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Jardim das Delícias


Sexta-feira, 29.09.17

A Catalunha e os fantasmas de Espanha - José Goulão

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José Goulão  A Catalunha e os fantasmas de Espanha

 

 

Em síntese: a chamada transição para a democracia foi viciada através da reactivação abusiva da monarquia, regime rejeitado em referendo pelos povos de Espanha.

 

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O ditador fascista Francisco Franco, ao centro

 

 

abrilabril, 28 de Setembro de 2017

 

   A violência discricionária de Madrid e a chantagem de Bruxelas, fomentando todo um indisfarçável ambiente de condenação, desde os governos da União Europeia à NATO, são as respostas autistas à intenção das legítimas instituições democráticas catalãs de auscultar o povo sobre a independência da Catalunha, velha, culta e personalizada nação europeia.

O comportamento do governo de Madrid, invocando a autoridade do Estado Espanhol e as normas de uma Constituição que nunca deixou de ser transitória e contrária às vontades em seu tempo manifestadas pelos povos de Espanha, não é surpreendente e está dentro da lógica anacrónica de Rajoy e companhia. Estes não passam de neofranquistas aproveitando-se do facto de a transição política de 1975/1976 e a Constituição dela decorrente serem orientadas pela necessidade de salvaguardar o essencial dos interesses franquistas e da monarquia, embora sob uma capa democrática, perante as urgências suscitadas por dois acontecimentos que desaconselhavam a inércia: a morte de Franco e a revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974.

O franquismo assumiu, por isso, as rédeas da transição fazendo o rei Juan Carlos suceder a Franco assim que este morreu e, com excepção de poucos, incipientes e colaboracionistas intervalos assegurados depois por «terceiras vias» socialistas, mantém-se à frente do Estado, chame-se o presidente do governo Aznar ou Rajoy e o Bourbon de turno Juan Carlos ou Felipe.

Em síntese: a chamada transição para a democracia foi viciada através da reactivação abusiva da monarquia, regime rejeitado em referendo pelos povos de Espanha.

É importante notar, contudo, o empenhamento da União Europeia em travar a simples manifestação democrática de opinião do povo da Catalunha sobre a independência ou não independência. Uma animosidade que teve como sonoro porta-voz o anterior presidente da Comissão, Durão Barroso – ou não fora ele um confrade de Aznar no lançamento da guerra para desmantelamento do Iraque – e que prossegue nas atitudes dos actuais dirigentes.

Apenas por pura ingenuidade poderíamos admitir que figuras como Juncker, Draghi, Mogherini, Georgieva, Dombrowskis, Tusk, Moedas e outros que tais conhecem a história europeia e a importância que nela tem a secular nação catalã, sobretudo quando comparada com Estados de conveniência brotando como cogumelos, aqui e ali, consoante os interesses que determinam o que deve acontecer no continente.

Os tecnocratas citados comportam-se como se a história do velho continente se resumisse às ordens, estatísticas, gráficos e powerpoints que recebem das entidades e interesses que lucram com a existência da União Europeia, a qual tem tanto a ver com a história da Europa como as fábulas difundidas a propósito das intenções atribuídas aos «pais fundadores».

Nessa sabedoria dos eurocratas não cabem, como é óbvio, as razões de ser do que acontece na Catalunha nem o respeito pela vontade dos catalães, ainda que manifestada livremente e através do voto democrático. Pelo contrário, Bruxelas apoia sem rebuço o governo de Madrid quando este viola princípios elementares do Estado de direito para impedir que os cidadãos catalães se pronunciem democraticamente sobre o seu futuro.

Esta União Europeia, no entanto, é a mesma que não teve qualquer hesitação em acolher no seu regaço, apressadamente, sem rigor nem exigências impostas a outros Estados membros, nações separatistas como a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Eslovénia, a Croácia; uma União Europeia que não se privou de, à boleia da NATO, sujar as mãos com sangue de centenas de milhares de inocentes para esfrangalhar a Jugoslávia e criar uma ninhada de Estados, alguns deles aberrações que não passam de simples protectorados sob tutela de exércitos estrangeiros, como são os casos da Bósnia-Herzegovina, do Kosovo ou do Montenegro.

É verdade que estes territórios têm as suas histórias próprias, as suas culturas intrínsecas integradas no todo Europeu; sendo assim, o que dizer então da ancestral Catalunha, da sua essência nacional, da sua riqueza histórica e cultural, da coragem e da capacidade de realização do seu povo?

«Espanha tem pela frente o confronto com os efeitos da bomba de relógio montada há 40 anos por via de um processo de transição egoísta e egocentrista, falso e politicamente desonesto, procurando instaurar um franquismo "renovado" através da imposição autocrática de uma monarquia que fora rejeitada pelo povo.»

O que está em causa, portanto, não é o direito dos povos a terem os seus Estados, a poderem decidir sobre as suas dependências e independências. O que ressalta à vista, de maneira flagrante, é que as entidades com poder de decisão à escala supranacional, neste caso a União Europeia e a NATO, espezinham os princípios pelos quais dizem guiar-se e recorrem à pura e simples arbitrariedade quando lhes convém, negando hoje as certezas em nome das quais ontem até promoveram guerras.

Ora desfazem a Líbia, segmentam o Iraque, esfacelam a Síria, como desmembraram a Jugoslávia – sem curarem de proteger os seres humanos das consequências dos seus actos, nem precaverem o futuro daqueles que ainda o têm – ora recorrem a pressões, sanções e chantagens para impedir o acesso à independência de velhas e históricas nações como são a Catalunha, a Escócia ou o País Basco.

Os contornos do frente-a-frente entre Madrid e Barcelona são bem conhecidos, mas podem atingir agora proporções que ameaçam ressuscitar velhos fantasmas em Espanha, como sempre devido à intransigência e à violência do poder central.

A invocação da Constituição é, em Rajoy e na casa real, a versão moderna do argumentário unificador dos reis católicos, em fins do século XV, continuado por Franco no seu interregno de monarquia com rei entre parêntesis, e reassumido através das habilidades da transição para garantia da sobrevivência do Estado unificado, então envernizado com a democracia e autonomias que não conseguem convencer os «autonomizados».

Pelo meio ficou muito daquilo que dá razão à Catalunha e torna inquestionável a essência de tendências centrífugas de novo vivas em Espanha: continuar o processo sufragado pelos espanhóis nos anos trinta e que foi abruptamente interrompido pela sangrenta irrupção fascista. 

No referendo de 1931 os espanhóis decidiram-se pela república e abriram as portas para que as nações aglutinadas sob a designação de Espanha decidissem elas mesmas sobre os rumos a tomar. Contudo, para restaurar a democracia depois da inquisição franquista, em 1976, instituições e dirigentes não eleitos impuseram-lhes a monarquia como se nada tivesse acontecido – e não se fala mais nisso.

Os franquistas que habilidosa e oportunisticamente assumiram o processo de transição em 1975, de mãos dadas com o rei, com as costas protegidas pelo intocado aparelho repressor militar franquista, e sempre com a bênção da reaccionária hierarquia católica, fizeram de conta que a vontade legitimamente manifestada pelos espanhóis antes do golpe e da guerra civil perdera validade; e proclamaram hipocritamente a restauração plena da monarquia como uma garantia de paz, estabilidade, unidade e democracia.

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É contra este imobilismo anacrónico da trindade rei, pátria e igreja católica que a Catalunha se vem movimentando, tentando retomar o fio à história sem golpes nem violência, apenas através do uso do voto pelos seus cidadãos em referendo decidido pelo Parlamento Autonómico, livre e democraticamente eleito.

Madrid responde procurando eternizar os efeitos do golpe franquista, recorrendo à violência numa escalada provocatória muito bem conhecida e ainda presente na memória de tantos espanhóis, demonstrando que, ao-fim-e-ao-cabo, os interesses por detrás de Rajoy são os mesmos que o Caudillo servia. Uma agressão irresponsável, que provoca reacções do mesmo tipo onde, antes disso, havia mecanismos democráticos em funcionamento e uma sociedade interrogando-se legitimamente sobre a necessidade de mudar, ou não, de rumo.

Na paralela guerra da propaganda nota-se que muitas vezes se agita, de maneira falaciosa, o argumento segundo o qual o processo de consulta popular é um instrumento monopolizado pela direita nacionalista, interpretação objectivamente falsa porque as correntes políticas que apoiam a convocatória, ou não se lhe opõem, percorrem todo o espectro político catalão.

De qualquer modo, achar que existe um pecado original na circunstância de o governo autonómico em funções ser oriundo da direita nacionalista é o mesmo que ilegitimar a restauração da independência portuguesa porque os conjurados, interpretando, sem dúvida, a vontade do povo, eram os Bragança e outros aristocratas, provavelmente muito mais interessados em fazer luzir os seus títulos e interesses de casta do que preocupados com o sofrimento do povo sob o domínio estrangeiro.

«Impedir a realização do referendo, ou declarar a sua nulidade, nunca serão vitórias definitivas do governo de Madrid, mas apenas obstáculos transitórios e traumáticos»

Percebe-se a inquietação dos sectores centralistas espanhóis com a situação na Catalunha. Os acontecimentos actuais desenvolvem-se em território catalão, mas este não é estanque; ali bem perto, na vizinhança e sempre com mil cuidados, outra velha nação, o País Basco, está madura para dar o mesmo passo – também à luz do regresso ao caminho da história, que Guernica relembra inapelavelmente.

Perante a dramática degeneração do conflito ouvem-se apelos frequentes que esbarram em impossibilidades enquistadas: a Madrid pede-se a serenidade, a capacidade de diálogo democrático e o bom senso que Madrid não tem; a Barcelona pede-se o recuo no referendo, quando este é um percurso histórico conscientemente assumido, e com décadas de atraso, que Barcelona não quer abandonar.

Para já, a opção repressiva adoptada pelos sectores centralistas de Madrid pode suscitar um clima de violência de tal modo generalizado que será capaz de acordar velhos e assustadores fantasmas em toda a Espanha, mesmo os mais adormecidos. Impedir a realização do referendo, ou declarar a sua nulidade, nunca serão vitórias definitivas do governo de Madrid, mas apenas obstáculos transitórios e traumáticos – com repercussões no presente e no futuro – num caminho que os catalães já decidiram percorrer.

Além disso, a política autista e trauliteira de Madrid terá como consequência o reforço da mobilização da Catalunha e a intensificação dos esforços para que a questão da independência passe a dominar toda a agenda dos assuntos políticos espanhóis, situação que acabará por se virar contra o governo central e mergulhará o país numa crise de identidade que terá de ser resolvida.

Espanha tem pela frente o confronto com os efeitos da bomba de relógio montada há 40 anos por via de um processo de transição egoísta e egocentrista, falso e politicamente desonesto, procurando instaurar um franquismo «renovado» através da imposição autocrática de uma monarquia que fora rejeitada pelo povo.

Os mentores da transição consumaram a parte política do golpe de Franco em 1936 – liquidar a república – e chamaram democracia a esta manobra. Nenhum país vive em paz e para sempre sob os efeitos de uma mentira com esta envergadura. Com a agravante de a casa real ser um dispositivo luxuoso, provocatório e comprovadamente corrupto.

Pelo que, além das movimentações secessionistas que se registam em nações de Espanha, e não apenas na Catalunha, o que está globalmente em causa, por detrás do clima de degeneração político-policial entre Barcelona e Madrid, continua a ser o confisco da legitimidade aos povos de Espanha quando estes proclamaram a república.

Fizeram-no em referendo, no ano distante de 1931; percebe-se, portanto, por que o centralismo madrileno nem quer ouvir falar em consulta popular que evoque esse tempo histórico, ainda que indirectamente. Porém, fugir ao problema, tal como soltar as hordas fascistas, como fez Franco, não é solução. Ele continua a existir e a assombrar.

Nada mais natural, neste ambiente, que os fantasmas supostamente enterrados com as centenas de milhares de vítimas da guerra civil só sosseguem quando o país regressar aos caminhos históricos legitimamente definidos.

Espanha enfrenta uma hora de grandes e indispensáveis decisões, que apenas foi conseguindo adiar iludindo-se com uma estratégia que tem prazo de validade – mesmo que não inscrito em qualquer rótulo.

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por Augusta Clara às 16:15

Sábado, 29.07.17

Em defesa da Venezuela - Boaventura Sousa Santos

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Boaventura Sousa Santos  Em defesa da Venezuela

 

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Público, 29 de Julho de 2017

 

Estou chocado com a parcialidade da comunicação social europeia, incluindo a portuguesa, sobre a crise da Venezuela.

 

   A Venezuela vive um dos momentos mais críticos da sua história. Acompanho crítica e solidariamente a revolução bolivariana desde o início. As conquistas sociais das últimas duas décadas são indiscutíveis. Para o provar basta consultar o relatório da ONU de 2016 sobre a evolução do índice de desenvolvimento humano. Diz o relatório: “O índice de desenvolvimento humano (IDH) da Venezuela em 2015 foi de 0.767 — o que colocou o país na categoria de elevado desenvolvimento humano —, posicionando-o em 71.º de entre 188 países e territórios. Tal classificação é partilhada com a Turquia.” De 1990 a 2015, o IDH da Venezuela aumentou de 0.634 para 0.767, um aumento de 20.9%. Entre 1990 e 2015, a esperança de vida ao nascer subiu 4,6 anos, o período médio de escolaridade aumentou 4,8 anos e os anos de escolaridade média geral aumentaram 3,8 anos. O rendimento nacional bruto (RNB) per capita aumentou cerca de 5,4% entre 1990 e 2015. De notar que estes progressos foram obtidos em democracia, apenas momentaneamente interrompida pela tentativa de golpe de Estado em 2002 protagonizada pela oposição com o apoio ativo dos EUA.

A morte prematura de Hugo Chávez em 2013 e a queda do preço do petróleo em 2014 causou um abalo profundo nos processos de transformação social então em curso. A liderança carismática de Chávez não tinha sucessor, a vitória de Nicolás Maduro nas eleições que se seguiram foi por escassa margem, o novo Presidente não estava preparado para tão complexas tarefas de governo e a oposição (internamente muito dividida) sentiu que o seu momento tinha chegado, no que foi, mais uma vez, apoiada pelos EUA, sobretudo quando em 2015 e de novo em 2017 o Presidente Obama considerou a Venezuela como uma "ameaça à segurança nacional dos EUA", uma declaração que muita gente considerou exagerada, se não mesmo ridícula, mas que, como explico adiante, tinha toda a lógica (do ponto de vista dos EUA, claro). A situação foi-se deteriorando até que, em dezembro de 2015, a oposição conquistou a maioria na Assembleia Nacional. O Tribunal Supremo suspendeu quatro deputados por alegada fraude eleitoral, a Assembleia Nacional desobedeceu, e a partir daí a confrontação institucional agravou-se e foi progressivamente alastrando para a rua, alimentada também pela grave crise económica e de abastecimentos que entretanto explodiu. Mais de cem mortos, uma situação caótica. Entretanto, o Presidente Maduro tomou a iniciativa de convocar uma Assembleia Constituinte (AC) para o dia 30 de Julho e os EUA ameaçam com mais sanções se as eleições ocorrerem. É sabido que esta iniciativa visa ultrapassar a obstrução da Assembleia Nacional dominada pela oposição.

Em 26 de maio passado assinei um manifesto elaborado por intelectuais e políticos venezuelanos de várias tendências políticas, apelando aos partidos e grupos sociais em confronto para parar a violência nas ruas e iniciar um debate que permitisse uma saída não violenta, democrática e sem ingerência dos EUA. Decidi então não voltar a pronunciar-me sobre a crise venezuelana. Por que o faço hoje? Porque estou chocado com a parcialidade da comunicação social europeia, incluindo a portuguesa, sobre a crise da Venezuela, um enviesamento que recorre a todos os meios para demonizar um governo legitimamente eleito, atiçar o incêndio social e político e legitimar uma intervenção estrangeira de consequências incalculáveis. A imprensa espanhola vai ao ponto de embarcar na pós-verdade, difundindo notícias falsas a respeito da posição do Governo português. Pronuncio-me animado pelo bom senso e equilíbrio que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, tem revelado sobre este tema. A história recente diz-nos que as sanções económicas afetam mais os cidadãos inocentes que os governos. Basta recordar as mais de 500.000 crianças que, segundo o relatório da ONU de 1995, morreram no Iraque em resultado das sanções impostas depois da guerra do Golfo Pérsico. Lembremos também que vive na Venezuela meio milhão de portugueses ou lusodescendentes. A história recente também nos diz que nenhuma democracia sai fortalecida de uma intervenção estrangeira.

Os desacertos de um governo democrático resolvem-se por via democrática, e ela será tanto mais consistente quanto menos interferência externa sofrer. O governo da revolução bolivariana é democraticamente legítimo e ao longo de muitas eleições nos últimos 20 anos nunca deu sinais de não respeitar os resultados destas. Perdeu várias e pode perder a próxima, e só será de criticar se não respeitar os resultados. Mas não se pode negar que o Presidente Maduro tem legitimidade constitucional para convocar a Assembleia Constituinte. Claro que os venezuelanos (incluindo muitos chavistas críticos) podem legitimamente questionar a sua oportunidade, sobretudo tendo em mente que dispõem da Constituição de 1999, promovida pelo Presidente Chávez, e têm meios democráticos para manifestar esse questionamento no próximo domingo. Mas nada disso justifica o clima insurrecional que a oposição radicalizou nas últimas semanas e que tem por objetivo, não corrigir os erros da revolução bolivariana, mas sim pôr-lhe fim e impor as receitas neoliberais (como está a acontecer no Brasil e na Argentina), com tudo o que isso significará para as maiorias pobres da Venezuela. O que deve preocupar os democratas, embora tal não preocupe os media globais que já tomaram partido pela oposição, é o modo como estão a ser selecionados os candidatos. Se, como se suspeita, os aparelhos burocráticos do partido do governo sequestrarem o impulso participativo das classes populares, o objetivo da AC de ampliar democraticamente a força política da base social de apoio à revolução terá sido frustrado.

Para compreendermos por que provavelmente não haverá saída não violenta para a crise da Venezuela temos de saber o que está em causa no plano geoestratégico global. O que está em causa são as maiores reservas de petróleo do mundo existentes na Venezuela. Para os EUA, é crucial para o seu domínio global manter o controlo das reservas de petróleo do mundo. Qualquer país, por mais democrático, que tenha este recurso estratégico e não o torne acessível às multinacionais petrolíferas, na maioria, norte-americanas, põe-se na mira de uma intervenção imperial. A ameaça à segurança nacional, de que fala o Presidente dos EUA, não está sequer apenas no acesso ao petróleo, está sobretudo no facto de o comércio mundial do petróleo ser denominado em dólares, o verdadeiro núcleo do poder dos EUA, já que nenhum outro país tem o privilégio de imprimir as notas que bem entender sem isso afetar significativamente o seu valor monetário. Foi por esta razão que o Iraque foi invadido e o Médio Oriente e a Líbia arrasados (neste último caso, com a cumplicidade ativa da França de Sarkozy). Pela mesma razão, houve ingerência, hoje documentada, na crise brasileira, pois a exploração do petróleo do pré-sal estava nas mãos dos brasileiros. Pela mesma razão, o Irão voltou a estar em perigo. Pela mesma razão, a revolução bolivariana tem de cair sem ter tido a oportunidade de corrigir democraticamente os graves erros que os seus dirigentes cometeram nos últimos anos. Sem ingerência externa, estou seguro de que a Venezuela saberia encontrar uma solução não violenta e democrática. Infelizmente, o que está no terreno é usar todos os meios para virar os pobres contra o chavismo, a base social da revolução bolivariana e os que mais beneficiaram com ela. E, concomitantemente com isso, provocar uma ruptura nas Forças Armadas e um consequente golpe militar que deponha Maduro. A política externa da Europa (se de tal se pode falar) podia ser uma força moderadora se, entretanto, não tivesse perdido a alma.

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por Augusta Clara às 17:27

Quarta-feira, 29.06.16

O Senhor Erdogan e os sarilhos que ele provoca - António Ribeiro

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António Ribeiro  O Senhor Erdogan e os sarilhos que ele provoca

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   Não, meu caros, eu não defendi o terrorismo como instrumento político, a propósito do Presidente Erdogan, que classifiquei como "islamo-fascista". Porque é disso que se trata; e os problemas que a sua ideologia política e religiosa coloca aos Europeus - a existência de um islamismo autoritário que fica apenas ligeiramente aquém dos exegetas do Corão e dos adeptos da Sharia - são imensos!

O Estado Turco tem quase oitenta milhões de pessoas, das quais cerca de 15 milhões são Curdos. Só os curdos-turcos são mais 50 por cento do que os Portugueses europeus! Concentram-se sobretudo no Sudeste da península da Anatólia (a parte asiática da Turquia). Acontece que o resto da Nação Curda está em parte na Síria e também no Norte do Iraque (e tem franjas em países limítrofes). De Mossul e Al-Raqqa, Síria Setentrional e até à Turquia tudo é Curdistão, uma nação e um povo de guerreiros que lutam legitimamente pela sua independência. A queda do decrépito Império Otomano, no final da Primeira Grande Guerra, permitiu ao imperialismo ocidental redesenhar os mapas da região e consagrar fronteiras que não correspondiam às realidades nacionais e culturais. Isso foi feito em torno (e por causa) dos então emergentes interesses petrolíferos, que ainda hoje envenenam toda a região. Foi neste contexto que nasceu o actual "Iraque", nos bíblicos deltas do Tigre e do Eufrates, a Mesopotâmia antiga do Velho Testamento.

| Foi nessa época que um arménio astuto, o Sr. Calouste Sarkis Gulbenkian, cuja família conseguiu escapar aos vários genocídios do início do século passado (que os Turcos negam ter existido, mas que o Papa Francisco já validou como tal), conseguiu construir o seu imenso império petrolífero, ora em disputa, ora em colaboração, com a British Petroleum (BP), de cujos frutos hoje tanto beneficiamos, em termos culturais e científicos, com a Fundação Gulbenkian, que os acasos da História e a sageza de Salazar atraíram para Portugal. |

O presidente Necip Erdogan tem um projecto para a Turquia: destruir paulatinamente a laicidade do país e impor-lhe um regime baseado numa visão musculada do Islão. Por enquanto sem "sharia", mas as dinâmicas que ele cria podem degenerar nisso.

O Ocidente devia apostar mais nos curdos e não apenas servir-se deles quando lhe convém. Um Curdistão independente permitiria conter a Turquia e federar franjas do Norte da Síria e o Norte do Iraque onde a ausência de um tal "Estado" foi aproveitada pelos radicais para "fundarem" o famigerado ISIS que tanto nos apoquenta.

É neste "caldo" de circunstâncias maçadoras e infelizes que escrevi, e com muita honra, que esta Turquia, que tanto queria ser "europeia", pretensão que há dez anos eu ainda apoiava, que Erdogan é o grande problema e o grande obstáculo e que me é rigorosamente indiferente a sua sorte e a do seu partido de regime.

Ele é um canalha que começou por apoiar o chamado "estado islâmico", porque o ISIS combatia os "seus" curdos, para agora, a troco de dinheiro, vir dizer-nos que o combate, em aliança com Bruxelas e os Americanos. Pura hipocrisia! Ele só pensa no Islão e nos interesses do seu partido. Tendo suporte eleitoral para alcançar maiorias absolutas, como tem tido, ele desmerece a Europa e não pode almejar à integração.

Como podemos aceitar um país na UE que fez regredir as mulheres para o estatuto de há muitas décadas? Uma mulher turca andava há vinte anos pelas ruas de Istambul de cabeça inteiramente destapada e em trajes ocidentais, mas hoje sente-se coagida a vestir o hijab, sob pena de ser desconsiderada socialmente e apelidada de "puta". Essa é a obra do Sr. Erdogan. E por isso, não obstante algumas vítimas "colaterais", não consigo ser excessivamente piedoso com as desgraças que lhe acontecem, como a desta terça-feira. Claro que lamento a má-sorte das vítimas, mas temos de contextualizar e de entender as razões profundas disto. Ele só está a provar do seu próprio veneno, não deve ser validado por Bruxelas e todos ganharíamos se o varressem do mapa!

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por Augusta Clara às 18:00

Terça-feira, 02.02.16

O reino da Dinamarca está podre. O resto da Europa também - José Vítor Malheiros

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José Vítor Malheiros  O reino da Dinamarca está podre. O resto da Europa também

 

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Uma Europa indiferente ao sofrimento não é o lugar da cultura mas o lugar da barbárie.

 

Público, 2 de Fevereiro de 2016

 

   No fundo, sabemos há muito que é assim, mas tentámos - nós, os europeístas do coração e da cabeça, os que sempre nos sentimos herdeiros e cidadãos de uma Europa plural e sem fronteiras, os que sonhámos uma Europa humanista de justiça, de cultura e progresso - encontrar razões para acreditar numa alternativa, numa reviravolta, numa crise de consciência, num renascimento. Mas a crise das dívidas soberanas primeiro e a crise dos refugiados depois tornou tudo mais claro, mais brutal, mais simples, e apagou qualquer réstea que pudesse haver de esperança.

A União Europeia (podia dizer, como digo muitas vezes, “esta” União Europeia, mas não vale a pena continuar a alimentar a ilusão de que “esta” União Europeia se pode transformar em “outra” União Europeia, pela simples razão de que não existe nenhuma liderança política que assuma claramente e com coragem que defende uma agenda radicalmente diferente para a UE) não representa a Europa dos valores e dos direitos humanos que sonhámos, nem a Europa do bem-estar para todos que ambicionámos. Nem para nós, portugueses, nem para os gregos, nem para os milhões de desgraçados que a ela tentam aceder para fugir da guerra, das violações, da tortura, da fome, da miséria. E, se a União Europeia não serve nem as necessidades do espírito nem as do corpo, se em vez de se ser uma referência de humanidade e um contributo para a paz volta a ser, como foi durante o século XX, o exemplo da desumanidade, o facho da hipocrisia e da desigualdade, se volta a fechar os olhos aos crimes que se cometem à frente dos seus olhos, não merece sobreviver, não deve sobreviver.

Independentemente do número de bibliotecas, de universidades e de orquestras que possa possuir, uma Europa indiferente ao sofrimento não é o lugar da cultura mas o lugar da barbárie. Uma Europa egoísta e classista, uma Europa de castas e de privilégios não é a Europa das Luzes nem da democracia. É uma Europa de mercadores e de mercenários que deve ser recusada e combatida.

Uma União Europeia que, perante um gigantesco problema humanitário, causado por guerras que ela própria patrocinou por subserviência cega às forças mais reaccionárias dos Estados Unidos, sem saber bem no que se estava a meter ou apenas para que as suas empresas de armamento pudessem aumentar a facturação, decide fechar as portas da cidade e aumentar o volume da música para não ouvir os gritos do outro lado das muralhas é uma Europa que nos avilta.

Como classificar a decisão da Dinamarca de confiscar bens aos refugiados que perderam tudo menos a vida? Que palavras se podem usar para classificar esta infâmia? Como o permitiria a UE se tivesse uma réstia de dignidade? Como classificar a prática de uma empresa de segurança britânica de pintar de vermelho as portas das casas onde vivem refugiados? Ou as múltiplas medidas e declarações xenófobas de políticos europeus que não são apenas oriundos da extrema-direita?

A União Europeia, como sempre faz, começou por enterrar a cabeça na areia para ver se o problema desaparecia por magia. E, quando o problema se intensificou, não só foi absolutamente incapaz de definir uma estratégia continental para o resolver - que não poderia passar apenas pelo acolhimento dos que fogem mas deveria incluir também uma estratégia internacional para solucionar o problema na sua origem - como decidiu responsabilizar os países situados na fronteira europeia. A Grécia foi acusada de ser a causa do problema, de não controlar as suas fronteiras, de deixar entrar demasiados refugiados, de não ser a guardiã de Schengen que os tratados exigem.

A posição de Bruxelas em relação à Grécia é simples e clara: a Grécia deve evitar a entrada de mais refugiados usando todos os meios possíveis. Todos? Disparar sobre os refugiados, bombardear os seus barcos, afogar todas as crianças? Bruxelas não o diz com esta clareza mas os eufemismos da burocracia não deixam margem para dúvidas. Bruxelas quer uma solução final para o problema dos refugiados.

E nós, cidadãos desta União Europeia? O que dizemos? Vamos continuar a tolerar o totalitarismo e a desumanidade da União Europeia?

 

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por Augusta Clara às 12:30

Sexta-feira, 06.11.15

O apartheid do europeísmo - José Goulão

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José Goulão  O apartheid do europeísmo

 

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   Mundo Cão, 5 de Novembro de 2015

 

   Ser ou não ser europeísta, eis a questão brandida como o mais recente método de apartheid político, espécie de segregação entre os “bons” que se ajoelham perante Bruxelas e os “maus” para quem a democracia ainda significa o respeito pelo que a maioria dos cidadãos decidem. Um apartheid que serve para estabelecer quem não deve participar em governos dos Estados membros, ainda que faça parte das preferências dos eleitores, em nome de compromissos internacionais, a maioria deles assumidos sem qualquer consulta aos cidadãos, outros ainda nem sequer concluídos, como é a malfeitoria internacional conhecida por TTIP, ou tratado transatlântico, a mais recente via de submissão da União Europeia aos Estados Unidos da América.

Europeísmo, é bom lembrá-lo em primeiro lugar, não funciona como antítese de nacionalismo. O contrário do europeísmo, tal como o conhecemos e funciona, é o conceito democrático de soberania, o exercício da vontade dos povos em defesa dos seus interesses através de consultas nacionais. O europeísmo centralista, como sabemos, não se rege por consultas populares, a não ser para um Parlamento Europeu que age como uma caricatura de qualquer afirmação plena da soberania, porque os seus poderes são limitados e altamente filtrados.

As décadas de vigência de europeísmo são suficientes para demonstrar que este é uma aberração desde o início, por muito que hoje ainda haja gente, alguma até bem-intencionada, que mitifique os supostos ideais dos “pais fundadores”.

Ideais que não foram além da criação de uma entidade económica e política implantada na guerra-fria para florescimento de impérios económicos e sorvedouros financeiros seguros pelo aparelho da NATO, entidade essa que, terminada a guerra-fria, se assumiu como um polo fundamental da mistificação da democracia ao serviço do autoritarismo neoliberal.

Note-se que os “pais fundadores” agitavam a mítica construção dos “Estados Unidos da Europa”, que tem hoje correspondência nas tendências “federalistas”. Nada mais anacrónico e afectado por interpretações oportunistas da História. Segundo essas correntes, a Europa milenar e espelhada num mosaico de Estados-nação profundamente enraizados deveria adoptar um modelo que ainda não tem 250 anos, montado através de artifícios em que os Estados não correspondem a nações e não passam de ficções ditadas por conveniências de descentralização administrativa e interesses de castas económicas com inspiração feudal.

Hoje em dia, o europeísmo não passa de uma submissão dos governos dos Estados membros a um edifício de mecanismos que transferem para Bruxelas os instrumentos fundamentais nos quais assenta a soberania dos povos e que condicionam – ou até subvertem – as vontades dos cidadãos manifestadas em eleições livres.

O caso mais flagrante e cada vez mais exposto perante as pessoas, apesar das fintas da propaganda, de desinformação que o envolve e da ausência de debate com que foi institucionalizado, é o do Tratado Orçamental – a arma preferida dos tecnocratas de Bruxelas e respectivos patrões financeiros e económicos.

O Tratado Orçamental retira aos governos e parlamentos dos Estados membros a capacidade de decidirem sobre os respectivos orçamentos de Estado, os quais, como se sabe, definem não apenas os caminhos da prática económica mas também a política geral, isto é, a vida dos povos.

Poucos instrumentos deveriam corresponder de maneira intrínseca à soberania popular como os orçamentos de Estado. Hoje em dia, porém, todos os orçamentos são fiscalizados em Bruxelas, com direito de veto de indivíduos à moda das troikas ao serviço dos títeres bancários, dos casinos bolsistas, dos bandos de agiotas e especuladores. Os governos elaboram as bases dos orçamentos, enviam-nas para Bruxelas, onde podem ser absolutamente subvertidas de acordo com a ortodoxia neoliberal, cabendo depois às maiorias parlamentares aprovarem-nos para envernizar o processo com a capa democrática, em nome dos supostos compromissos internacionais. Parlamentos que têm de decidir segundo as ordens europeístas, custe o que custar, sejam quais forem os resultados eleitorais porque, caso contrário, serão acusados de violar os interesses das Nações, abusivamente confundidos com os de Bruxelas.

O exemplo grego ainda está fresco; atente-se no que se passa em Portugal e percebe-se assim como o apartheid do europeísmo é o mais letal dos mísseis disparados pelo regime contra os movimentos consequentes anti austeridade. Não pactuar com o europeísmo não é ser nacionalista: é um acto de luta em defesa da soberania dos povos e do funcionamento da democracia como expressão legítima das vontades populares expressas de acordo com as Constituições. A barreira de separação não passa entre europeístas e não europeístas, mas sim entre as castas instaladas ao serviço das conveniências antidemocráticas do autoritarismo concentrado em Bruxelas e os verdadeiros defensores das soberanias nacionais.

 

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por Augusta Clara às 08:00

Quarta-feira, 02.09.15

Introdução à Teoria do Caos- José Goulão

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José Goulão  Introdução à Teoria do Caos

 

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Mundo Cão, 1 de Setembro de 2015

 

   É provável que nenhum dirigente da União Europeia ou de Estados membros tenha alguma vez ouvido falar da “teoria do caos”, lançada e burilada no pós-guerra pelo filósofo Leo Strauss, da elite política judia e do establishment dos Estados Unidos, continuada até hoje pelos seus discípulos - e financiada pelo Pentágono. Raros são também os jornalistas que a integram nas suas investigações e análises, sujeitando-se a ser imediatamente rotulados como seguidores lunáticos das chamadas teorias da conspiração.

Em poucas palavras, a “teoria do caos” de Strauss estabelece que a melhor maneira de os Estados Unidos da América impedirem a criação de países ou blocos rivais e beneficiarem de matérias primas baratas e com acesso desregulado é através da instauração de situações de caos governamental e social em diferentes países e regiões, de maneira a que Washington delas possa tirar proveito praticamente exclusivo. Para Leo Strauss, a criação de situações de caos favoráveis aos Estados Unidos deveria ser um fim, nunca um meio.

A “teoria do caos” de Strauss teve desenvolvimentos no início dos anos noventa do século passado, quando Washington tratou de fazer vingar a unipolaridade disfarçada de multipolaridade a seguir ao desmembramento da União Soviética. Por iniciativa de George Bush pai nasceu então a “teoria Wolfowitz”, que deve o nome a Paul Volfowitz, discípulo de Strauss, igualmente membro da elite judia norte-americana, arquitecto da política externa de George Bush filho e da invasão do Iraque. Também foi presidente do Banco Mundial. Regressou à sombra depois de conhecidos os escândalos através dos quais rateava cargos públicos entre os amigos neoconservadores, familiares e namoradas.

Em poucas palavras, a “teoria Wolfowitz – ainda secreta mas parcialmente revelada pelo New York Times e pelo Washington Post em Março de 1992 – estabelece que a supremacia global norte-americana exige o controlo militar, político e económico sobre a União Europeia, para que esta não se torne uma potência capaz de rivalizar com os Estados Unidos. Aliada sim, mas nunca em plano igualitário.

Suponhamos então que a teoria de Strauss e a sua sucessora delineada por Wolfowitz não passam de delirantes teorias da conspiração. Suponhamos até que o seu gestor financiado pelo Pentágono, Andy Marshall, não se reformou apenas no ano passado, já com 92 anos, e nunca existiu. Nem foi nomeado em 1973 – sucedendo a Leo Strauss, por morte deste – por Richard Nixon e confirmado por todos os presidentes até Obama.

Ignoremos então esses supostos delírios e olhemos para a Europa, em especial para a União Europeia e respectivo percurso desde o início dos anos noventa do século passado. Reflictamos sobre as consequências do mergulho suicida no neoliberalismo, da submissão à NATO como braço operacional do Pentágono, do envolvimento em guerras desencadeadas pelos Estados Unidos, desde o Afeganistão à Síria e à Líbia, onde aliás as principais aventuras militares foram confiadas à França de Sarkozy/Hollande e ao Reino Unido de Cameron. Observemos o que está a acontecer na Europa, sobretudo na União Europeia, com a tragédia dos refugiados resultante dessas guerras.

Não será disparatado concluir que a hecatombe humanitária, política e económica dos refugiados resulta das situações de caos criadas no Afeganistão, no Iraque, na Somália, na Líbia, no Mali, na Nigéria, na Síria, no Iémen. Antes destas guerras com a marca do Pentágono, arrastando os mais importantes países da NATO em condições de subalternidade, o problema dos refugiados na Europa não atingira nunca uma dimensão sequer próxima da que agora se regista.

A Europa está há longos anos mergulhada numa crise disparada a partir dos Estados Unidos e que se alimenta a si mesma pelos erros sucessivos cometidos pela União Europeia ao pretender ser um espelho do modelo do lado de lá do Atlântico, mas sem voz própria militar e económica. Crise essa que se agrava através da submissão reforçada com o acordo de comércio livre (TTIP) e, sobretudo, com o problema dos refugiados decorrente das situações de caos que estão para lavar e durar nas zonas e países atrás citados. A gravidade da crise dos refugiados é o veículo que transporta o caos para o interior das fronteiras europeias, potenciado de maneira desagregadora pelo recrudescimento do terrorismo nazi-fascista.

A “teoria do caos” será uma miragem, mas o caos real vai provocando os efeitos desejados pelo complexo militar, político, económico e financeiro que domina o mundo sob as bandeiras dos Estados Unidos e da NATO.

 

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por Augusta Clara às 08:00

Sexta-feira, 03.07.15

Técnica do golpe de Estado - Carlos de Matos Gomes

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 Carlos de Matos Gomes  Técnica do golpe de Estado

 

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   O título do inglês The Guardian de 1 de julho explica os objectivos das «conversações» com o governo grego: «Syriza can’t just cave in. Europe’s elites want regime change in Greece» (O Siriza pode oferecer tudo, dar tudo, aceitar tudo. Não adiante, as elites europeias querem uma mudança de regime na Grécia). Segue-se o texto. O primeiro parágrafo: «É agora claro que a Alemanha e os poderes europeus (os ingleses distinguem a hierarquia de quem manda) não pretendem somente que o governo grego dobre os joelhos. Querem uma mudança de regime (para a comunicação social, o governo grego já é apresentado como o regime do Syriza). Não pela força militar, com certeza. Esta operação está a ser dirigida por Berlim e Bruxelas em vez de Washington…

Tudo parece claro. O Syriza disse que o rei ia nu, isto é, que o sistema financeiro era uma monstruosa fraude, ou uma fantasia, que as dívidas soberanas não são pagáveis, que as dívidas soberanas foram e são um processo de transferência de riqueza dos contribuintes para as oligarquias, que as regras da troika são a de aumentar a dívida soberana – aquela que irá ser paga pelos cidadãos – através do fabrico de mais dívida criada com os programas de resgate, na realidade de empréstimos para pagar juros de empréstimos, num processo sem fim.

O governo grego quebrou o tabu ao expor em público o rosto dos crápulas escondidos sob a máscara de respeitados e respeitáveis banqueiros e dirigentes da alta finança. Varoufakis, o ministro grego, disse-o com clareza, embora de forma delicada, quando respondeu à pergunta sobre a razão de não usar gravata: são os mafiosos que vestem Armani e não é por isso que deixam de ser mafiosos. No FMI, no BCE, em Bruxelas, muitos devem ter ido arrancar as etiquetas dos casacos, e esconder os óculos escuros. Estas ofensas pagam-se caro. Os gregos estão a pagar por isso.

O que está em curso na Grécia é então um golpe de Estado. Não já como o do Chile de Allende, mas com mais técnica e menos brutalidade. Mata-se lentamente à fome, de doença, e não com rajadas de metralhadora. A tortura é pelo esgotamento e não pela dor. A finalidade é a mesma: substituir um poder. Tsipras é o Allende dos nossos dias.

Vem tudo num livro editado em 1931 e que esteve proibido em Portugal até 1974: «Tecnica del colpo di Stato» (Técnica do golpe de Estado), do jornalista e escritor italiano Curzio Malaparte, então diretor do jornal La Stampa, de Turim, que explica as diferentes modalidades de golpe de Estado, seja de esquerda ou de direita, de Lenine a Mussolini, antecipando aquele que Hitler utilizaria para alcançar o poder na Alemanha.

Escreveu Curzio Malaparte, «o problema da conquista e defesa do Estado moderno, não é uma questão política, mas técnica.» Embora para ele o sentido da «técnica» não fosse o mais comum: «um conjunto de procedimentos que seguem algumas regras preestabelecidas para fazer algo em função de determinado fim», mas «uma forma de apropriação da natureza pelo homem, portanto, parte da cultura». É à luz de uma técnica para derrubar o governo grego que deve ser analisado o processo de conversações (falsas) que se desenrolam há 5 meses entre Bruxelas e Atenas.

Escreveu Curzio Malaparte: «Na política, esgotadas as decisões no campo das instituições democrático-republicanas, o resultado de uma eleição, por exemplo, as disputas transitam para outros patamares quando pessoas ou grupos ultrapassam os limites da legalidade/legitimidade e utilizam certos recursos técnicos para resolver impasses político-institucionais que podem implicar a rutura da ordem jurídica, parcial ou totalmente. (É o que está acontecer por parte das instituições europeias.) O golpe de Estado, nas suas múltiplas variações, é um destes recursos técnicos.»

Para Curzio Malaparte, o golpe de Estado seria uma espécie de «atalho» para a legitimação do poder, evitando os inconvenientes das eleições com voto universal e secreto, como manda o rito elementar da técnica da democracia.» Do ponto de vista de Malaparte, o golpe de Estado é sempre a negação da democracia, mas pode atingir a perfeição naqueles casos em que consegue os aplausos maioritários dos cidadãos. «O golpe de Estado é perfeito quando angaria apoio da opinião pública.»

É neste ponto, o de obter o apoio dos cidadãos para o golpe em curso, que se inclui a violentíssima campanha de propaganda das autoridades alemãs e de Bruxelas a favor do Sim e do descrédito do governo grego. Esta visível e descarada técnica de condicionamento da opinião pública grega para chegar ao golpe perfeito de que falava Curzio Malaparte – aquele que consegue o apoio popular - tem sido acompanhada por outras acções mais insidiosas, que Malaparte também referiu e que, se repararmos fazem parte do cardápio das «instituições europeias», com Berlim ao comando: «aquelas que, de modo quase imperceptível, utilizam instrumentos legais (invocação de regras do BCE e do FMI, ausência de regras do Europgrupo, controlo de capitais, declaração de incumprimento, p.ex) para se sobreporem à soberania popular e destituir um governo legitimamente constituído.»

É evidente que o apoio popular é desejável para o golpe de Estado, mas os golpistas de Berlim e Bruxelas, se leram Malaparte, podem contar com alternativas. É que, afirma ele, a história revela: «é possível em qualquer país democrático levar a cabo um golpe de Estado, mesmo sem o apoio de massas. Basta um grupo que tome o poder sem confrontar a força adversária (foi o que aconteceu recentemente em Itália e já tinha acontecido na Grécia com os governos ditos tecnocráticos, chefiados por banqueiros de confiança). Na Rússia, o governo de Kerensky protegeu os órgãos políticos, mas Trotsky ocupou os órgãos técnicos. Tentou o mesmo, em 1927, contra Staline, mas este usou corpos especiais de defensa e sobreviveu. Em Itália, os sindicatos de Giolitti e a policía defendiam o governo, mas os grupos fascistas neutralizaram ambos, tomaram o sistema ferroviário e foram de combóio a Roma derrubar o governo de Luigi Facta. A estratégia é sempre a mesma: concentrar as forças no ponto mais sensível do adversário, que num Estado moderno são os serviços públicos e os meios de comunicação.»

A Técnica do Golpe de Estado foi escrita em 1931, entre duas guerras, no período de ascensão dos fascismos, dos nazismos, do estalinismo. Repare-se como na Grécia, o governo anterior fechou a televisão do Estado, que não controlava. Repara-se como hoje a manipulação se faz com os serviços públicos na Grécia, com os bancos e o sistema de pensões e reformas, a ponto dos grandes órgãos de comunicação utilizarem fotografias de refugiados turcos vítimas de um terramoto como se fossem pensionistas gregos.

 

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por Augusta Clara às 08:00

Sexta-feira, 26.06.15

Diz o padre Mário de Oliveira e muito bem

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por Augusta Clara às 17:00

Quarta-feira, 06.05.15

Islândia - José Goulão

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José Goulão  Islândia

 

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Mundo Cão, 5 de Maio de 2015

 

   A notícia foi convenientemente censurada pelos papagaios e fazedores de opinião, mas nem por isso deixou de ser realidade. A Islândia retirou o seu pedido de adesão à União Europeia num contexto sem mácula que corresponde à vontade popular.

Embora parecendo viver numa espécie de exílio lá pelos extremos norte da Europa, afastada da prodigiosa civilização que os papás e mamãs da Germânia prodigalizam aos europeus do rebanho de 28, o povo da Islândia teve ocasião de provar o maná proporcionado pelo casino financeiro. Provou e não gostou, porque ainda hoje está a pagar por isso, embora segundo os métodos que determinou, sem aceitar que troikas e correlativos lhe impusessem os seus diktats. É verdade que negociou com o FMI, mas a utilização do verbo negociar justifica-se no caso islandês, uma vez que, ao contrário do que aconteceu em Portugal e na generalidade dos “clientes”, não estiveram os dois lados a cavaquear amenamente sobre as vias para sugar o povo até ao tutano. Na Islândia houve negociação, o FMI não conseguiu o que pretendia e – vejam lá como são as coisas – a Islândia sobreviveu.

E sobrevive de outras maneiras em relação às quais, sobretudo a propósito da Grécia mas com recados explícitos a Portugal, muitos profetas da desgraça têm sentenciado dilúvios e outras tragédias sem nome.

A Islândia decidiu retirar o pedido de adesão à União Europeia porque foi essa a conclusão a que o seu povo chegou depois de ter passado os últimos anos a recuperar dos efeitos da bolha neoliberal em que os bancos mergulharam o país depois de, à revelia dos interesses dos clientes, se terem transformado em grandes apostadores do seu dinheiro na roleta da finança mundial. Para terem uma ideia do estado a que chegou a Islândia, pequeno país com menos de 400 mil habitantes – saibam que a sua dívida soberana em 2008 atingiu os mil por cento do PIB, enquanto na Grécia é de 170 e em Portugal já vai nos 130 por cento. Foi a bancarrota.

Quando o governo de então se preparava para fazer o mesmo que os outros, por as cangas no povo para garantir as “ajudas” das troikas e aparentadas, o povo desceu às ruas e disse não, que não queria suportar o fardo de falcatruas que não cometeu. E continuou nas ruas, num país frio como poucos, acendendo fogueiras e não deixando que a voz lhe gelasse.

E o povo conseguiu, o que não significa ter encontrado o paraíso. Os principais culpados foram julgados e condenados, os bancos e o Estado estão a pagar o que devem – mas em prazos e montantes negociados, decididos de acordo com os islandeses. E depois da experiência desses anos difíceis o povo da Islândia tirou as suas conclusões e decidiu que o melhor é viver com as próprias forças num quadro de interdependência e cooperação com todas as nações do mundo. Isto quer dizer que o povo da Islândia é dono das suas riquezas naturais – a energia, as pescas e o turismo, que não hipotecou a ninguém por mais sonante que seja o nome – e, sobretudo, é dono da sua moeda.

Foi a gestão da moeda nacional que permitiu ao povo da Islândia trabalhar sobre os mecanismos da dívida e valorizar os seus bens nos mercados internacionais – não será isto a competitividade de que tantos falam explicando, quantas vezes, o filme ao contrário? O povo islandês pode parecer exilado nos extremos norte da Europa mas sabe muito bem o que aconteceria às suas pescas, à sua energia, ao seu turismo, à sua moeda se a devassa da União Europeia entrasse por ali adentro.

Pois é, os islandeses decidiram que não querem a União Europeia e que desejam continuar a usar a sua moeda sua em vez do marco alemão travestido de euro. E vejam que o céu não lhes caiu em cima da cabeça.

Provavelmente nem será amanhã a véspera desse dia.

 

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por Augusta Clara às 08:00

Sábado, 21.03.15

As máximas vergonhas de Portugal. A moral da UE. A desgraça do estar-vivo nisto - António Pinho Vargas

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António Pinho Vargas  As máximas vergonhas de Portugal. A moral da UE. A desgraça do estar-vivo nisto

 

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   Portugal podia ter tido a crise-pretexto para sacar dinheiro às populações, podia ter o governo mais à direita que existiu, podia ter desempregados na desgraça e velhos maltratados e jovens emigrantes em grande quantidade, podia ter o mais ridículo presidente, podia até não ter Syrisas nem Podemos, nem nada. Podia mas não devia. Mas, ainda por cima, ter toda esta pouca vergonha que se sucede, caso após caso, episódio após episódio, que nos faz desconfiar de que nos antros do poder, de todos os poderes financeiros, políticos e judiciais, circula uma grande uma enormíssima quantidade de vigaristas, de esquecidos das próprias vigarices, de irrevogáveis e quejandos, de inúmeros casos de tráfico de dinheiro em direcção aos próprios bolsos, que nos faz ver claramente visto que "as reformas" dos discursos eram apenas conversa fiada para justificar tudo o que foi feito quando, afinal, a reforma que devia ter sido feita era varrer toda esta gente que se tem em alta consideração - mesmo quando mente descaradamente - e ela, essa gente, é que era o problema principal do país: as elites financeiras, políticas e económicas, com umas pouquíssimas excepções. Ninguém tem vergonha de nada, e por isso, tudo junto, um e outro dia, sem parar, torna-se verdadeiramente insuportável.

Ninguém se pode admirar que eu vá sabendo das coisas pelos jornais - chega perfeitamente - e não veja televisão. Não quero ver o espectáculo desta miséria, nem a miséria deste espectáculo, que mais parece um polvo, no sentido mafioso do termo, a falar por múltiplas bocas. Mas até uma máfia deve mostrar alguma competência; se não mostra nenhuma deixa de ser digna do seu nome: máfia.

Nem isso conseguem ser: é uma "coisa" mais desorganizada, mais incompetente, mais idiota, mais inculta - mas quão inculta nos seus fatos de bom corte e cabeças ocas e vazias - do que os famosos italianos. 

Como foi possível que o enorme dinheiro que veio da Europa para cavaco parecer competente e que foi parar aos primordiais bolsos corruptos e hoje apenas se possa contemplar quando vemos umas auto-estradas? Todo o resto foi mal gasto, mal aplicado, gasto em boas roupas enquanto houve dinheiro para ir ao bar pós-moderno da moda ou, provavelmente em mais casos, desapareceu talvez nas Ilhas Caimão, ou em Cabo Verde ou nos milhares de offshores do, mais que alguma vez foi, imoral capitalismo actual. Não há ponta por onde se pegue. Perante as medidas do governo grego, justas e urgentes para muitos dos que lá vivem, a Europa, ou melhor dizendo, aquela associação de malfeitores conhecida pelo nome de "credores" tremem: ai que o nosso dinheirinho que tão generosamente lhes oferecemos, para ser gasto em aviões, submarinos e privatizações futuras, vai servir para pagar a electricidade de quem não tem dinheiro para a pagar. Bandidos! Comunistas! O dinheiro é nosso e das nossas ilustres instituições financeiras. Enquanto levámos estes países para a desgraça colectiva dizíamos: "estão no bom caminho", "as reformas vão no bom caminho". Agora, dinheiro tão ilustre, tão fino, tão puro na sua original sujidade intrínseca, nas mãos de umas velhotas gregas na desgraça? Pode lá ser!.

É esta a "moral" da UE.

APV

 

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