gosto de Holywood, tanto mais que o seu currículo – em poder da Interpol, repito – corresponde às imagens dos rambos de séries A, B ou C cujos feitos heróicos coincidem com as vontades objectivas dos Estados Unidos e de Israel, países onde os fins e os agentes escolhidos para os executar justificam quaisquer meios e o recurso a psicopatas sanguinários.

Sabe a Interpol que Abdelhakim Belhadj é, no presente, o chefe do Estado Islâmico, ou ISIS ou Daesh, no Magrebe e que, operacionalmente, criou e orienta campos de treino de mercenários assassinos na Líbia, concretamente em Derna, Syrte e Sebrata, além de um escritório do ISIS em Djerba, na Tunísia.

Antes disto, Belhadj chefiou os terroristas do Grupo Islâmico Combatente na Líbia (GICL), que em 2007 mudou de nome para Al-Qaida, mais sintonizado com os tempos. Por quatro vezes, entre 1995 e 1998, tentou assassinar Khadaffi a mando do MI6, os serviços secretos ao serviço do terrorismo de Estado britânico. Perseguido na Líbia mudou-se para o Afeganistão, onde se instalou e agiu ao lado de Ussama bin-Laden, o qual dispensa apresentações.

Como a polícia espanhola suspeita de que foi um dos mandantes do atentado ferroviário em Madrid Atocha, em Março de 2004, foi detido logo a seguir na Malásia. Como se percebe, não terá sido difícil identificá-lo e prendê-lo, porque meia dúzia de dias e milhares de quilómetros mediaram entre crime e captura. Passou então maus bocados numa prisão secreta da CIA para onde foi transferido e onde ficou alojado para experimentar as famosas técnicas de tortura – “condicionamento de comportamento”, chamam-lhe nos Estados Unidos – do professor Seligman, métodos de cujas provas a CIA tentou desesperadamente impedir a divulgação.

Abdelhakim Belhadj restabeleceu-se depressa: para ele não se seguiram penas eternas no campo de concentração de Guantanamo, também ele eterno se a este Obama se sucederem outros obamas, coisa mais do que provável. É verdade que ainda foi extraditado para a Líbia, através de um acordo entre os Estados Unidos e o regime de Khadaffi, onde voltou a ser torturado, dessa feita às mãos do MI6 que antes servira. Nestas coisas, a CIA e a sua irmã MI6 são muito ciosas, separam as águas, cada uma quer fazer a sua tarefa ainda que repetindo-se.

Khadaffi libertou-o em 2010, no quadro de uma “reconciliação nacional”, e mal teve tempo para se arrepender. Abdelhakim Belhadj viajou para o Qatar e no ano seguinte estava à frente de grupos de mercenários que, ao lado e protegidos pelos bombardeamentos da NATO – França e Reino Unido, principalmente – derrubaram e assassinaram Khadaffi. Como recompensa pelos serviços prestados, e por recomendação na NATO, o Conselho de Transição nomeou-o governador militar de Tripoli, a capital.

Belhadj não aqueceu o lugar. Ainda teve tempo, porém, para exigir e obter desculpas dos Estados Unidos e do Reino Unido pelas sevícias sofridas noutros tempos, e o que lá ia lá foi. Outras tarefas estratégicas o aguardavam. Partiu em finais de 2011 para a Síria, onde foi um dos principais fundadores do Exército Livre da Síria, os famosos “moderados” tão queridos da senhora Clinton, da NATO, da União Europeia - com destaque para a França - e dos regimes fundamentalistas do Golfo, Arábia Saudita à cabeça. O objectivo era derrubar Assad, mas Assad resiste e já lá vão mais de 250 mil mortos, milhões de refugiados e um país destroçado, massacre cujas responsabilidades nenhum intervencionista ilegal e ilegítimo assume.

Sempre sem perder tempo, Abdelhakim Belhadj regressou à Líbia natal, onde fundou um partido governante, a maneira que encontrou, num cenário de caos, para instalar os terroristas islâmicos no poder em Tripoli.

Na qualidade de figura de proa na Líbia, provavelmente já na posição de chefe do Estado Islâmico no Magrebe, que a Interpol reconhece, Abdelhakim Belhadj foi recebido em 2 de Maio de 2014 no Ministério dos Negócios Estrangeiros em Paris, tutelado por Laurent Fabius, ministro de Hollande e também um incondicional amigo de Israel.

Laurent Fabius, exactamente: que é ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros de Hollande nestes dias em que continuam a sangrar as feridas abertas pelo assalto às vidas dos parisienses, ao que dizem cometido pela organização de que Abdelhakim Belhadj é um dos chefes máximos.

As informações sobre este terrorista-modelo dos nossos dias e o seu currículo estão nas mãos da Interpol. “Estamos em guerra”, proclama o presidente Hollande com os acenos concordantes do chefe da sua diplomacia. Vamos então esperar pelo que se segue, para ver o que acontece.

 

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por Augusta Clara às 15:00



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