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Jardim das Delícias


Segunda-feira, 30.09.19

Nasceu o neoliberalismo climático - José Goulão

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O Lado Oculto, 28 de Serembro de 2019

Salvar o planeta!

   Ora aí está uma causa nobre, por certo não fracturante, à medida do mainstream, padronizada segundo as normas da opinião única, enfim polémica quanto baste porque os seus opositores são encabeçados por figuras que estão de passagem, como Donald Trump, por certo uma excepção na tão recomendável classe bipartidária e monolítica dos Estados Unidos da América. Atentemos nos casos de Obama, de Hillary Clinton, consabidamente tão amigos do planeta e do ambiente.

Salvar o planeta de quê? Das alterações climáticas, de que mais haveria de ser? Haverá mais coisas assim tão ameaçadoras com que tenhamos de nos preocupar?

Na verdade, parece não haver coisa mais necessário na sociedade global em que vivemos do que mobilizar-nos no urgentíssimo e justíssimo combate contra a degradação do ambiente e as mudanças climáticas dela decorrentes.

Mobilizemo-nos, pois. Sigamos as marchas juvenis e coloridas inspiradas algures nos meandros onde se move essa tão carismática como recatada figura de George Soros, conhecido como “filantropo”, um verdadeiro papa do globalismo, do neoliberalismo, reconhecido patrono ou mesmo proprietário da democracia autêntica. Sigamos Greta Thurnberg lamentando os seus “sonhos perdidos”, juntemo-nos ao Eng Guterres, a quem as aflições do clima proporcionaram uma energia interventiva até agora desconhecida, sobretudo desde que se tornou secretário-geral da ONU; acompanhemos Obama, Mark Zuckerberg, Al Gore, Richard Branson e outros patronos do movimento de Greta Thurnberg; desfilemos de braço dado com o benemérito Bill Gates, agora dedicado à causa dos negócios da geoengenharia a bem do ambiente, com as comissárias e os comissários europeus, os generais da NATO, os poluidores e as suas vítimas, todos irmanados nesta imensa vaga regeneradora que a muitos parece cativar e verdadeiramente não tem inimigos pois todos habitamos nesta Terra e 2030, “o ponto de não retorno”, é já amanhã. Além disso, “não há planeta B”, como muito bem recordou o prof. Marcelo mesmo que, desta feita, a autoria do sound bite não lhe pertença.

O sistema autorregenera-se

A crer nesta espécie de “revolução colorida” – o que não é de espantar, pois várias outras têm a chancela inconfundível do “filantropo” Soros – o seu êxito não suscita grandes dúvidas, porque estão mais do que identificadas as causas da revolta do clima.

O segredo não estará, ao que parece, em atacá-las mas sim em “adaptar-nos” a elas e acreditar que os grandes poluidores industriais se converterão beatificamente à causa; os gigantes do agronegócio transnacional deixarão benevolamente de destruir os solos, esbanjar água e expandir a seca; os monstros da indústria mineira global, comovidos pela grande movimentação, deixarão de contaminar os solos para os expurgar de riquezas; os negociantes de madeiras não mandarão acender nem mais um fósforo nas florestas; os magnatas do petróleo abandonarão o fracking e deixarão os mares e os solos em paz, genuinamente convertidos às energias renováveis; os impérios do armamento chegarão à conclusão de que as actividades amigas do ambiente são muito mais interessantes que as guerras, quiçá até do ponto de vista económico; os generais e outros senhores do militarismo deliberarão espontaneamente que o dinheiro investido em armas, sobretudo as nucleares, deve ser transferido para o combate à fome no mundo.

Os grandes interesses económicos do planeta, desde o grande especulador financeiro ao incansável barão da droga curvar-se-ão, enfim, perante os activismos desinteressados que decidiram salvar a harmonia climática poupando, ao mesmo tempo, o sistema que a destrói. O capitalismo ecológico, o neoliberalismo climático estavam, afinal, a umas mobilizações bem comportadas e a uns discursos lamurientos de distância. E sem que a ordem que nos governa seja minimamente beliscada. Como não nos havíamos lembrado disto antes? Mas talvez ainda estejamos a tempo, mais vale tarde do que nunca, os destrambelhamentos climáticos serão domesticados. Com uma condição: que os aceitemos e nos adaptemos, como recomenda, sábio, Bill Gates. A “adaptação” será, afinal, a alma do negócio.

Nada de distracções

Mas atenção: foco total, nada de distracções, dedicação absoluta à “adaptação” do planeta às alterações climáticas e sempre no quadro da ordem estabelecida. Caso contrário, a ameaça persistirá.

Não há que esbanjar esforços em causas fracturantes e que, como se percebe pelo consenso quase global suscitado pelo caos climático, acabam por ser marginais.

Em poucas ou nenhuma ocasião como esta vamos encontrar do mesmo lado da barricada as paupérrimas vítimas das inundações do Bangladesh e o presidente do Goldman Sachs, o banco que, segundo o próprio, desempenha o papel de Deus na Terra; ou o indígena da Amazónia e o presidente cessante do Banco Central Europeu, Mario Draghi; ou os sudaneses vítimas da seca e os todo-poderosos dirigentes do Carlyle Group.

O mesmo não acontece com outras situações que suscitam mobilizações, mas nunca com esta amplitude e consenso. É o caso das guerras que se multiplicam pelo mundo, ou das crescentes desigualdades e do fosso que se alarga entre a maioria de pobres e a minoria de ricos, da acumulação de armas, sobretudo as nucleares, da globalização do trabalho escravo, dos milhões de desalojados e refugiados.

São, de facto, problemas em torno dos quais não encontramos mobilizações tão massivas, uma tal convergência de opiniões, uma cobertura tão abrangente dos meios de comunicação globais.

Fizeram-se – e fazem-se – manifestações contra as guerras, acções contra as injustiças e as desigualdades, iniciativas contra a pobreza, a fome ou os refugiados. Mas nela não encontraremos as figuras que lhe dão peso, prestígio e fama como Obama, o Eng. Guterres, o presidente do Goldman Sachs, o diligente Bill Gates ou a presidente da Comissão Europeia. E se, por uma hipótese absurda, algum jovem ou alguma jovem assumir um papel semelhante ao de Greta Thurnberg, mas em defesa da eliminação total das armas nucleares, certamente não lhe será facultado o púlpito dos oradores nas Nações Unidas e não será transformado em ícone pela comunicação mainstream. Pelo contrário, não tardaria a ter à perna a comunidade global de espionagem e certamente seria tratado como reles agente russo ou chinês.

No entanto, a proliferação de guerras e de armas cada vez mais modernas e com efeitos letais massivos pode provocar amanhã, depois de amanhã, de uma penada, os efeitos que as alterações climáticas produzem gradualmente e que têm ponto de não retorno agendado para 2030, segundo as previsões mais repetidas. Porém, ao que parece por aquilo a que temos vindo a assistir, a crise do clima é certa enquanto a destruição do planeta por um conflito global pode acontecer ou não, saibamos correr riscos… Portanto, nada de alarmismos e, sobretudo, de dispersões em relação à causa definitiva, a da “adaptação” às derrapagens do ambiente.

E se ligássemos tudo?

Atendendo à gravidade dos cenários que ameaçam o planeta, o mais natural seria transformá-los numa causa única e poderosa capaz de reduzir os riscos. Defender a Terra e os sistemas de vida que nela existem seria uma acção muito mais eficaz e abrangente se interligássemos as lutas contra as alterações climáticas, a guerra, a pobreza, as desigualdades, as agressões aos direitos humanos, a escravatura e outras.

Esta seria a ordem natural das coisas.

Mas não a ordem natural do sistema em que vivemos.

Ao associar as causas amigas do planeta seríamos conduzidos, inevitavelmente, à evidência que a defesa da Terra é, em si mesma, uma causa fracturante. Não conseguiremos encontrar na luta contra a guerra as mesmas vedetas globais e a mesma projecção da suposta luta contra as alterações climáticas. Em boa verdade, essas figuras dizem estar do lado do ambiente enquanto promovem as guerras e o negócio de armas, ao mesmo tempo que geram milhões de desalojados e refugiados.

Negócio é, de facto, a palavra-chave, o conceito que transpõe de forma traiçoeira, enganosa e oportunista a movimentação contra as alterações climáticas para o lado da guerra, das desigualdades, da pobreza, da exploração – tudo fruto do mesmo sistema.

Os expoentes do capitalismo na sua versão fundamentalista neoliberal estão em pleno desenvolvimento de uma operação de apropriação das questões ambientais tentando impor uma milagrosa quadratura do círculo.

Ou seja, o capitalismo que envenena o planeta, que o põe diariamente em risco, surge como salvador do planeta privatizando uma justíssima causa para que lhe seja possível, com grande ajuda do sistema mediático, arrastar massas que sofrem de genuínas inquietações à mistura com ingenuidade e vulnerabilidades.

Mas não só.

O principal é que o capitalismo neoliberal transformou a luta contra as alterações climáticas num negócio. O método é insidioso: dá como adquiridas as transformações já ocorridas ou em curso e põe a tónica na “adaptação” do planeta a essas circunstâncias. O negócio do clima junta-se assim ao negócio da guerra, ao negócio da droga, ao negócio do trabalho escravo, ao negócio da exploração dos recursos naturais.

Desenvolver pretensas soluções científicas capazes de responder ao aquecimento global, à subida dos mares, aos degelos, às carências de água e outros fenómenos está a transformar-se na antecâmara de novos grandes negócios. Aos lucros da contaminação do planeta somam-se os proveitos gerados pela “adaptação” aos efeitos da contaminação.

O sistema que ganha destruindo o planeta é o mesmo que continua a ganhar pretensamente “adaptando-o” às mudanças - não atacando as causas e manipulando multidões. Por isso, de acordo com a sua estratégia, a nobre causa da luta contra as alterações climáticas, que mobiliza dezenas de milhões de pessoas genuinamente alarmadas, tem de ser isolada de outras que, na realidade, lhe são afins e complementares, como a da luta pela paz. É a manobra a que estamos a assistir.

O capitalismo neoliberal conseguiu encontrar um caminho para transformar as questões ambientais e climáticas em lucros. Quanto à “paz”, a única maneira de a fazer gerar proveitos é espalhando a ilusão de que pode ser estabelecida através da multiplicação de guerras. Nasceu assim o neoliberalismo ambiental, humanista, pacifista.

É necessário desmontar esta mistificação e impedir que as causas ambientais sejam capturadas pelos terroristas do ambiente para que tudo continue na mesma, isto é, deteriorando-se. A luta contra as alterações climáticas é indissociável dos combates contra a guerra, a pobreza, a austeridade, as desigualdades, os problemas dos refugiados, a censura, a exploração, a extinção dos direitos sociais, a violação dos direitos humanos. Converge tudo na mobilização contra o sistema que está na base de todas as aberrações que afectam o ser humano e o planeta.

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por Augusta Clara às 15:45

Segunda-feira, 13.05.19

O QUE EU QUERIA VER (E DEVIA SER) DISCUTIDO NA CAMPANHA PARA AS ELEIÇÕES EUROPEIAS (independentemente das questões económicas e financeiras de que toda a gente fala) - Augusta Clara de Matos

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Augusta Clara de Matos   O QUE EU QUERIA VER (E DEVIA SER) DISCUTIDO NA CAMPANHA PARA AS ELEIÇÕES EUROPEIAS (independentemente das questões económicas e financeiras de que toda a gente fala)

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- O combate intenso e coordenado ao avanço da extrema-direita na Europa e uma campanha de esclarecimento às populações sobre as consequências do retorno de governos fascistas;
- A expulsão da União de países onde se instalem governos com políticas e práticas fascistas e que permitam a livre expressão de grupos que defendem a ideologia nazi e cometem crimes com base nesta ideologia;
- O acolhimento e integração de refugiados e suas famílias como cidadãos europeus de iguais direitos, desmontando a ideia ainda reinante em muitas cabeças de que são todos terroristas;
- O fim da venda de armas por países da EU a países, grupos e coligações que as têm utilizado para destruir países através de guerras que tiveram unicamente como fim roubar-lhes as matérias primas, sabendo nós que foram essas guerras a origem da fuga em massa dos seus habitantes em direcção à Europa nas trágicas condições que levaram a milhares de afogamentos;
- A uniformização de leis em todo o espaço da UE que penalizem sem condescendência a corrupção e as grandes fraudes financeiras que enfraquecem e deterioram a economia dos países;
- Como consequência do afirmado no parágrafo anterior, a luta por uma Justiça igual para todos os cidadãos e não diferenciada entre os que têm dinheiro para se defender e os outros;
- O combate sério e generalizado a todo o tipo de descriminação com base na opção sexual, política, de credo religioso ou outra;
- Exigência da protecção dos mais frágeis como as crianças, os deficientes e os idosos;
- Combate à violência doméstica e, especificamente, que seja dada maior atenção à violência contra as mulheres que tem assumido contornos escabrosos em vários países europeus;
- Acérrima exigência pela liberdade de opinião e de expressão.

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por Augusta Clara às 18:11

Sábado, 22.07.17

Actualidade de Treblinka - José Goulão

 

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O poderoso e sufocante documentário inspirado no campo de extermínio de Treblinka que Sérgio Tréfaut acaba de nos oferecer, e que entra directamente no lote restrito de produções capazes de nos reconciliarem com a arte do cinema, tem como maior virtude a sua temível actualidade.

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«Andriy Parubiy, chefe das SS ucranianas de hoje, um favorito da NATO e da União Europeia, presidente do Parlamento de Kiev e identificado mentor do massacre de Odessa em 2014»Créditos / news.liga.net

 

   Tudo no filme atinge o espectador – a interminável viagem de comboio, os fantasmas que nele viajam, a incarnação da vida e da morte proporcionada pela figura lancinante de Isabel Ruth, as cores sem cor, as paisagens esbatidas e sem tempo olhadas por olhos que já não vêem, acompanhadas por palavras assombradas de quem sobreviveu depois de sentir-se morto – mas o grito mais alarmante que brota da tela é a actualidade do que é exposto aos nossos sentidos.

Ironicamente isso acontece através da evocação do campo de extermínio que os carrascos nazis se esforçaram por apagar até ao derradeiro vestígio, para nos convenceram de que nunca existiu. Dando-se ao trabalho de desenterrar centenas de milhares de cadáveres gaseados para os incinerar em grelhas gigantescas.

Haverá quem diga: isso foram outros tempos, já lá vão mais de setenta anos e foi obra de dementes inspirados por um louco.

Por isso o maior dos méritos do admirável trabalho de Sérgio Tréfaut é dizer-nos que não, aquilo não foi um fenómeno de época, a mente do ser vivo que foi capaz de tais degenerações anda por aí e basta-nos não levarmos a nossa vida ao compasso da informação de pechisbeque para descortinarmos as suas emanações, mesmo após cuidadosa aplicação do filtro dos paralelismos abusivos.

O documentário Treblinka é actual porque a realidade do início dos anos quarenta do século passado chega até hoje pela voz de quem sobreviveu à hecatombe. É uma actualidade factual, indesmentível, se bem que haja quem continue ocupado em garantir, até «cientificamente», que aquilo não aconteceu, foram exageros e vinganças dos vencedores.

Percebe-se, por isso, que as mentes perversas capazes de aceitar o extermínio em massa de milhões de seres humanos continuam activas, de modo algum satisfeitas com as tarefas de «limpeza» e «purificação» então executadas.

Os fenómenos expostos deste modo directo, porém, são mais identificáveis, portanto mais controláveis.

Eles são parte do perigo, ainda que não sejam a componente mais letal, sabendo-se que vivemos numa fase de perfídia, insídias e enganos. Os germes da verdadeira ameaça, temível e sempre latente, flutuam nas imagens e palavras de Treblinka e são um convite para que nos internemos mais nessa actualidade.

Aquela interminável viagem de um comboio da morte é uma metáfora da relação do ser humano com o poder, de como a fragilização dos mecanismos democráticos para controlo das actividades de governação e comando vai escancarando a porta dos desmandos.

Os nossos tempos são de democracias dia-a-dia mais frágeis, a que correspondem evidências de poderes cada vez mais absolutos e arbitrários. Ao compasso desta involução humanista vão florescendo manifestações de insensibilidade, de discricionariedade, de arrogância, enfim, de despotismo – e cada vez menos envernizado.

Há crueldade quando um presidente envia drones do seu gabinete para executar um «terrorista» a cinco mil quilómetros de distância, sabendo que a «operação» pode matar a família e dezenas de outras pessoas em redor, vítimas que passam de pessoas inocentes a «danos colaterais» num simples passe de estatística.

«Há crueldade quando um presidente envia drones do seu gabinete para executar um "terrorista" a cinco mil quilómetros de distância, sabendo que a "operação" pode matar a família e dezenas de outras pessoas em redor»

Há despotismo quando se arrasa um país, incluindo escolas e hospitais com meninas e meninos dentro, entregando-o depois a milícias selváticas, para se esquartejar um alegado ditador com o qual se mantiveram negócios e que, de um momento para o outro, é recomendável silenciar.

Há uma degeneração dramática da condição humana quando se tratam como párias, escravos, seres infra-humanos ou simples escória os milhões de vítimas humanas que pedem desesperadamente para sobreviver junto daqueles que são verdadeiramente responsáveis pelo seu martírio.

Há uma insensibilidade comprometedora quando se deixa a casta dos donos do dinheiro à solta para disporem da vida da maioria dos cidadãos, aos quais, paulatinamente, se vão retirando os direitos para se defenderem.

Existe uma arrogância despótica quando se encontra unicamente na imposição da austeridade aos mais desprotegidos a pretensa solução para as chamadas crises da sociedade, as quais, na maioria dos casos, não têm outras raízes que não sejam os obstáculos à acumulação interminável de lucros por elites desumanizadas.

E que interpretação se poderá dar ao comportamento de dirigentes e de um Estado capazes de sujeitar aos requintes de uma violência, que se dirá de uma crueldade cientificamente apurada, mais de um milhão de seres humanos submetidos ao universo concentracionário de Gaza, ou centenas de milhares de pessoas confrontadas com a impenetrabilidade de um muro que divide famílias, comunidades, recursos?

Assim se demonstrando que a actualidade de Treblinka nos deixa perante a evidência de que o Estado de Israel e os seus protectores universais não têm autoridade moral nem legitimidade humanista para invocarem e se apropriarem do Holocausto de judeus e não-judeus.

Neste magma de comportamentos enunciados não é difícil encontrar as sementes que, num caldo de cultura adequado – longe de esquecido – germinem em comportamentos susceptíveis de descambar em situações que Treblinka avisadamente recorda.

Não fiquemos, porém, pelas metáforas; as quais, mesmo sendo-o, vão aflorando em comportamentos assumidos ou insidiosos mais do que suficientes para nos deixar alerta.

«Há que registar obrigatoriamente, para memória presente e futura, que os herdeiros dos esbirros de Treblinka estão vivos, actuantes, e nas mesmas regiões.»

Há que registar obrigatoriamente, para memória presente e futura, que os herdeiros dos esbirros de Treblinka estão vivos, actuantes, e nas mesmas regiões. Bastariam as evocações dos comportamentos de dirigentes como os que desempenham actualmente funções na Polónia pré-fascista, na Hungria, na Eslováquia, na Croácia, nos Estados do Báltico que o neoliberalismo «libertou» ressuscitando forças que, não apenas saudosas de Hitler, tentam fazê-lo reviver. Mas tal não esgota a realidade.

Existe o case study da Ucrânia: nunca será excessivo recordá-lo porque continua a ser escandalosa e significativamente mistificado.

Muitos dos guardas que colaboraram com a guarnição alemã do campo de extermínio de Treblinka eram milicianos ucranianos inseridos na SS hitlerianas, como voluntários ou como membros do exército «livre» da Ucrânia. Entre eles, membros do Batalhão Galícia, que ficou para a História negra da guerra associado ao nome do seu líder e mentor, Stepan Bandera.

Pois bem, Bandera é herói nacional oficial da «nova» Ucrânia, «democratizada» com o envolvimento da União Europeia e os préstimos insubstituídeis da NATO. Ainda hoje, em tempo real, hordas nazis da nova Guarda Nacional ucraniana, corpo treinado por militares das forças armadas dos Estados Unidos, estão a participar nos exercícios da NATO no Mar Negro e que simulam «apropriação de território», quiçá uma formulação julgada menos comprometedora do que a tese hitleriana de «espaço vital».

Andriy Parubiy, comandante das milícias de assalto nazis envolvidas na chamada «revolução democrática» da Praça Maidan, um seguidor actual de Stepan Bandera que foi presidente do Conselho Nacional de Defesa e Segurança e hoje é presidente do Parlamento, depois de ter contribuído para a ilegalização de partidos como o Comunista, age como um interlocutor privilegiado nos areópagos que proclamam a democracia e os direitos humanos.

São habituais os seus briefings com os comandantes da NATO, tendo em conta os seus laços operacionais com os batalhões neonazis, que são determinantes nas actuais forças armadas ucranianas; numa visita recente a Itália, Parubiy escutou a presidente do Parlamento, Laura Boldrini, do Partido Democrático, dizer que deseja o reforço da cooperação parlamentar com a Ucrânia, «tanto no plano político como administrativo».

A actualidade de Treblinka é gritante. Ao fim e ao cabo, um «democrata» como Andriy Parubiy, chefe das SS ucranianas de hoje, um favorito da NATO e da União Europeia, presidente do Parlamento de Kiev e identificado mentor do massacre de Odessa em 2014, poderia ter sido um dos esbirros que mandava abrir as torneiras de monóxido de carbono sobre milhares e milhares e milhares de homens, mulheres e crianças cuja única culpa era existirem.

Bastava-lhe estar na força da vida em 1942 – em vez de em 2016.

 

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por Augusta Clara às 20:45

Domingo, 21.05.17

A terceira via para o abismo - José Goulão

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José Goulão  A terceira via para o abismo

 

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Em tudo o que é comunicação social situacionista, a nível interno e internacional, as manobras conduzidas em torno da figura de Macron serviram para redesenhar «a esquerda» institucional, embora o candidato agora presidente tenha sido inicialmente definido como «centrista». 

 

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   A epidemia potencialmente letal que atinge hoje os partidos socialistas e social-democratas terá começado com Anthony Blair à frente dos trabalhistas britânicos, embora a degeneração gradual viesse de trás.

No entanto, a conversão ao ultraconservadorismo de Thatcher e Reagan, a submissão às inquestionáveis ordens do mercado, as ânsias de privatização do Estado e os ataques sem piedade aos direitos sociais e laborais dos cidadãos representaram um salto qualitativo na degradação, a que se foram juntando, numa vertigem que agora se conclui ser suicida, as mentiras na cena internacional, o culto da guerra, a rapina generalizada.

Aproveitando depois o balanço e as circunstâncias propícias da História ocorridas na transição da década de oitenta para a de noventa do século passado, os agentes da paciente conspiração norte-americana em Itália infiltrados nos Partidos Socialista e Comunista aceleraram a sua missão e, nos escombros das duas entidades históricas, ergueram o Partido Democrático, à imagem e semelhança do seu homónimo dos Estados Unidos – isto é, sem funcionamento orgânico e seguindo orientação económica neoliberal – que definiram como sendo a nova «esquerda», daí em diante a única com vocação de poder.

Há pouco mais de um ano, o então presidente francês, François Hollande, eleito pelo Partido Socialista, defendeu que os novos tempos exigiam um «hara-kiri do PS», uma transformação em algo de ideologia muito mais abrangente e indefinida, que imaginou como «Partido do Progresso»; na mesma altura, um dos primeiros-ministros que nomeou durante o seu mandato, Manuel Valls, declarou a necessidade de o Partido Socialista mudar de nome.

Há poucos meses, o ministro da Economia de ambos, Emmanuel Macron, também ele uma figura do PSF, lançou o movimento En Marche que, sem militantes e estrutura mas com financiamento dos bancos e banqueiros para os quais trabalhou, e com o apoio operacional de agentes enviados pelo Partido Democrático dos Estados Unidos, o catapultou quase do zero até à Presidência da República.

Enquanto isso, o candidato oficial do PS – ou do que dele resta – ficou abaixo dos sete por cento nas eleições presidenciais, abandonado pelo aparelho do partido, pela sua Fundação Jean Jaurès e pelas figuras de proa, com destaque para Hollande e Valls, que logo se puseram en marche com Macron.

Em tudo o que é comunicação social situacionista, a nível interno e internacional, as manobras conduzidas em torno da figura de Macron serviram para redesenhar «a esquerda» institucional, embora o candidato agora presidente tenha sido inicialmente definido como «centrista». O resto é «extrema-esquerda» ou «esquerda radical», isto é, organizações «desfocadas» da realidade, «agarradas ao passado», incapazes de se adaptarem aos novos conceitos evolutivos, em suma, entidades que se atrevem a rejeitar a doutrina única e oficial, o capitalismo selvagem.

Dos casos citados a propósito do Reino Unido, Itália e França, só os trabalhistas britânicos ainda resistem à dissolução, por continuarem a recorrer, pelo menos até agora, a consultas às bases partidárias para elegerem os dirigentes e não ao artifício anti partidário das primárias, importado, claro, dos Estados Unidos da América. Porém, mesmo desacreditado perante o reconhecimento geral dos seus crimes e mentiras no drama do Iraque, Tony Blair e a sua teia de propaganda voltam a estar activos na intriga e desestabilização do Partido Trabalhista, de modo a reencaminhá-lo na senda da destruição que muitos outros estão a percorrer.

Os casos de Itália e França são exemplares. Renzi e Macron parecem saídos da mesma forma tecnocrática de políticos robotizados em práticas de direita, envolvidos na mentira, agora cada vez mais grosseira, de que eles são «a esquerda».

Outras situações do género, que traduzem a destruição de partidos socialistas, estão consumadas ou na calha. Em Espanha, a deriva do PSOE é total, acelerada depois de ter entregado o poder, de novo, aos neofranquistas de Rajoy; e, na Alemanha, o SPD está a pagar cara a submissão feita de cumplicidade ao autoritarismo de Merkel.

Na Grécia, a miniaturização do PASOK é idêntica à do PS francês, embora sem o efeito Macron; pelo menos por enquanto, embora não seja seguro que o tsiprarismo, cada vez mais fiel às ordens de Bruxelas à custa do ainda e sempre penalizado povo grego, não vá no mesmo sentido.

Na Holanda e na Bélgica, os partidos da Internacional Socialista pulverizaram-se devido ao envolvimento na gestão da crise, praticando políticas de direita – e até de extrema-direita e xenófobas, sob o interessante pretexto de travar a influência da extrema-direita. Hollande não foi, portanto, o caso único, embora tenha ido mais longe ao governar em estado de excepção durante grande parte do mandato.

No mundo nórdico, os partidos da social-democracia, outrora reis e senhores, afundam-se em situação de deriva depois de se terem rendido à prática neoliberal, por vezes seguindo os conservadores ou então tomando a iniciativa – também para «retirar espaço» à direita.

Nos países do leste europeu, a social-democracia mal viu a luz do dia depois da extinção da União Soviética. Nasceu já neoliberal e limitou-se a colaborar na afirmação do populismo e da extrema-direita como verdadeiros gestores do capitalismo selvagem.

Às práticas thatcheristas de Blair, os politólogos sempre em busca de baptismos para «novas esquerdas» chamaram «terceira via». Para onde? Para o socialismo, pois claro, de acordo com as suas doutas elucubrações em forma de mensagens propagandísticas primárias. Na verdade, mais uma via para o capitalismo puro e duro, à moda de Friedman e dos «Chicago Boys» que criaram «o milagre de Pinochet» – por fim o capitalismo isento de quaisquer inquietações sociais e com as pessoas, livre da mais ínfima das sequelas keynesianas.

Com maior ou menor convicção, os partidos socialistas e social-democratas seguiram Blair incarnando o flautista de Hamelin, institucionalizando-se como o «lado esquerdo» do sistema bipolar que governou a União Europeia como partido único, até estatelar-se estrondosamente, em 2008, nos frutos podres da subserviência ao casino financeiro – a «crise».

Se alguém tiver dúvidas, pode consultar as decisões do Parlamento Europeu tomadas ao longo de anos e anos: em matérias de cultura, questões de consciência e até direitos teóricos, é possível detectar diferenças entre os comportamentos dos membros do Partido Popular e do Grupo Socialista; mas quando se chega aos assuntos económicos, laborais, à imposição da austeridade, às medidas financeiras, de combate à crise ou de estruturação autoritária da União Europeia e da Zona Euro, aí a convergência é praticamente total entre os dois blocos.

A verdade é que a conjugação da crise com os efeitos sociais, a que se junta o problema dos refugiados resultante de guerras pelas quais a União Europeia também é responsável, desmoronou a arquitectura política de partido único com duas tendências. Na entropia resultante em que vivemos, na qual multidões de cidadãos desorientados, manipuladas pelos aprendizes de feiticeiros peritos em explorar o medo e a insegurança, são cativadas por apelos de populistas mais ou menos envernizados, por mensagens trabalhadas à maneira de anúncios de refrigerantes, ou até por fascistas retintos, as esquerdas que permanecem fiéis ao humanismo, à cidadania e às pessoas quase não conseguem fazer-se ouvir.

No meio das ruínas da arquitectura política em extinção tornou-se evidente que o papel da social-democracia oficial na gestão do neoliberalismo, mesmo temperada pela «terceira via», se tornou descartável, inútil. Cumpriu o papel, mas cabe agora à direita pura e dura, nas suas variantes que chegam até aos extremos do populismo e do fascismo, gerir o sistema neoliberal.

O arrastamento da crise, desmentindo a teoria dos ciclos altos e baixos da economia, tornou o funcionamento do sistema praticamente impossível em democracia. É preciso afastar os cidadãos do direito de decidirem, seja pela força, pelo autoritarismo em liberdade condicionada, pela intoxicação tecnocrática disfarçada de inovação política.

Por isso os Partidos Socialistas caem como pedras de dominó. A maioria dos seus dirigentes instalam-se no novo espaço. Onde já se encontra, há muito, a instituição que conduz este processo de modo cada vez mais indisfarçado: o Partido Democrático dos Estados Unidos. Daí que Hillary Clinton, senhora da guerra com as mãos sujas de sangue de milhões de mortos e feridos e do sofrimento de milhares de refugiados, seja a figura de referência da Internacional Socialista de hoje. Está encontrada mais uma «nova esquerda», agora sim fazendo inequivocamente parte da direita.

Porém, como sabemos, nem todos os dirigentes socialistas apanharam a boleia de Blair e discípulos: existem casos de resistência a alguns valores essenciais; além disso, os chefes que fogem deixam para trás multidões de cidadãos que não estão dispostos a acompanhá-los como os ratos seguiram o flautista de Hamelin – e assim volto ao velho conto de Grimm.

Por isso, a esquerda – ou as esquerdas, se preferirem – têm agora milhões de seres humanos como destinatários de mensagens que sejam capazes de mobilizar o combate contra um adversário poderosíssimo mas cada vez mais definido e identificável, por muito que use e abuse da intoxicação, do ilusionismo e da mistificação.

Para que as mensagens sejam unificadoras da mobilização e dinamizadoras dos objectivos de luta é necessário que as esquerdas decidam, de vez, deixar de se dividir e engalfinhar em torno de ilusões que a realidade está cansada de desmascarar: a burla do «mercado livre», o mito «europeísta», a ideia absurda de que a União Europeia é «regenerável», a mentira de que é possível compatibilizar a democracia e a soberania com a obediência aos ditadores servindo Bruxelas e a moeda alemã, também chamada única ou euro.

Num dia, que está próximo pela força das circunstâncias, a Internacional Socialista mudará também ela de nome, sem precisar de fazer hara-kiri. Grande parte dos seus membros já o fizeram. Se preferir continuar a chamar-se assim, ficará como um imprestável paquiderme em busca do seu cemitério.

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por Augusta Clara às 00:17

Sábado, 25.02.17

O rosto repelente da verdade - José Goulão

 

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O óbito da solução de dois Estados não foi declarado só agora. A resolução da ONU estabelecendo a partilha da Palestina foi logo sabotada pelo recém-nascido Estado de Israel, quando iniciou a limpeza étnica das populações árabes.

 

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Donald Trump recebeu Benjamin Netanyahu na Casa Branca, a 15 de Fevereiro Créditos / Agência Lusa

 

   E a verdade chegou pelo rosto e pela voz que não encobrem as normas escabrosas regedoras do mundo, aplicadas por estruturas dominantes sem princípios nem valores, mesquinhas, desumanas, xenófobas, hipócritas. No seu discurso boçal, mas franco, Donald Trump disse que o rei ia nu, isto é, proclamou o que toda a gente sabia mas nenhum dos seus parceiros ousava admitir: não há lugar para a solução de dois Estados na Palestina. Ou seja, nega-se ao povo palestiniano o direito ao seu Estado. É uma cruel ignomínia; mas também é, por ora, a realidade dos factos.

Milhões de dedos escandalizados espetaram-se na figura odienta do novo presidente dos Estados Unidos da América, autor de uma blasfémia contra o direito internacional e, sobretudo, inquietador das boas consciências dos chefes da ONU, da União Europeia, de todos os «quartetos para a paz» feitos e desfeitos, de quantos se contentam em garantir a criação de dois Estados na Palestina enquanto o único existente, protegido a qualquer preço pelos poderes dominantes – vai engolindo palmo-a-palmo, traulitada-a-traulitada, todo o pedaço de terra onde deveria nascer o outro.

Avaliando, sem rodeios nem sob o efeito de melífluas declarações diplomáticas, a situação no Médio Oriente, apenas pode concluir-se que a solução de dois Estados na Palestina fracassou há muito. Terá morrido até à nascença, há 70 anos, quando as Nações Unidas, na vetusta e incumprida resolução 181, de 27 de Novembro de 1947, aprovaram o plano de partilha da Palestina, então sob mandato britânico.

Talvez seja este, afinal, o histórico, magno e escandaloso alcance da polémica proclamação de Trump. Apenas recordou e reafirmou as exigências impostas, em seu tempo, pelos Rockfellers, Rostchilds e quejandos, permanentemente lembradas ao complexo militar, industrial e tecnológico dos Estados Unidos pelos todo-poderosos lobbies judaicos.

O óbito da solução de dois Estados não foi declarado só agora. A resolução da ONU estabelecendo a partilha da Palestina foi logo sabotada pelo recém-nascido Estado de Israel, quando iniciou a limpeza étnica das populações árabes, a rapina dos seus bens, a destruição dos seus lares, vilas, aldeias e propriedades; prosseguiu com as deportações e anexações contínuas, as guerras de 1968, 1973, 1982, 1986, 1996...

A possibilidade de existência de um Estado Palestiniano ressurgiu vagamente com os acordos Rabin-Arafat de 1993, logo desmantelada pelo assassínio do então primeiro-ministro israelita e pela sequente sabotagem das negociações de paz por Peres, Sharon, Netanyahu, os beneficiários políticos da liquidação de Isaac Rabin por um criminoso saído das suas fileiras.

«A arrastada coexistência de falsas negociações com a colonização israelita da Cisjordânia, sempre em crescendo, e o sangrento desmantelamento de Gaza, inviabiliza, de facto, a existência de um Estado independente que tenha condições para sobreviver.»

 

A arrastada coexistência de falsas negociações com a colonização israelita da Cisjordânia, sempre em crescendo, e o sangrento desmantelamento de Gaza, inviabiliza, de facto, a existência de um Estado independente que tenha condições para sobreviver. Resta o gueto dito «autónomo» de Ramallah, preso nas suas próprias malhas, submetido ao ocupante sionista, mergulhado nos vícios da pequena e baixa política, joguete de interesses de uma aliança espúria entre o Estado segregacionista de Israel, agora plenamente racista e fascizante, e as petroditaduras do Golfo, com a Arábia Saudita à cabeça.

A tudo isto o mundo assistiu nos últimos 25 anos, repetindo a ladainha dos dois Estados como um mantra – enquanto Israel prosseguia tranquilamente a colonização/ocupação, acusando os palestinianos de se recusarem a negociar por contestarem as ininterruptas invasões dos destacamentos de assalto colonizadores.

A opinião pública deixou-se embalar nesta espécie de determinismo dos dois Estados, crente de que um dia qualquer veria nascer um Estado Palestiniano, espécie de sucedâneo dos milagres criadores de Bósnias, Kosovos, Sudões do Sul, Somalilândias; até que Trump estilhaçou o limbo com a crueza da verdade repelente: não há – nem nunca houve – ideia de cumprir a promessa da existência de dois Estados na Palestina.

A União Europeia, a ONU, as famílias Bush e Clinton, o próprio Obama sobem então ao palco exibindo consciências virginais, clamando contra o maléfico atrevimento do novo presidente norte-americano. Contudo, eles sabem como ninguém do que fala Trump.

Com eles esfumou-se a possível criação de um Estado palestiniano, porque cobriram, toleraram e encorajaram sempre a estratégia dilatória e as práticas criminosas de Israel. E a Obama, que se ufana de ter permitido a primeira resolução do Conselho de Segurança contra a colonização, há que recordar que o fez com oito anos de atraso. O ex-presidente sabia perfeitamente que qualquer dos seus sucessores – fosse Hillary Clinton ou Trump – inverteria tal posição, assumida já em fase de transição de mandato.

A proclamação sionista de Donald Trump tem ainda um outro significado, que não pode ficar soterrado nos escombros dos inflamados, hipócritas e inócuos protestos da chamada «comunidade internacional». O seu tom e conteúdo provam que o actual presidente norte-americano não surge do exterior do establishment e à margem do complexo militar, industrial e tecnológico que domina o sistema de poder federal e imperial.

Trump é o homem escolhido para o actual momento de crise e contradições da desordem capitalista neoliberal. As proclamações trovejantes por ele proferidas, em sintonia com as vontades da teia financeira, económica e política dos lobbies judaicos, confirmam-no – caso houvesse dúvidas.

Trump é a verdadeira imagem da América e do capitalismo de hoje.

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por Augusta Clara às 21:15

Sábado, 23.07.16

O terrorismo que Deus nos mandou - Augusta Clara de Matos

 

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   Há coisas que me deixam de boca aberta pelo inacreditável do que oiço. Que estes ataques isolados não têm solução, dizia há bocado um militar de alta patente (reformado) em comentário televisivo; que o presidente Hollande não pode fazer nada perante este tipo de terrorismo - afinal sempre serão islâmicos e ele acha que uma sanção moral (feita por quem?) será mais eficaz para os combater do que outros meios -; que têm uma analogia com a guerra de guerrilha.

Bom, eu não sou nem nunca fui militar mas, tanto quanto todos sabemos, as guerras de guerrilhas, apesar de usarem métodos de combate diferentes das guerras clássicas, não se fazem sem comandos que os adversários procuram atingir.

E, então, agora não há nada a fazer? Estas acções não têm por detrás uma ideologia politico-civilizacional-religiosa expansionista cuja inspiração e incentivo vem do tal Estado Islâmico ou DAESH neste momento com fronteiras estabelecidas numa determinada região? Alguma vez se registariam diariamente os crimes que estão a acontecer sem haver um direcção que encaminhasse e encorajasse todos os descontentamentos?

O que é impossível é que este ambiente de terror passe a ser a vida do dia-a-dia dos cidadãos de qualquer país, enquanto os incapazes governantes, mais responsáveis que ninguém do seu terramoto vivencial, vão fazendo as suas fictícias guerras privadas às origens do fenómeno, com alta penalização em número de vidas das populações da Síria, por exemplo, em vez de concertarem entre eles a derrota do que armaram no verdadeiro sentido do termo. Ou querem entregar-nos a todos de mão beijada e partirem de reforma para algum paraíso, fiscal já agora?

Na minha opinião, e estando consciente do aproveitamento que a extrema-direita faz desta situação, era o que os cidadãos europeus deviam começar a exigir: desfaçam o nó que nos ataram ao pescoço!

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por Augusta Clara às 10:00

Sábado, 23.07.16

A Democratura Turca - Francisco Seixas da Costa

 

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Jornal de Notícias, 22.7.2016

 

   Basta olhar um simples mapa para se perceber a importância geopolítica da Turquia. Ao tempo da Guerra Fria, a NATO tinha por lá a sua principal fronteira com o Oriente (a outra era a Noruega), frente à antiga União Soviética. A Aliança Atlântica havia cooptado o país para um “mundo livre” onde as liberdades internas não constituíam uma preocupação essencial, como já acontecera com a integração do Portugal ditatorial de Salazar. Da mesma forma, também não foi impedimento o seu pendor agressivo no caso de Chipre, contra o direito internacional, prolongando uma conflitualidade “congelada” com a Grécia, ironicamente seu parceiro na organização.

A evolução interna da Turquia, onde as Forças Armadas eram o “backseat driver” da vida política, apontou por muito tempo numa direção que parecia aproximar-se dos princípios europeus. A laicidade imposta pelo poder militar, vinda dos tempos de Ataturk, favorecia a consolidação daquilo que parecia ser a progressiva institucionalização de uma democracia sem viés religioso. Na sociedade turca, fazia-se entretanto ouvir um setor favorável ao projeto europeu, no seio uma modernização social e de mentalidades que, por décadas, parecia imparável.

Alguma Europa, contudo, olhou sempre com sobranceria para as ambições europeias da Turquia. No íntimo, muitos responsáveis políticos entendiam que o mais importante era manter o “movimento” de aproximação, para sustentar a ligação do país ao “lado de cá”, deixando para as calendas a formalização de um processo de (improvável) adesão.

A Turquia seguramente que percebia isto e um “faz-de-conta” instalou-se a partir de 1999, com o país a dispensar a pena de morte na sua legislação, para agradar a uma Europa que, à escala global, se assumia como promotora do fim da pena capital (muito embora olhasse para o lado quando alguém se referia aos EUA e, depois, à China). E as negociações para a adesão iniciaram-se.

Erdogan surgiu entretanto no horizonte político, fingindo aceitar a laicização de Ataturk mas abrindo caminho à islamização crescente das instituições. O tropismo autoritário do regime acentuou-se e as negociações de adesão foram “patinando”. Até que surgiu a crise dos refugiados (já agora, que será feito deles, nestes dias trágicos da Turquia?). A Europa, sem cerimónias nem preconceitos, “subcontratou” a Turquia para travar os fluxos que a incomodavam. Com cheques e promessas, Bruxelas (em especial Berlim) mostrou que estava conjunturalmente nas mãos de Erdogan.

E chegamos aos dias de hoje. Que fará a Europa perante a emergência desta “democratura” – uma democracia apenas eleitoral, com contornos evidentes de ditadura? E volto ao início do texto: a importância geopolítica da Turquia sobrelevará os valores europeus?

* Diplomata / Embaixador

Jornal de Notícias | 22.7.2016

 

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por Augusta Clara às 08:00

Sábado, 16.07.16

"O presente de Deus" a Erdogan - José Goulão

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José Goulão  "O presente de Deus" a Erdogan

 

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Mundo Cão, 16 de Julho de 2016

 

   O presidente da Turquia, Recep Payyp Erdogan, afirma que a tentativa de golpe militar de sexta-feira foi um “presente de Deus”: vai permitir-lhe “limpar” as forças armadas.

Quem fala verdade não merece castigo, pelo que todos os deuses evitarão punir o autocrata turco, embora sabendo que muitos são os seus pecados.

E “limpezas” são a especialidade deste padrinho e protector de uma miríade de grupos de mercenários e terroristas entre os quais se destacam, para os que não estão lembrados ou o ignoram, o Daesh ou Estado e Islâmico e a Al-Qaida nos seus muitos e variados heterónimos.

Limpou o país da oposição, acusando os principais adversários de servirem os direitos nacionais curdos e ameaçando privá-los da nacionalidade turca. Para que não surgissem obstáculos à sua ascensão ao topo presidencial do poder fez manipular actos eleitorais através da propaganda, da censura e do medo, de tal modo que nem os observadores do Conselho a Europa e da OSCE, embora reconhecendo as irregularidades em privado, ousaram torná-las públicas e definitivas.

Limpou o aparelho judiciário e militar saneando centenas de juízes e os procuradores que denunciaram a corrupção governamental e da família Erdogan, designadamente a sua familiaridade pessoal e financeira com o banqueiro saudita Yassim al-Qadi, próximo de Bin Laden e conhecido internacionalmente como “o tesoureiro da Al-Qaida”. Por essa razão, está sob a mira da ONU, o que não o impede de deslocar-se a Ancara em avião privado para conviver e gratificar generosamente a família presidencial.

Vem limpando paulatinamente as forças armadas, mas este “presente de Deus”, como admitiu o próprio Erdogan, proporciona-lhe uma oportunidade de ouro para acelerar o processo. A partir de agora ruirá o maior obstáculo secular à confessionalização de um regime turco formatado em estrutura ditatorial e em teor fundamentalista islâmico.

Erdogan fala claro, disso não tenhamos dúvidas. Há 20 anos, em plena ascensão na carreira política, iniciada entre os fascistas e supremacistas “lobos cinzentos”, definiu a democracia como “um eléctrico que abandonamos quando chegamos à nossa paragem”. Recentemente falhou a consulta para impor uma Constituição “inspirada em Hitler” – as palavras são suas – de modo a consolidar um poder presidencial absoluto.

A seguir a esse intuito por ora fracassado, Erdogan começou então a receber “presentes de Deus”.

O atentado contra o aeroporto de Istambul parece ter sido um deles. Apear da autoria não ter sido reivindicada, Erdogan atribuiu-o ao Daesh, por conveniência da sua própria imagem internacional; mas por que razão os protegidos iriam atacar no coração do protector? Provavelmente por convergência de interesses – uma mão lava a outra, não é o que se diz? Um atentado é, sem dúvida, oportunidade de ouro para reforçar poderes de excepção e perseguir inimigos internos vários, mesmo que nada tenham a ver com a violência.

Quando ainda decorre o rescaldo do acto terrorista surge o golpe militar, com inegáveis debilidades de amadorismo num exército dos mais poderosos da NATO, precisamente com Erdogan ausente, “de férias”, circunstância excelente para um regresso triunfal, afirmativo, justificando limpezas. Deus não poderia ter sido mais generoso, em boa verdade.

Enfim, é a este ditador turco que a União Europeia paga anualmente três mil milhões de euros confiscados aos nossos impostos para impedir que cheguem à Europa os refugiados das guerras que os donos da Europa provocam. Para que conste, não há um vínculo formal entre o conselho Europeu e Erdogan sobre esta verba; foi estipulada apenas em comunicado de imprensa dos chefes de Estado e de governo da União Europeia.

Foi com este presidente turco que o governo francês negociou a garantia de não haver atentados do Daesh durante o Euro 2016, em troca do apoio à criação de um Estado curdo no Norte da Síria. Constatámos, da maneira mais trágica, que ao Daesh bastaram apenas quatro dias para se libertar do período de nojo, fazendo gato-sapato do securitarismo fanático e inconsequente de Hollande e Valls.

É a este presidente turco que a União Europeia ainda reconhece credenciais de democrata, apesar de o próprio rei Abdallah da Jordânia ter revelado o seu apoio ao Daesh, à Al-Qaida, ao contrabando de petróleo que serve de financiamento ao Estado Islâmico e de enriquecimento à mafia familiar de Erdogan.

Foi comovente – e patético – o apoio de grande parte da comunidade mediática a Erdogan durante as vicissitudes da tentativa de golpe e ao uso dos seus apoiantes como escudos humanos e carne para canhão nas ruas, praças e pontes das principais cidades da Turquia.

Entre a componente militar e a mafia governamental de Erdogan estavam em luta, durante a tentativa de golpe, dois conceitos de regime autoritário: um secular, outro fundamentalista islâmico. A democracia e os interesses populares não tinham nada a ver com aquela guerra entre elites interesseiras e pouco ou nada preocupadas com as pessoas.

O terrorismo islâmico, a guerra e a anarquia no Médio Oriente, porém, têm muito a ganhar com a absolutização do poder de Erdogan em Ancara. Ou seja, é impossível estar simultaneamente contra o terrorismo islâmico e temer pelo futuro político de Erdogan. A democracia não passa por aí, mas também já pouco se sabe dela nesta União Europeia.

Porém, quando a vida das pessoas está à mercê destes “presentes de Deus” é possível testemunharmos os acontecimentos e os ditos mais bizarros.

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por Augusta Clara às 20:00

Terça-feira, 21.06.16

Falemos então do Brexit - José Goulão

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José Goulão  Falemos então do Brexit

 

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   Mundo Cão, 21 de Junho de 2016

   Está em curso uma intoxicação epidémica, que tem contornos de uma operação de terror, sobre as terríveis consequências que se abateriam sobre o mundo, a Europa e até este pobre cantinho lusitano se o Reino Unido, por sinal o braço europeu mais fraterno do grande império, sair da União Europeia.

A vaga de propaganda chantagista sobre os horrores que adviriam dessa hipótese atingiu a histeria do vale-tudo e mesmo agonias de desespero que justificariam uma investigação séria sobre as circunstâncias que levaram ao cobarde assassínio da deputada trabalhista Jo Cox. Para todos os efeitos, o autor foi um demente dedicado aos folclores nazis, agiu sozinho e pronto. O assunto foi retirado das primeiras páginas, ficando agora cada qual com a resposta à pergunta clássica que se faz para adivinhar o criminoso nos romances policiais: a quem aproveita o crime?

Sair da União Europeia é um direito inalienável dos britânicos, que quase certamente não se livrarão de uma segunda consulta, ou das que forem necessárias, se teimarem em dizer que não desejam estar num sítio onde, em boa verdade, nunca estiveram de boa vontade. Não é este o hábito dos mandantes da União Europeia, vide as repetições de referendos na Irlanda, em França e na Holanda até se obterem os resultados pretendidos pela ditadura financeira internacional?

A saída do Reino Unido da União Europeia, ou a sua continuação, será o resultado de um exercício básico de democracia, essa coisa que está de tal maneira corrompida no espaço europeu que os senhores de Bruxelas até se esquecem de a invocar. Ao invés, em vez de promoverem o esclarecimento sereno dos britânicos, patrocinam uma campanha de medo e mentiras onde avultam figuras desacreditadas como o presidente dos Estados Unidos, o conspirador e golpista internacional George Soros através do seu Grupo Internacional de Crise (destruição da Jugoslávia, criação do Kosovo, golpe fascista na Ucrânia e outras coisas equivalentes) e o inimitável Tony Blair – será impossível resumir as suas malfeitorias, mas bastará recordar a sangria do Iraque baseada numa comprovada aldrabice. Enfim, são todos muito boas recomendações para um Reino Unido dentro da União.

O ambiente de pressão é de tal ordem que um cidadão comum quase terá que pedir desculpa para dizer que não virá mal nenhum ao mundo se o Reino Unido sair da União Europeia, entidade em implosão. O grau de desmantelamento é tal que Bruxelas e a colaboracionista David Cameron em Londres fabricaram uma União Europeia à la carte para os britânicos, a qual, bem à medida do primeiro-ministro inglês, é racista e xenófoba. Não foi ele que qualificou os refugiados e imigrantes como “uma praga”, levando Bruxelas atrás de si, o que nesta matéria nada tem de difícil? A partir de agora qualquer país da União pode reclamar um estatuto especial para si, ameaçando com a saída. Será uma simples questão de coragem política.

Alega-se: do lado do Brexit estão os fascistas britânicos. Pois estão. E quem está ao lado dos fascistas ucranianos, polacos, húngaros, eslovacos, estonianos, lituanos, croatas, kosovares, turcos com quem a NATO e a União Europeia anda nas palminhas? Os fascistas estão em todo o lado na Europa, porque os dirigentes da Europa lhes estendem as mãos, uns por oportunismo, outros por convicção. Quando se der o alerta geral provavelmente será tarde.

Com ou sem Brexit, a União Europeia está a cavar um pouco mais da sua sepultura. Enquanto isso, fortalecem-se os sinais, em todo o mundo, de que o neoliberalismo, como estado supremo do capitalismo, necessita cada vez mais de sistemas políticos autoritários para maximizar os proveitos da sua anarquia financeira. Isto é, o mercado verdadeiramente livre sente ainda como estorvo o pouco que resta de democracia. Por isso o fascismo ressurge em cada canto, por ser o infalível garante da equação exploração máxima igual a lucro máximo. Por isso, ao contrário do que malevolamente proclama a comunicação transformada em propaganda, mesmo que seja “de referência”, os manifestantes em França contra a lei laboral esclavagista não são “herdeiros de Pétain”. Lutam sim contra os políticos cúmplices dos imensos poderes internacionais que arrasam, sem dó, os direitos sociais e humanos. Os grandes impérios económicos e financeiros alemães lucraram a bom lucrar com o nazismo de Hitler. Por isso, é uma mentira deslavada e uma grosseira chantagem intelectual dizer que o fascismo e a liberdade sem limites do mercado são inconciliáveis.

Pelo contrário, são feitos um para o outro. E desta feita já têm em funções a União Europeia e a NATO como regaços dessa aliança criminosa, dispensando grandes invasões militares, pelo menos na Europa até às fronteiras russas.

Com ou sem Brexit, é claro.

 

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por Augusta Clara às 15:45

Quinta-feira, 12.05.16

Áustria outra vez - José Goulão

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José Goulão  Áustria outra vez

  

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Mundo Cão, 11 de Maio de 2016

   Dizem que a História não se repete; ou que se repete como farsa. Porém, ninguém pode garantir, apesar de asserções tão veementes, que ela não se repita como tragédia. Pode acontecer, parece mesmo que já está a acontecer sob os circunspectos narizes das eminências da União Europeia, porém tão ocupadas a estrangular a Grécia, a decifrar os oráculos de arbitrariedade do BCE e do Eurogrupo, a subverter as vontades legítimas dos portugueses, a devolver refugiados aos campos da morte, a minar o voto referendário dos britânicos, a bajular o sultão turco, a pretender caçar terroristas que não precisam de extraordinários talentos para estarem sempre dois passos à frente da parafernália de espionagem virada contra a privacidade do cidadão comum.

Adolf Hitler era austríaco, recorda-se. Isso não quer dizer que a Áustria seja um berço de führers nazis; mas também não se pode garantir que a semente geradora de um se tenha tornado improdutiva. Porque quando se lêem resultados eleitorais onde um herdeiro político do criminoso que desencadeou a Segunda Guerra Mundial atinge os 35 por cento à primeira – mais uns pozinhos do que os nazis alemães obtiveram no sufrágio que lhes ofereceu o governo em 1933 – deduz-se que o caso é de monta, deveria ser levado a sério.

Sobretudo porque não é um caso isolado na Europa, embora tenha a enorme carga, e não apenas simbólica, de ter emergido na Áustria. Há os bandos da senhora Le Pen em França; o governo e os seus grupos de assalto fascistas na Ucrânia, entronizado um pela santíssima aliança entre a União Europeia e os Estados Unidos, treinados outros por militares norte-americanos, na reserva ao que dizem; há também as maquinações governamentais fascistas nos países nórdicos e bálticos; os garrotes do nacionalismo aristocrático ultramontano com que os governos polaco e húngaro asfixiam metodicamente os seus povos; há ainda o imperador pan-turco Erdogan, o garante de que as guerras no Médio Oriente estão para durar enquanto brinca com as vidas de milhões de fugitivos, abrindo-lhes ou fechando-lhes as portas da sobrevivência com as mãos untadas pelo dinheiro surripiado aos contribuintes europeus.

Para lá do Atlântico, Trump reina como um vingativo salvador de desvalidos e descontentes sobre o pântano republicano e a criminosa mentira democrática; nas Filipinas triunfa eleitoralmente El Castigador, o nacionalismo terrorista que comanda hordas de esquadrões da morte invocando a injustiça social, assustadora, que as “elites políticas” – assim lhes chama – têm aprofundado usando o Estado como se fosse coisa sua.

Na Venezuela, na Argentina, no Brasil, amanhã na Bolívia, quiçá no Uruguai, os fascistas outrora com fardas de generais e carrancas de carrascos, hoje de polo de marca, ou de fato e gravata e sorriso de gel, estão a dar largas ao ódio de vingança há muito acumulado contra as transformações democráticas e populares, comandados, como sempre, pela batuta de Washington.

Tudo isto acontece, aqui e lá, sobre os escombros dos sistemas tradicionais de poder, entre eles o tão famoso “bloco central” em que a sanguessuga neoliberal assentou o seu regime, usando a democracia para subverter a democracia. A realidade não é assim tão simplista, tem variantes, mas o que conta são os resultados: alargamento do fosso das desigualdades, mais milhões empurrados para junto dos milhões de deserdados, a fome e as epidemias alastrando, centenas de milhões de seres humanos à deriva pelo planeta, e o mundo nas mãos de meia dúzia de eleitos que ninguém elegeu e que usam a Terra como o seu quintal, manejando os cordelinhos das marionetas políticas – parece ter chegado o momento em que só as genuinamente fascistas lhes servem.

Enquanto isto acontece, a comunicação social dominante oferece-nos uma realidade paralela embalada no basbaquismo das maravilhas tecnológicas, e assim transforma a ficção em vida para consumo, na mais conseguida e universal das lavagens aos cérebros.

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por Augusta Clara às 08:00



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